Vigésimo Sexto Domingo do Tempo Comum - Ano B


 

 

NINGUÉM PODE MONOPOLIZAR A DEUS 

Primeira leitura Nm 11,25-29)

A caminhada do povo hebreu do Egito para a terra prometida era longa e cansativa. A um certo momento, Moisés se queixou com Deus: eu não aguento mais liderar este povo numeroso. Então Deus o aconselhou a escolher setenta anciãos (chefes representantes dos clãs) para ajudá-lo. Assim a liderança era partilhada e as decisões tomadas em conjunto.  As reuniões aconteciam na tenda da reunião, onde os líderes do povo, junto com Moisés, discerniam então o que era melhor para  o povo na caminhada para a terra prometida.

Aconteceu que dois dos representantes não foram à reunião e assim mesmo continuavam ensinando. O Espírito agia também neles, mesmo não ligados a uma instituição(tenda da reunião). É o profetismo fora da instituição. Embora Josué fosse contra, Moisés sabiamente reconheceu o que o Espírito agia também fora da instituição.

Isso vale também para nós hoje. O Espírito Santo, sugere a primeira leitura e também o evangelho, não pode ficar encerrado dentro das fronteiras de nenhuma instituição. Deus está completamente livre para sair de todos os esquemas e pode fazer surgir o bem de qualquer parte. O Espírito é como o vento, sopra onde quer, não pode nem mesmo ser enclausurado dentro das estruturas visíveis da Igreja. Onde quer que haja o bem, o amor, a paz, a alegria, ali está em ação o Espírito de Deus.

Quem não aceita essa liberdade de Deus, quem não entende que ele realiza o bem também através dos homens de outras religiões, torna-se um fanático e, como Josué, todos os fanáticos, mais cedo ou mais tarde, acabam por perseguir os seus inimigos. O fanatismo sempre é ruim; mas em religião é péssimo. 

Segunda leitura (Tg 5,1-6)

Tiago é o defensor dos pobres. O texto de hoje contém a condenação mais violenta contra os ricos. Tiago não distingue, como fazemos nós, entre ricos bons e ricos maus. Neste sentido, um Bill Gates, fundador da Microsoft, é um exemplo de rico bom. Gastou a sua fortuna em obras de beneficência. Como ele, há muitos ricos que fazem o bem.

A primeira parte (1-3) começa com ameaças terríveis: “Ricos, chorai e gemeei por causa das desgraças que sobre vós virão”. (Tiago pensava que o fim do mundo estava próximo). Tudo o que eles, à custa de tantos esforços e sacrifícios conseguiram acumular, será destruído.

Porque tamanha indignação? Os bens materiais, por acaso, são uma coisa ruim? Tiago não está enfurecido contra a riqueza, não quer que seja destruída; Ele condena aqueles que não dividem a riqueza com o próximo, aqueles que a acumulam nos seus armazéns e a usam só para si mesmos, para satisfazer suas veleidades.

A segunda parte da leitura descreve a origem da riqueza: quase sempre é acumulada mediante a prática de injustiças em relação aos mais fracos; é o resultado de opressões e prepotências, da exploração dos trabalhadores aos quais é repassada apenas uma mínima parte daquilo que produziram.

Diante de um sistema injusto o pobre não tem condições de resistir, porque quem possui o dinheiro tem a lei a seu lado e compra a “justiça”. Infelizmente, esta é a situação do Brasil. A corrupção, disse a senadora Kátia Abreu, está no DNA do brasileiro. 

Evangelho (Mc 9,38-43.45.47-48)

O evangelista Marcos descreve um episódio no qual Jesus corrige  de maneira contundente uma atitude equivocada dos Doze discípulos.

Os Doze procuram impedir a atividade de um homem que “expulsa demônios”, ou seja, alguém dedicado a libertar as pessoas do mal que as escraviza, devolvendo-lhes sua liberdade e dignidade. É um homem preocupado em fazer o bem às pessoas. Inclusive, atua “em nome de Jesus”. Mas os discípulos  observam algo que, em sua opinião, é muito grave: “Não é dos nossos”. 

Os Doze não toleram  a atividade libertadora de alguém que não está com eles. Para gozar da salvação que Jesus oferece, é preciso pertencer ao grupo deles.

 Jesus, pelo contrário, reprova de maneira categórica a atitude de seus discípulos. Quem desenvolve uma atitude libertadora, já está, de alguma maneira, vinculado a Jesus e ao seu projeto de salvação. Seus seguidores não devem monopolizar a salvação de Deus.

Os Doze querem exercer um controle sobre a atividade de quem não pertence ao seu grupo, porque veem nele um rival. Jesus,  porém, que só busca o bem do ser humano, vê nele um aliado e um amigo: “Quem não está contra nós está a nosso favor”.

Nós, hoje, devemos alegrar-nos com aquilo que pessoas e instituições alheias à Igreja  possam estar fazendo para um desenvolvimento mais humano da vida. Essas pessoas e instituições, na verdade “são dos nossos” porque lutam pela mesma causa: um ser humano mais digno de sua condição de filho de Deus.

  Para ser discípulo dele não é necessário pertencer a um grupo fechado e elitista. Basta estar em sintonia com a prática de Jesus. A atitude dos discípulos que proíbem expulsar demônios é provavelmente movida pela inveja porque não são capazes de cumprir o mandato de Jesus (de expulsar demônios).

Para ser discípulo de Jesus não são necessárias grandes coisas. É suficiente a sintonia com ele e com sua prática libertadora.

O v. 41 introduz o tema da solidariedade para com os discípulos de cristo. Para Jesus, qualquer gesto de solidariedade, por mais insignificante que possa parecer (para o povo da bíblia, dar um copo de água era um pequeno gesto de acolhida, semelhante a oferecer um cafezinho em nossa cultura) não vai ficar sem recompensa.

Os vv.42-48 são sentenças catequéticas girando em torno do tema do escândalo. O v. 42 retoma o tema dos pequenos que acreditam.  Jesus adverte contra o perigo de levar ao pecado (desviar da fé), ou seja, à perda da fé e ao abandono do compromisso, alguém dos que creem nele enquanto Messias servidor.  Como poderia alguém levar ao pecado (literalmente escandalizar) os pequeninos? A resposta já foi dada no domingo passado: trata-se da competição para ver quem é o maior dentro da comunidade, com a busca do poder e da dominação que divide a comunidade entre “grandes” e “pequenos”

Nos versículos 43.45.47 temos três sentenças iguais. Todas focalizam o contraste entre o caminho da vida e caminho do inferno (literalmente geena). A geena era um vale situado a oeste de Jerusalém, usado como o lixão da cidade onde sempre havia algo queimando e por isso tornou-se símbolo da perdição.

Para a mentalidade judaica daquele tempo, mão, pé e olho eram a sede dos impulsos pecaminosos e da concupiscência. Frequentemente a mão levantada é sinal de rebelião, e o olho está associado à cobiça.

É preferível entrar no Reino de Deus (céu) sem um destes membros do que pecar. Contudo a automutilação era proibida pelos judeus. São hipérboles orientais, destinadas a acentuar a gravidade do escândalo. Não se trata de mutilar-se para entrar na vida eterna, mas de eliminar, pela raiz, todos os males que geram discriminação e opressão na sociedade.

 




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