LIBERTAÇÃO: DOM E COMPROMISSO
Os textos da liturgia de hoje são difíceis e
estranhos para nós, foram escritos há dois mil anos atrás, para o povo daquele
tempo. A primeira leitura, do profeta Jeremias, 500 anos a.C., fala da volta dos hebreus do
exílio da Babilônia, o que pouco ou nada nos interessa. . A segunda e a
terceira leitura falam da volta do Filho do Homem (Jesus) sobre as nuvens do
céu com grande poder e majestade para acabar com a aventura dos homens nesta
terra. Ora, esta volta de Jesus é um mito, uma lenda. Não vai acontecer.
Ilusão.
Agora o que
pode acontecer é que o homem acabe com a
vida neste nosso planeta, poluindo o ar, os rios, as plantas com agrotóxicos
tornando a vida impossível. Segundo os ambientalistas, 15 milhões de espécies
de animais e plantas foram extintos para sempre e o número cresce a cada dia. O
desmatamento da Amazonia, infelizmente tolerada e até promovida pelo nosso
presidente é um crime contra o Brasil e contra a humanidade. Já começamos a
sentir os efeitos. Bem disse o papa Francisco: “ O tempo para salvar o planeta
está se esgotando”.
Mas então, já que
a liturgia romana impõe estes textos, vejamos como interpretá-los
Primeira leitura
(Jr 33,14-16)
O povo hebreu passou 50 anos no exílio de
Babilônia. A partir de 530 a.C. começaram a voltar. Para sua decepção,
encontraram a cidade de Jerusalém em ruínas. Sua terra se transformara num
antro de chacais (Jr 10,22), ao seu redor só apareciam sinais de morte e de
destruição, deixados pelos ferozes soldados da Babilônia.
Para animar o povo, o profeta Jeremias recorda as
promessas que Deus fizera a seu povo: na família de Davi surgirá um
rebento santo que estabelecerá a paz e a justiça na terra (v.15-16). Muitos
israelitas esperavam uma intervenção espetacular de Deus. Mas como Deus não é
um Deus intervencionista, caberia ao povo reconstruir a cidade e o país.
O “rebento de Davi” já chegou, mas o mundo de paz e
justiça ainda não chegou. As forças de morte que Jesus procurou
combater e eliminar, continuam minando a vida das pessoas: a vida sempre
ameaçada, morte infantil (70.000 crianças morrem de fome por dia), corrupção,
desigualdade social: abismo entre ricos e pobres, falta de trabalho, drogas
etc.
A mensagem de Jesus, o “rebento de Davi”, é uma
semente que é preciso ser cultivada, obra que cabe à Igreja, continuadora da
obra de Jesus. A Igreja, infelizmente, não tem a coragem profética de Jesus que
se envolveu profundamente na vida social do seu tempo, combatendo as forças de
morte: os anciãos (poder econômico), os sacerdotes (poder político), os
escribas (poder ideológico). Além disso, combateu uma religião ritualista,
opressora e alienante que era praticada no
templo onde se imolavam animais pensando que isto agradava a Deus. Por
tudo isso, Jesus foi condenado à morte. Morreu porque levou seu profetismo até
o fim. Infelizmente a Igreja abandonou o profetismo e prega um Jesus que agrada
todo mundo; não forma discípulos nem seguidores e também não incomoda ninguém.
O movimento “Jesus” que no início se chamava “O Caminho” tornou-se uma religião
baseada em devoções e ritos alienantes.
Segunda leitura (1Ts 3,12-4,2)
As primeiras comunidades esperavam a
segunda vinda de Jesus para logo. Por isso S. Paulo pede ao Senhor
que faça crescer ainda mais o amor recíproco entre os
tessalonicenses, pois é este o caminho que conduz à santidade e é a única
maneira de se manter vigilante para a vinda do Senhor (v.13). Para nós, o
advento é uma preparação para acolher melhor a Jesus em nossa vida.
