NINGUÉM PODE MONOPOLIZAR A DEUS
Primeira
leitura ( Nm 11,25-29)
A caminhada do povo hebreu do Egito para a terra
prometida era longa e cansativa. A um certo momento, Moisés se queixou com
Deus: eu não aguento mais liderar este povo numeroso. Então Deus o aconselhou a
escolher setenta anciãos (chefes representantes dos clãs) para ajudá-lo.
Assim a liderança era partilhada e as decisões tomadas em conjunto. As
reuniões aconteciam na tenda da reunião, onde os líderes do povo, junto com
Moisés, discerniam então o que era melhor para
o povo na caminhada para a terra prometida.
Aconteceu que dois dos representantes não foram à
reunião e assim mesmo continuavam ensinando. O Espírito agia também neles, mesmo
não ligados a uma instituição(tenda da reunião). É o profetismo fora da
instituição. Embora Josué fosse contra, Moisés sabiamente reconheceu o que o
Espírito agia também fora da instituição.
Isso vale também para nós hoje. O Espírito Santo,
sugere a primeira leitura e também o evangelho, não pode ficar encerrado dentro
das fronteiras de nenhuma instituição. Deus está completamente livre para sair
de todos os esquemas e pode fazer surgir o bem de qualquer parte. O Espírito é
como o vento, sopra onde quer, não pode nem mesmo ser enclausurado dentro das
estruturas visíveis da Igreja. Onde quer que haja o bem, o amor, a paz, a
alegria, ali está em ação o Espírito de Deus.
Quem não aceita essa liberdade de Deus, quem não entende que ele realiza o bem também através dos homens de outras religiões, torna-se um fanático e, como Josué, todos os fanáticos, mais cedo ou mais tarde, acabam por perseguir os seus inimigos. O fanatismo sempre é ruim; mas em religião é péssimo.
Segunda leitura (Tg 5,1-6)
Tiago é o defensor dos pobres. O texto de hoje
contém a condenação mais violenta contra os ricos. Tiago não distingue, como
fazemos nós, entre ricos bons e ricos maus. Neste sentido, um Bill Gates, fundador
da Microsoft, é um exemplo de rico bom. Gastou a sua fortuna em obras de
beneficência. Como ele, há muitos ricos que fazem o bem.
A primeira parte (1-3) começa com ameaças
terríveis: “Ricos, chorai e gemeei por causa das desgraças que sobre vós virão”.
(Tiago pensava que o fim do mundo estava próximo). Tudo o que eles, à custa de
tantos esforços e sacrifícios conseguiram acumular, será destruído.
Porque tamanha indignação? Os bens materiais, por
acaso, são uma coisa ruim? Tiago não está enfurecido contra a riqueza, não quer
que seja destruída; Ele condena aqueles que não dividem a riqueza com o próximo,
aqueles que a acumulam nos seus armazéns e a usam só para si mesmos, para
satisfazer suas veleidades.
A segunda parte da leitura descreve a origem da
riqueza: quase sempre é acumulada mediante a prática de injustiças em relação
aos mais fracos; é o resultado de opressões e prepotências, da exploração dos
trabalhadores aos quais é repassada apenas uma mínima parte daquilo que
produziram.
Diante de um sistema injusto o pobre não tem condições de resistir, porque quem possui o dinheiro tem a lei a seu lado e compra a “justiça”. Infelizmente, esta é a situação do Brasil. A corrupção, disse a senadora Kátia Abreu, está no DNA do brasileiro.
Evangelho (Mc 9,38-43.45.47-48)
O evangelista Marcos descreve um episódio no qual
Jesus corrige de maneira contundente uma
atitude equivocada dos Doze discípulos.
Os Doze procuram impedir a atividade de um homem
que “expulsa demônios”, ou seja, alguém dedicado a libertar as pessoas do mal
que as escraviza, devolvendo-lhes sua liberdade e dignidade. É um homem
preocupado em fazer o bem às pessoas. Inclusive, atua “em nome de Jesus”. Mas
os discípulos observam algo que, em sua
opinião, é muito grave: “Não é dos nossos”.
Os Doze não toleram
a atividade libertadora de alguém que não está com eles. Para gozar da
salvação que Jesus oferece, é preciso pertencer ao grupo deles.
Jesus, pelo
contrário, reprova de maneira categórica a atitude de seus discípulos. Quem desenvolve
uma atitude libertadora, já está, de alguma maneira, vinculado a Jesus e ao seu
projeto de salvação. Seus seguidores não devem monopolizar a salvação de Deus.
Os Doze querem exercer um controle sobre a
atividade de quem não pertence ao seu grupo, porque veem nele um rival.
Jesus, porém, que só busca o bem do ser
humano, vê nele um aliado e um amigo: “Quem não está contra nós está a nosso
favor”.
Nós, hoje, devemos alegrar-nos com aquilo que
pessoas e instituições alheias à Igreja
possam estar fazendo para um desenvolvimento mais humano da vida. Essas
pessoas e instituições, na verdade “são dos nossos” porque lutam pela mesma
causa: um ser humano mais digno de sua condição de filho de Deus.
Para ser discípulo dele não é necessário
pertencer a um grupo fechado e elitista. Basta estar em sintonia com a prática
de Jesus. A atitude dos discípulos que proíbem expulsar demônios é
provavelmente movida pela inveja porque não são capazes de cumprir o mandato de
Jesus (de expulsar demônios).
Para ser discípulo de Jesus não são necessárias
grandes coisas. É suficiente a sintonia com ele e com sua prática libertadora.
O v. 41 introduz o tema da solidariedade para com
os discípulos de cristo. Para Jesus, qualquer gesto de solidariedade, por mais
insignificante que possa parecer (para o povo da bíblia, dar um copo de água
era um pequeno gesto de acolhida, semelhante a oferecer um cafezinho em nossa
cultura) não vai ficar sem recompensa.
Os vv.42-48 são sentenças catequéticas girando em
torno do tema do escândalo. O v. 42 retoma o tema dos pequenos que
acreditam. Jesus adverte contra o perigo de levar ao pecado (desviar
da fé), ou seja, à perda da fé e ao abandono do compromisso, alguém dos que
creem nele enquanto Messias servidor. Como poderia alguém levar ao
pecado (literalmente escandalizar) os pequeninos? A resposta já foi dada no
domingo passado: trata-se da competição para ver quem é o maior dentro da
comunidade, com a busca do poder e da dominação que divide a comunidade entre
“grandes” e “pequenos”
Nos versículos 43.45.47 temos três sentenças
iguais. Todas focalizam o contraste entre o caminho da vida e caminho do
inferno (literalmente geena). A geena era um vale situado a oeste de Jerusalém,
usado como o lixão da cidade onde sempre havia algo queimando e por isso
tornou-se símbolo da perdição.
Para a mentalidade judaica daquele tempo, mão, pé e
olho eram a sede dos impulsos pecaminosos e da concupiscência. Frequentemente a
mão levantada é sinal de rebelião, e o olho está associado à cobiça.
É preferível entrar no Reino de Deus (céu) sem um
destes membros do que pecar. Contudo a automutilação era proibida pelos judeus.
São hipérboles orientais, destinadas a acentuar a gravidade do escândalo. Não
se trata de mutilar-se para entrar na vida eterna, mas de eliminar, pela raiz,
todos os males que geram discriminação e opressão na sociedade.
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