“AME O SENHOR SEU DEUS...AME AO SEU PRÓXIMO...”
Primeira leitura (Dt 6,2-6)
O texto inicia com uma ordem: temer Javé.
Evidentemente não se trata de ter medo de Deus, mas de profundo respeito por
suas leis e mandamentos. O livro dos Provérbios diz: “o início da sabedoria é o
temor do Senhor”. O temor de Javé desemboca em vida longa, símbolo
da bênção divina.
A bênção traz fecundidade e posse da terra, gerando
felicidade.
Vem, a seguir a exortação: “Amarás o Senhor teu
Deus” (v5). Mas o que significa “amar a Deus”? “Amar” é um verbo ambíguo: há
quem o reduza a um sentimento, uma emoção efêmera, uma declaração superficial
de afeto manifestada com os lábios, a um beijo, a uma carícia, muitas vezes sem
a marca da sinceridade. O amor a Deus também está sujeito a ser
reduzido a manifestações externas: orações, cânticos, celebração de cerimônias
litúrgicas etc. Aqui é bom lembrar uma coisa: amar, na bíblia, significa sempre
fazer algo de concreto, ajudar, ser solidário, nem que seja dar um copo de
água...
A cada manhã, o judeu professa sua fé na unicidade de Javé, presidida de um convite à escuta; “Ouça, Israel! O Senhor é nosso Deus, o Senhor é um só”.
Segunda leitura (Hb 7,23-28)
O capítulo 7 de Hebreus tem como tema: “Jesus, sumo
sacerdote novo” à semelhança de Melquisedec. Atribuir a Jesus o título de sumo
sacerdote é entrar em choque com a tradição judaica, cujos sacerdotes eram
descendentes do patriarca Levi, ao passo que Jesus era da tribo de Judá.
Melquisedec é um sacerdote misterioso e de alto nível pois que Abraão “deu-lhe
o dízimo de tudo” (Gn 14,20). Ou seja, o sacerdócio de Melquisedec
era superior ao sacerdócio do Antigo Testamento.
O sacerdócio de Jesus é infinitamente superior ao
sacerdócio levítico, porque os sacerdotes do A.T. eram muitos e, portanto,
precisavam ser substituídos, enquanto o de Jesus é único e permanece para
sempre. Mais. Os sacerdotes levitas eram pecadores e precisavam oferecer
sacrifícios não somente pelos pecados do povo, mas também pelos próprios.
Jesus, por sua vez, é puro, santo, sem mancha. Por fim, Cristo é superior,
porque ele não ofereceu sacrifícios materiais, como bois, cabritos, ovelhas e
frutos da terra, mas ofereceu a sua vida uma só vez para sempre.
Da mesma forma o sacrifício oferecido pelos
cristãos é diferente dos sacrifícios do templo: é espiritual e consiste na
doação da própria vida ao próximo, como o próprio Cristo fez (Rm 12,1).
Evangelho (Mc 12,28b-34)
O capítulo 12 de Marcos revela o grande confronto
entre Jesus e as autoridades daquele tempo. Comparecem em cena e são duramente
desmascarados os seguintes grupos: chefes dos sacerdotes (poder político) e
anciãos (poder econômico), fariseus e partidários de Herodes, saduceus e
doutores da Lei (poder ideológico). São as forças de morte que vão matar a
Jesus.
É bom lembrar que o país em que Jesus vivia não era
uma democracia ( o poder emana do povo) como o Brasil, mas uma teocracia ( o
poder vem de Deus). Neste caso, política e religião estavam nas mesmas mãos. A
autoridade maior era o Sumo Sacerdote (o Bolsonaro deles). Os chefes dos
sacerdotes são como os nossos ministros. Os anciãos não são os velhos, mas os
fazendeiros e chefes das famílias influentes da capital; Os fariseus formavam
uma irmandade (tipo irmandade de S.Benedito); os saduceus, o partido principal
do governo; os doutores da Lei eram que nem os nossos advogados.
No v.44 aparece a figura da viúva que juntamente
com o cego Bartimeu responde à segunda pergunta de Marcos que perpassa todo o seu
evangelho : “Quem é o discípulo de Jesus”.
Os versículos 28-34 falam de um doutor da Lei
“afinado” com a proposta de Jesus. Mas será que era sincero? Os doutores da Lei
eram os intérpretes oficiais do Antigo Testamento e como tais exerciam forte
influência sobre as consciências das pessoas, além de serem considerados o poder
judiciário. Tinham “a faca e o queijo” na mão, a Bíblia e o controle dos
tribunais.
A primeira etapa, amistosa, trata do centro da vida
e da religião. A Lei judaica constava de 613 mandamentos (365 prescrições e 248
proibições). As mulheres estavam dispensadas
do cumprimento dos 248 preceitos positivos...mas, também para elas, ainda
sobravam muitos, em demasia. O que será que Jesus pensava disso?
Jesus não é muito criativo, simplesmente coloca
como primeiro mandamento aquilo que todo judeu rezava várias vezes ao dia: “Ouve,
ó Israel! O Senhor nosso Deus, é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus, de
todo o teu coração, de toda tua alma e de todas as tuas forças”. Até
aqui nenhuma novidade. A ousadia de Jesus vem agora, e é isso que desafia os
doutores da Lei: Ele cita Levítico 19,18, unindo os dois primeiros grandes
mandamentos com um único verbo, amar: ame ao próximo como a si mesmo. E
aqui reside o ponto crítico dos doutores da Lei e dos outros grupos que
enfrentam Jesus: eles detestam o povo.
No plano teórico, Jesus e o doutor da Lei estão de
acordo: o centro da vida e da religião não são ritos, devoções, sacrifícios,
incensos... mas se chama amor, em duas dimensões: a Deus e ao
próximo. Ou, segundo o Evangelho de João, amor a Deus no próximo.
O amor a Deus passa necessariamente pelo próximo. Mais uma vez S. João: quem
diz que ama a Deus que não vê e não ama o próximo que vê, é um mentiroso.
Costuma-se considerar elogiosa a frase de Jesus ao
doutor da Lei: “mas deve-se levar em conta o que foi dito antes (não amam o
próximo) e o que se dirá depois (devoram as casas das viúvas). E, convenhamos, “não
estar longe” não significa ter chegado ao definitivo. O que está faltando a
este doutor da Lei é essencial para se chegar à verdadeira religião, não feita
de holocaustos e sacrifícios, mas de misericórdia.
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