Evangelho (Lc 21,25-28.34-36)
O texto de Lucas em questão é um
apocalipse (fantasia). O gênero literário apocalítico não quer falar de coisas
que irão acontecer num futuro remoto ou próximo. É um modo misterioso de
falar sobre as coisas do tempo presente. É uma linguagem para tempos difíceis,
cuja finalidade é animar as comunidades para a denúncia profética e a
resistência diante de tudo o que se opõe ao projeto de Deus.
É próprio da apocalíptica traduzir, por meio de
sinais grandiosos, a presença do Filho do Homem na história.
Quando este evangelho foi escrito, Jerusalém já
estava destruída. Mas esta destruição não é o fim do projeto de Deus. O
cristianismo tem um caminho aberto pela frente. Lucas não pretende instruir
sobre o final dos tempos, estes já começaram com a encarnação, morte e
ressurreição de Jesus. É aqui, em nossa história cheia de conflitos, que somos
chamados a levantar a cabeça e ficar de pé, pois nossa libertação está próxima,
ou seja, está em curso, pois o Cristo, tendo vencido as forças da morte, está
vivo e virá para nos salvar definitivamente.
É próprio da apocalíptica traduzir, por meio de
sinais grandiosos, a presença do Filho do Homem (=Jesus) na
história. Os vv.25-28 mostram alguns desses sinais no sol, na lua e
nas estrelas ( os antigos pensavam que as estrelas estavam pregadas na abóboda
celeste). No Antigo Testamento os abalos cósmicos são prenúncio da novidade que
Deus vai criar. Algo de completamente novo está para acontecer.
A vinda do Filho do homem, esperada para logo pelos
antigos, é descrita no v. 27. Sua vinda é marcada pelo julgamento dos que se
opõe ao projeto de Deus (vv.25b-26). Quem são os que verão o Filho do homem: os
que se opuseram a ele e aos discípulos, aos quais foi confiado o projeto de Deus.
Com estas imagens estranhas, baseadas em
catástrofes cósmicas, o evangelista pretende afirmar que os inimigos do projeto
de Deus (as nações) vão perdendo, por força do testemunho das comunidades
cristãs, as máscaras que ocultavam a injustiça e a perversidade da sociedade
estabelecida. A vinda do Filho do Homem, portanto, não é algo que se deva
esperar passivamente. Pelo contrário, é já uma presença, cuja manifestação
depende do testemunho dos cristãos.
“Quando estas coisas começarem a acontecer, fiquem
de pé e levantem a cabeça, porque a libertação está próxima.
Trata-se do resgate que Cristo pagou com seu sangue. Contudo, o processo
de libertação continua mediante a prática da justiça e o esforço para criar a
humanidade de acordo com o projeto de Deus. Isso é tarefa dos discípulos. Ao
dar continuidade ao processo de libertação, os cristãos enfrentam os conflitos
e perseguições dos que não desejam que as coisas mudem. Nesse combate, o Filho
do Homem é nosso aliado e juiz. Ele declara inocentes os que lhe forem fiéis, e
lhes dá vitória.
Os vv. 34-36 falam da vigilância no sentido de
discernimento do que leva ou não ao projeto de Deus. Para Lucas é mediante a
lucidez, o senso crítico em relação à sociedade, é que as pessoas vão
descobrindo a presença do Deus que age conosco e em nosso favor. Por isso
fiquem sempre de pé e rezem para ter força.. Não se trata de um apelo “devoto”
e “espiritual”.
Existe uma forma de rezar que é ingênua e
infantil, que afasta da realidade, pois, mais do que para o céu, está voltada
para as nuvens. A oração autêntica, porém, aproxima de Deus e conduz a um
compromisso corajoso com o próprio homem. É um estímulo para zelar pelos irmãos
que vivem nesta terra; não cria ansiedades por aquilo que acontecerá no fim do
mundo, mas transmite sensibilidade às angústias e aos dramas dos que estão ao
nosso lado.
Parabéns padre José!
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