DEUS NÃO ABANDONA O SEU POVO
Primeira leitura (Is 50,5-9ª)
A primeira leitura fala dos critérios pelos quais
se avaliam as pessoas na sociedade: de um lado, os poderosos, os vitoriosos na política,
no comércio, no esporte etc.; de outro lado, os fracassados, os iludidos pelas
aparências, os mesquinhos.
Já os critérios de Deus são bem diferentes. No
Antigo Testamento Deus começou bem cedo a educar seu povo numa lógica nova. Escolheu
Israel, povo insignificante (Dt 7,7), escolheu Davi, o menor dos filhos de
Jessé, porque ele “não vê o que o homem enxerga: o homem vê a face, mas o
Senhor olha o coração” (1Sm 16,7).
Este texto de Isaías foi de suma importância para
os primeiros cristãos. Eles estavam frustrados, deprimidos, desorientados
diante da morte vergonhosa de Jesus. Como ainda acreditar que Jesus era o
Messias? Todo mundo, inclusive os discípulos, pensava que o Messias seria um
vencedor glorioso.
Mas eis que consultando as Escrituras encontraram
em Is 50, 5-9ª) a explicação que os deixou aliviados. O texto fala de um
misterioso “Servo do Senhor”, um homem ferido, humilhado, insultado, derrotado,
e morto, que Deus, porém, não abandonou nas mãos dos seus inimigos: glorificou-o,
fazendo que sua obra seja vitoriosa e mostrando que ele era um justo.
Os primeiros cristãos interpretaram esse personagem
como a imagem do seu mestre. Portanto a morte do Messias estava prevista, assim
sendo, era vontade de Deus.
Segunda leitura (Tg 2,14-18)
Não são os frutos que dão vida à arvore,
entretanto, a árvore que não produz fruto é como se estivesse morta. Da mesma
forma a fé que não produz obras, ensina Tiago, é morta. “obras” não
são as práticas rituais, do culto, das solenes liturgias das igrejas. Tiago já
ensinou que a “religião pura e sem mancha” consiste em ajudar os órfãos e
consolar as viúvas nas suas tribulações (Tg 1,27), em respeitar os
pobres e praticar obras de misericórdia (Tg 2,1-13).
Às vezes ficamos edificados quando vemos pessoas que
não frequentam a igreja, ou mesmo ateias, praticarem obras de misericórdia. Não
há do que se admirar: o Espírito do Senhor Jesus não aceita permanecer
enclausurado nos limites da estrutura eclesial. Ele atua com liberdade em todos
os seres humanos, vivifica também os pagãos, a todos impulsiona para realizar
obras de amor. Quem se entrega à dinâmica do amor, acolhe, mesmo sem o querer,
implicitamente, a revelação de Deus.
Evangelho (Mc 8,27-35)
No evangelho de Marcos podemos distinguir duas
partes: a primeira apresenta um homem extraordinário, que traz uma nova
mensagem, que realiza milagres, como a multiplicação dos pães, tem o poder de
expulsar demônios, acalma as ondas do mar....As pessoas se
perguntam: quem é este homem, que torna a Deus tão presente e próximo, como
amigo da vida e do perdão? Um Deus amigo dos pecadores, mas ao mesmo
tempo exigente? O povo quer milagres, mas não percebe o sentido dos milagres,
sinais da verdadeira identidade de Jesus. Muitas pessoas não querem ouvir as
exigências mais duras de Jesus. Jesus fica decepcionado. Os exegetas falam até
da crise da Galiléia... O que fazer? Voltar à carpintaria, “suavizar” o
discurso ou então mudar o método de pastoral?
Jesus escolhe a última
alternativa: começa a dedicar-se mais à instrução dos discípulos.
Os versículos 27-28 constituem o começo da segunda
parte do evangelho.
Tudo indica que Jesus levou os discípulos para um
passeio, um pique-nique na região de Cesaréia de Felipe, lugar maravilhoso,
onde se situam as nascentes do rio Jordão Dizia-se que ali fora o paraíso terrestre...
