Trigésimo Primeiro Domingo Comum - Ano B


 

“AME O SENHOR SEU DEUS...AME AO SEU PRÓXIMO...” 

Primeira leitura (Dt 6,2-6)

O texto inicia com uma ordem: temer Javé. Evidentemente não se trata de ter medo de Deus, mas de profundo respeito por suas leis e mandamentos. O livro dos Provérbios diz: “o início da sabedoria é o temor do Senhor”.  O temor de Javé desemboca em vida longa, símbolo da bênção divina.

A bênção traz fecundidade e posse da terra, gerando felicidade.

Vem, a seguir a exortação: “Amarás o Senhor teu Deus” (v5). Mas o que significa “amar a Deus”? “Amar” é um verbo ambíguo: há quem o reduza a um sentimento, uma emoção efêmera, uma declaração superficial de afeto manifestada com os lábios, a um beijo, a uma carícia, muitas vezes sem a marca da sinceridade.  O amor a Deus também está sujeito a ser reduzido a manifestações externas: orações, cânticos, celebração de cerimônias litúrgicas etc. Aqui é bom lembrar uma coisa: amar, na bíblia, significa sempre fazer algo de concreto, ajudar, ser solidário, nem que seja dar um copo de água...

A cada manhã, o judeu professa sua fé na unicidade de Javé, presidida de um convite à escuta; “Ouça, Israel! O Senhor é nosso Deus, o Senhor é um só”. 

Segunda leitura (Hb 7,23-28)

O capítulo 7 de Hebreus tem como tema: “Jesus, sumo sacerdote novo” à semelhança de Melquisedec. Atribuir a Jesus o título de sumo sacerdote é entrar em choque com a tradição judaica, cujos sacerdotes eram descendentes do patriarca Levi, ao passo que Jesus era da tribo de Judá. Melquisedec é um sacerdote misterioso e de alto nível pois que Abraão “deu-lhe o dízimo de tudo” (Gn 14,20). Ou seja, o sacerdócio de Melquisedec era superior ao sacerdócio do Antigo Testamento.

O sacerdócio de Jesus é infinitamente superior ao sacerdócio levítico, porque os sacerdotes do A.T. eram muitos e, portanto, precisavam ser substituídos, enquanto o de Jesus é único e permanece para sempre. Mais. Os sacerdotes levitas eram pecadores e precisavam oferecer sacrifícios não somente pelos pecados do povo, mas também pelos próprios. Jesus, por sua vez, é puro, santo, sem mancha. Por fim, Cristo é superior, porque ele não ofereceu sacrifícios materiais, como bois, cabritos, ovelhas e frutos da terra, mas ofereceu a sua vida uma só vez para sempre.

Da mesma forma o sacrifício oferecido pelos cristãos é diferente dos sacrifícios do templo: é espiritual e consiste na doação da própria vida ao próximo, como o próprio Cristo fez (Rm 12,1).

 

Evangelho (Mc 12,28b-34)


O capítulo 12 de Marcos revela o grande confronto entre Jesus e as autoridades daquele tempo. Comparecem em cena e são duramente desmascarados os seguintes grupos: chefes dos sacerdotes (poder político) e anciãos (poder econômico), fariseus e partidários de Herodes, saduceus e doutores da Lei (poder ideológico). São as forças de morte que vão matar a Jesus.

É bom lembrar que o país em que Jesus vivia não era uma democracia ( o poder emana do povo) como o Brasil, mas uma teocracia ( o poder vem de Deus). Neste caso, política e religião estavam nas mesmas mãos. A autoridade maior era o Sumo Sacerdote (o Bolsonaro deles). Os chefes dos sacerdotes são como os nossos ministros. Os anciãos não são os velhos, mas os fazendeiros e chefes das famílias influentes da capital; Os fariseus formavam uma irmandade (tipo irmandade de S.Benedito); os saduceus, o partido principal do governo; os doutores da Lei eram que nem os nossos advogados.

No v.44 aparece a figura da viúva que juntamente com o cego Bartimeu responde à segunda pergunta de Marcos que perpassa todo o seu evangelho : “Quem é o discípulo de Jesus”.

Os versículos 28-34 falam de um doutor da Lei “afinado” com a proposta de Jesus. Mas será que era sincero? Os doutores da Lei eram os intérpretes oficiais do Antigo Testamento e como tais exerciam forte influência sobre as consciências das pessoas, além de serem considerados o poder judiciário. Tinham “a faca e o queijo” na mão, a Bíblia e o controle dos tribunais.

A primeira etapa, amistosa, trata do centro da vida e da religião. A Lei judaica constava de 613 mandamentos (365 prescrições e 248 proibições).  As mulheres estavam dispensadas do cumprimento dos 248 preceitos positivos...mas, também para elas, ainda sobravam muitos, em demasia. O que será que Jesus pensava disso?

Jesus não é muito criativo, simplesmente coloca como primeiro mandamento aquilo que todo judeu rezava várias vezes ao dia: “Ouve, ó Israel! O Senhor nosso Deus, é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus, de todo o teu coração, de toda tua alma e de todas as tuas forças”. Até aqui nenhuma novidade. A ousadia de Jesus vem agora, e é isso que desafia os doutores da Lei: Ele cita Levítico 19,18, unindo os dois primeiros grandes mandamentos com um único verbo, amar: ame ao próximo como a si mesmo. E aqui reside o ponto crítico dos doutores da Lei e dos outros grupos que enfrentam Jesus: eles detestam o povo.

No plano teórico, Jesus e o doutor da Lei estão de acordo: o centro da vida e da religião não são ritos, devoções, sacrifícios, incensos... mas se chama amor, em duas dimensões: a Deus e ao próximo. Ou, segundo o Evangelho de João, amor a Deus no próximo. O amor a Deus passa necessariamente pelo próximo. Mais uma vez S. João: quem diz que ama a Deus que não vê e não ama o próximo que vê, é um mentiroso.

Costuma-se considerar elogiosa a frase de Jesus ao doutor da Lei: “mas deve-se levar em conta o que foi dito antes (não amam o próximo) e o que se dirá depois (devoram as casas das viúvas). E, convenhamos, “não estar longe” não significa ter chegado ao definitivo. O que está faltando a este doutor da Lei é essencial para se chegar à verdadeira religião, não feita de holocaustos e sacrifícios, mas de misericórdia.

 


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