Décimo Nono Domingo do Tempo Comum - Ano A

 



 

DEUS ESTÁ PRESENTE NAS LUTAS DA COMUNIDADE

 

Primeira leitura (1Rs 19,9-13)

O profeta Elias (séc. IX a.C.) fez uma peregrinação ao monte Horeb (ou Sinai) e lá ele fez uma experiência “estranha” de Deus: “Houve um vento impetuoso... depois do vento, um terremoto... depois um fogo”. Elias então pensou que estava diante de Deus. É que os antigos contavam que Deus se manifestava nestes fenômenos. A mesma experiência, diziam, tivera Moisés (Ex 19, 16-19).

Para grande espanto seu, porém, Elias percebe que o Senhor não se encontrava no vento, nem no terremoto, nem no fogo, mas “no murmúrio de uma brisa suave”. Mudando o seu modo de se revelar, o Senhor quer dar a entender ao profeta que o seu modo de imaginar a face de Deus não é puro; estava ainda ligado ao conceito pagão, supersticioso e obscurantista de representar a Deus.

Não foi fácil para Elias mudar de mentalidade e aceitar uma nova imagem de Deus, diversa daquela à qual estava acostumado.

A experiência de Elias é a imagem daquilo que acontece a muitos de nós hoje. Há ainda muitos cristãos que em verdade adoram um Deus que é idêntico ao dos pagãos ou ao dos muçulmanos: um Deus que distribui prêmios e castigos, que manda doenças e desgraças, secas ou enchentes para os pecadores.

Ninguém de nós pode fundar a própria crença na ignorância. Não se pode continuar pensando que quem acredita em Deus terá sucesso profissional, terá sorte, encontrará um bom emprego, não estará sujeito a contratempos, terá vida longa, filhos fortes e sadios. Este modo de imaginar Deus e a religião é muito imperfeito e até falso, presta-se a sérias críticas e é justamente por isso ridicularizado pelos ateus. É preciso que, os que pensam assim, se ponham a caminho como Elias, e se preparem para descobrir a nova face de Deus.

 

Segunda leitura (Rm 9,1-5)

Neste trecho da Carta aos Romanos, Paulo revela que padece de uma angústia profunda: porque os judeus, seus patrícios, rejeitaram a Cristo? Como é possível que o povo eleito, os filhos de Abraão, os herdeiros das promessas feitas aos patriarcas tenham rejeitado o Messias? (vv. 1-2).

Desde a sua conversão, Paulo procurou anunciar Cristo aos seus irmãos, mas em vão. Pelo contrário exasperou ainda mais a oposição.

Esta experiência de Paulo é a imagem daquilo que muitas vezes acontece também em nossos dias. Quem dentre nós não fica sentido ao ver alguns membros da própria família, ou amigos muito queridos, ou a namorada, ou o próprio marido que não querem nada com Cristo, com a Igreja, com a vida cristã?

 

Evangelho (Mt 14,22-33)

Convém dizê-lo logo de início: não é um fato histórico. Ou será que Jesus é um bruxo ou um mágico que tem comportamentos estranhos para assustar, impressionar, para deixar a todos de boca aberta?

Se tomarmos este trecho como um simples fato de crônica, encontramos alguns detalhes de difícil explicação. Porque Jesus manda os discípulos partirem sozinhos? Para onde devem ir? Porque não vai junto com eles de barco e os segue depois, durante a noite, de uma forma bastante estranha? Porque os discípulos demoram tantas horas para atravessar o lago? (Parece que não foi o mau tempo, pois Jesus sobe à montanha e ali permanece até a noite). E mais: é muito estranha a pretensão de Pedro andar sobre as águas. Quando começa a afundar porque tem medo, não sabe acaso nadar (era um pescador profissional)?

É um relato simbólico. O mar, segundo a maneira de pensar dos antigos, era o lugar onde estavam as forças do mal, os demônios, os monstros inimigos do homem. Somente Deus tinha conseguido dominá-lo. Durante a criação, ele tinha estabelecido um limite para as águas que elas não deveriam jamais ultrapassar (Sl 103, 5-9). Deus era o único que tinha poderes para acalmar a sua violência (Sl106,25-30), e o que mais nos interessa para a leitura de hoje, era também aquele que caminhava sobre as águas do mar ( 9,8). A barca de Pedro é a comunidade cristã agitada pelas ondas das perseguições dos pagãos, quer pelas divisões, quer pelos contrastes surgidos internamente.

Foi depois da páscoa que os discípulos se deram conta da verdadeira identidade de Jesus, quando ele já não estava com eles no barco e deviam enfrentar sozinhos as dificuldades da vida. É depois da ressurreição, quando “eles pensam que ele seja um fantasma”.(cf.Lc 24,37) que se dão conta, ao contrário, que em verdade ele nunca os abandonou. Está sempre com eles (cf.Mt 28,20). Só que não é mais uma presença física.

Se Jesus caminha sobre as ondas é para dizer que ele é Deus: é uma profissão de fé: “Tu és verdadeiramente o Filho de Deus”. É esta a mensagem que Mateus quer passar com este relato.

A segunda parte do Evangelho (vv.28-33) registra o diálogo entre Jesus e Pedro. Começa com um pedido do apóstolo: “Senhor, se és tu, manda que eu chegue até onde estás sobre as águas” (v.28). O pedido é estranho, mas somente para quem o interpreta em sentido literal. Mas se for interpretado nos contextos simbólicos de toda a narrativa, então o sentido se torna claro. Pedro, o primeiro entre os discípulos, sente-se fraco e frágil diante da difícil missão que o espera. As forças do mal são violentas e o assustam, quem lhe dará as forças necessárias para enfrentá-las? Como poderá o barco da comunidade dos discípulos evitar de ser submerso pelos poderes deste mundo?

Eis a resposta que Mateus dá às suas comunidades, perturbadas pelas perseguições externas e pelas dissensões internas: Jesus comunicou a Pedro o seu poder divino e este poder continua presente na Igreja.

Em nossos dias, diante das forças do mal que, quer dentro da Igreja, quer fora (injustiças, corrupção, violências abusos de poder...) os seguidores de Cristo podem sentir-se extraviados. Mas não há motivo para ter medo. Eles sabem que a seu lado está o Ressuscitado, que nos momentos difíceis lhes estende a mão e lhes comunica a sua força.

Resumindo: este texto é uma catequese. Para chamar a atenção de seus leitores, Mateus monta uma cena fantástica com Jesus (Ressuscitado) “caminhando” sobre as águas, e Pedro numa pretensão estranha, (até um tanto grotesca), de querer caminhar sobre as águas. A cena cria um suspense para chegar à mensagem que é o objetivo desta catequese: os discípulos, e nós com eles, ajoelhados e dizendo: “Tu és realmente o Filho de Deus”.

Diante das dificuldades enfrentadas pelas comunidades de ontem e de hoje, saibam os discípulos que Jesus está presente, sim, para dar força e coragem, pois ele garantiu: “Eis que estou convosco todos os dias até o fim do mundo (Mt 28,20).

 



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