No caminho Jesus faz uma pesquisa: “quem dizem os homens que eu sou”? Entre o
povo se dizia: “É João Batista que ressurgiu dos mortos e por isso o poder de
fazer milagres opera nele”. Uns afirmavam :”É Elias”. Diziam outros: “É um
profeta como qualquer outro”. Ouvindo isto, Herodes repetia: “É
João, a quem mandei decapitar, ele ressurgiu dos mortos”.
Num segundo momento Jesus pergunta aos discípulos
“para vós, quem sou eu? ”Para surpresa geral e do próprio Jesus, Pedro se
adianta e responde: “Tu és o Cristo, Tu és o Messias, o Salvador do qual todos
os profetas falaram e que o nosso povo na sua totalidade espera”.
É difícil encontrar uma resposta mais exata. E, no
entanto, Jesus reage com uma ira santa: “Afasta-te de mim Satanás”. Pedro se assustou; não esperava por essa. Jesus
não quer dizer a Pedro “Vai para longe”, mas sim, “toma o caminho certo”,
“segue me”. Por isso mesmo proíbe que se espalhe a notícia. Na
verdade Pedro falou certo mas pensava errado. Pedro ainda pensa num
Messias glorioso, vencedor que conseguirá um sucesso estrondoso. O equívoco é
total e para Jesus chegou a hora de eliminar das mentes dos
discípulos esse perigoso mal-entendido. Nos versículos 31-33 “começa
a ensinar aos discípulos “que o Filho do homem deverá sofrer
muito” que o seu destino não será o sucesso, mas o fracasso, que não irá
desbaratar os que se opõem ao seu projeto, mas que ele será derrotado.
E par nós quem é Jesus? Sua pessoa nos chegou
através de imagens, fórmulas, devoções, explicações teológicas e interpretações
culturais que vão revelando, e às vezes também velando, seu mistério. Para
responder à pergunta de Jesus podemos recorrer ao que disseram os Concílios,
ouvir o Magistério da Igreja, ler as elaborações dos teólogos ou repetir coisas
que ouvimos dos outros, mas não se está pedindo de nós uma resposta mais
pessoal e comprometida?
Afirmamos que “Jesus é Deus”, mas para que serve
esta “divindade” se depois ele não significa quase nada em nossas
vidas? Dizemos também que “Jesus é o Senhor”, mas é ele o critério
da nossa vida? Dobramos distraidamente o joelho ao passar diante do
sacrário, mas lhe entregamos alguma vez o nosso ser?
O messianismo de Jesus é marcado pelo conflito com
os poderes que geram a morte. Ele tem consciência de que deve sofrer
muito. Este “deve” denota uma necessidade histórica. Não se trata
de um fatalismo (vontade de Deus ou de Jesus) ao qual Jesus se deva submeter
cegamente. Este destino não é vontade de Deus nem de Jesus. Pelo contrário, é a
consciência de que o enfrentamento com os poderes que geram a morte é
inevitável. A decisão de Jesus é a mesma dos profetas e de João
Batista. Para estabelecer o Reino de Deus ele deverá enfrentar as
estruturas de morte.
O V. 31 mostra quem são os adversários de Jesus: os
anciãos (donos do poder econômico), os sumos-sacerdotes (o poder político) e os
doutores da Lei (poder ideológico). ~são eles que constituem os poderes de
morte.
O v.34 impõe três condições para ser discípulo do
Messias que enfrenta as estruturas de morte: renunciar a si mesmo, tomar a cruz
e seguir Jesus.
Renunciar a si mesmo significa
renunciar a toda ambição pessoal; não pensar somente em si mesmo. É ser pobre
rompendo definitivamente com a sociedade que vai matar Jesus.
Tomar a cruz não se refere à necessidade de
suportar com paciência as pequenas ou grandes aflições da vida e muito menos
exaltar a dor como meio de agradar a Deus. Deus não ama o sofrimento.
A terceira exigência “Segue-me” não
significa ‘“toma-me como modelo”, mas, “participa da minha escolha”, “toma
parte no meu projeto”, “consagra tua vida por amor ao ser humano, junto
comigo”.
Amém!!
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