A
SALVAÇÃO NASCE DOS POBRES
Primeira leitura (Mq 5,1-4ª)
No tempo de Miquéias a
situação em Israel era calamitosa: juízes corruptos, sacerdotes “dinheiristas”,
uma minoria de ricos gananciosos que se apoderavam das
terras e empregavam os pobres como mão-de-obra barata.
Mas eis que surge um
profeta do interior, Miquéias, que anuncia que da descendência de Davi terá
início um novo reino. O profeta, sem dúvida, pensava num rei
deste mundo, mas Deus realizou a sua profecia infinitamente além de qualquer
expectativa humana e faz nascer de Maria o anunciado filho de Davi: Jesus, que
cumpriu o que está escrito na segunda parte da leitura (vv.3-4): foi um bom
pastor, que guiou Israel com a “força do Senhor” e deu início a um mundo novo.
As nossas comunidades
cristas são chamadas a ser um sinal de que surgiu no mundo uma sociedade nova e
alternativa, formada por pessoas que não aceitam a opressão e o domínio sobre
os outros, que acreditam na força do perdão, da não-violência, da renúncia ao
acúmulo de bens materiais.
Segunda leitura (Hb 10,5-10)
As pessoas do AT,
quando se sentiam impuras ou precisavam pedir perdão pelos próprios pecados,
compravam um cabrito, ofereciam-no ao sacerdote e este o oferecia em sacrifício
a Deus. Pura ilusão! Deus não precisa de sacrifícios. Os profetas eram muito
reticentes diante dessas práticas, porque não envolviam o coração das pessoas.
Em compensação
encontramos uma prece muito bonita de um homem que diz assim: “Eu sei, senhor,
que tu não recebeste com agrado o perfume do incenso, nem o holocausto das
carnes dos carneiros imolados no altar: outra coisa eu te prometo: cumprir
sempre a tua vontade, pois sei que isto te agrada” (vv.5-6).
Em seguida o autor diz
que Cristo cumpriu em si mesmo as palavras deste salmo porque ele não ofereceu
nenhum sacrifício material, mas disse ao Pai: “Eis que venho para fazer a tua
vontade”. Assim aboliu o antigo regime e estabeleceu uma nova liturgia.
Evangelho (Lc 1,39-48)
O episódio da visita
de Maria a Isabel não é crônica. Ou seja, não é algo que aconteceu de fato. É
uma “bricolagem teológica”. É uma coisa “arranjada” com base no Antigo
Testamento. Além disso, não constitui um ponto de referência importante para a
nossa fé. Se fosse uma crônica, como explicar a pressa de Maria se Isabel
estava no sexto mês e depois de três meses Maria veio embora? Como explicar o
estremecimento do feto no ventre de Isabel quando da visita de Maria? Outra
observação: Maria e Isabel não conversam como mulheres simples, do povo, mas
trocam entre si frases bíblicas. Parecem dois peritos em bíblia.
Na verdade, o objetivo
de Lucas é alimentar a fé do discípulo e quer conduzir à compreensão sobre quem
é aquele Jesus a quem somos chamados a dar a nossa adesão.
É estranho que Lucas
diga que Maria “saudou Isabel” (v.10). Se se tratasse apenas de um “bom dia”,
por que mencioná-lo? É que os judeus daquele tempo como os de hoje
ao se encontrarem dizem “shalom”= paz. A paz sintetiza o acúmulo de todos os
bens que Deus prometeu ao seu povo. É o sinal de que o Messias já chegou a este
mundo. “Florescerá em seus dias a justiça e a abundância da paz, até que cesse
a lua de brilhar” (Sl 72,7). O Messias é chamado por Isaías
“Príncipe da paz” (Is 9,5).
Nos lábios de Maria a
palavra “paz” é uma solene proclamação de que chegou ao mundo o esperado
Messias e que com ele teve início o reino de paz anunciado pelos profetas.
As palavras de Isabel
a Maria “Bendita és tu entre as mulheres” não são novas. No AT há duas mulheres
que recebem a mesma saudação: uma é Jael (Jz 5,24) e a outra é
Judite (Jt 13,18). Foram duas mulheres guerreiras. Isto significa
que Deus realiza feitos estupendos servindo-se de instrumentos frágeis aos
olhos dos homens.
De modo semelhante
através de Maria Deus realizou o acontecimento mais extraordinário da história:
a salvação da humanidade.
Quem são hoje as
mulheres “afortunadas”? Não são as que conseguiram enriquecer, as que obtiveram
sucesso, as que se tornaram famosas e importantes? É a irmã (freira) idosa,
talvez esquecida por todos, que consagrou a sua vida inteira para cuidar dos
leprosos numa floresta da África. Na verdade, não é esta, verdadeiramente “bendita
entre as mulheres”?
Isabel continua:
“Donde me vem a honra de vir a mim a mãe do meu Senhor?” Quando a arca da
Aliança foi levada à casa do rei Davi, este exclamou: “Como entrará a Arca do
Senhor na minha casa?” (2Sm 6,9). A arca ficou na casa de Davi por
três meses. Maria ficou na casa de Isabel por três meses. Não era de
esperar que Maria ficasse mais tempo para ajudar Isabel que tinha completado os
nove meses de gravidez? É que Lucas quer dizer que Maria é Nova Arca da
Aliança. É bom lembrar que na arca da aliança estavam as duas pedras onde
estavam escritos os dez mandamentos, ou seja, a Palavra de Deus.
Ensinamento para nós:
o privilégio de carregar o Senhor dentro de si não é privilégio reservado só a
Maria. Cada um de nós deve ser, como Maria, "arca da Aliança”. Ainda mais,
agora, nós, discípulos e discípulas de Jesus de Nazaré, devemos empenhar-nos
para preservar o verdadeiro espírito do Natal. Jesus veio para os pobres e
instaurou uma religião filial.
Maria é proclamada
“Bem-aventurada” porque “acreditou no cumprimento das palavras do Senhor”
(v.45). Isto está em perfeita harmonia com o Evangelho de Lucas, no qual ela
aparece como modelo de discípulo. O próprio Jesus afirma haver uma
bem-aventurança que supera a da maternidade física: “Felizes, antes, os que
ouvem a palavra de Deus e a observam (Lc 11,27s). Maria, a serva do
Senhor (1,28) merece a bem-aventurança dos ouvintes cristãos aos quais Lucas,
em At 2,18, chama de servos e servas do Senhor.
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