Vigésimo Primeiro Domingo do Tempo Comum - Ano B


 

 

 

                        Eucaristia e Encarnação ainda escandalizam?

 

Primeira leitura (Js 24,1-2ª.15-17.18b)

 

A primeira leitura narra um episódio marcante na história religiosa de Israel: A Assembléia de Siquém. Após uma longa viagem, os israelitas, vindos do Egito, se estabeleceram finalmente na terra prometida. Ali encontraram um povo de cultura mais elevada, os cananeus, que inclusive tinham outros deuses, principalmente Baal, o deus responsável por chuvas e pela fertilidade dos homens e dos animais.

Como os israelitas agora se dedicavam à agricultura, surgiu a tentação de baldear para Baal, mais interessante para eles, já que Javé era o deus da história e não da natureza.

Josué sentiu que era preciso intervir: convocou uma grande assembléia e pediu que o povo escolhesse entre Baal e as divindades que seus antepassados adoraram quando ainda se achavam no oriente (Suméria: “além do rio Eufrates”) e do Egito e  Javé. “Quanto a mim, eu e minha casa, diz Josué, serviremos ao Senhor.” É bom esclarecer que nem todos os filhos de Jacó foram para o Egito; alguns ficaram na Palestina que então não conheciam Javé.  O povo respondeu sem hesitação: “longe de nós abandonarmos o Senhor para servirmos a outros deuses” ( v.15)

Uma explicação:  como é possível que os israelitas que haviam presenciado tantos “milagres”, durante o Êxodo, de repente queriam baldear para Baal? A resposta é simples: o Êxodo não foi tão maravilhoso como o filme “Os dez mandamentos” quer fazer crer. Foi antes uma fuga de escravos (de cinquenta a trezentos) que deu certo, quando outras fugas não o deu. Nós diríamos: “Graças a Deus”. Já os autores do Êxodo escreveram uma epopéia. Assim os acontecimentos que envolvem o Êxodo: a matança dos primogênitos, o Pessah (a páscoa), a passagem pelo mar, o maná, as codornizes, a serpente de bronze, a rocha donde fluiu água, obedecem a um gênero literário chamado epopéia que engrandece os eventos e os personagens levando-os a um nível maravilhoso...Não são fatos históricos, não mais que os eventos narrados pela Ilíada  de Homero, por exemplo. Nessa epopéia, escrita uns trezentos anos mais tarde,  se encaixa também o famoso e lendário cerco de Jericó. Quando os israelitas entraram na terra prometida, Jericó já havia sido destruída há quatrocentos anos.

 

Segunda leitura (Ef 5,21-21-32)

 

Esta leitura trata das relações entre os diversos membros de uma família. A ideologia ou o segredo da harmonia que deve presidir a família cristã é o princípio: “Sede submissos uns aos outros no temor de Cristo.(v.21).

Para que este princípio funcione é preciso que pais e filhos frequentem a Igreja onde ouvirão os conselhos de Jesus, e na comunhão se unir a Jesus e ao seu evangelho que estabelece: “Jesus não veio para ser servido mas para servir” (Mt 20,28). Lembro que “comungar” é aceitar Jesus e a sua mensagem!

Em seguida, Paulo recomenda às mulheres: “Sede submissas aos vossos maridos, como ao Senhor” (vv.22-23). As mulheres protestam, e com razão. Mas é preciso lembrar que no tempo de Paulo a sociedade era patriarcal, ou se quisermos, “machista”. Nessa sociedade  a recomendação de Paulo era natural. Hoje, porém, não é mais assim.  É que durante os dois mil anos a sociedade evoluiu e reconheceu a igualdade entre homem e mulher. Em 1948 a ONU declarou que todos os seres humanos são iguais independente de sexo, raça, cultura etc. Assim sendo, o casamento é a união entre dois iguais. É bom lembrar também o que lemos no Gênesis 1,27: “Deus criou o homem à sua imagem, criou- os homem e mulher”. Isto é, de imediato Deus os criou como duas metades que devem viver um para o outro de modo a formarem “uma só carne”.

Não obstante, a igualdade entre homem e mulher ainda não é um fato. Todos os dias ouvimos falar de feminicídios. Na verdade, nem mesmo na Igreja a igualdade é um fato estabelecido: as mulheres não têm acesso ao sacerdócio: diaconato e presbiterato.

Certamente não agrada que Paulo tenha começado a dar esses conselhos justamente às mulheres que talvez sejam as que menos precisam (neste ponto estou de acordo com elas). Mas nos versículos seguintes (vv.25-33) começam as recomendações de Paulo para os maridos: “Maridos, amai as vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela.”  Ôpa, se as mulheres forem amadas por seus maridos como Cristo amou a Igreja, elas não tem porque reclamar. Está mais do que bom. Mas as mulheres gostariam de ouvir: “Maridos sede submissos às vossas mulheres”. Mas não é necessário: o verbo “amar” diz a mesma coisa e até mais. Se amar é servir, então os maridos devem ser os primeiros a servir. Portanto, os maridos que “não são submissos” às próprias mulheres, que mandam sem consultar ninguém, que no campo da sexualidade se arvoram o direito de serem    os únicos a estabelecer as horas e os modos sem se preocupar com aquilo que agrada às próprias mulheres, estes maridos, embora casados na igreja, comportam-se ainda como pagãos.

Evangelho (Jo 6, 60-69)


Estamos aqui no final do 6º capítulo de João. Capítulo este composto inteiramente pelo evangelista, setenta anos após a morte e ressurreição de Jesus. Portanto não estamos diante de palavras diferidas por Jesus mas de uma interpretação da mensagem de Jesus feita por João. Trata-se não tanto da eucaristia mas de crer em Jesus. Crer ou não crer em Jesus, eis a questão, diria Shakespeare. A questão surge diante da afirmação de Jesus de ser o pão da vida.

 Os discípulos reagem com a dúvida. Jesus não se surpreende, pois a incompreensão e a rejeição fazem parte da consciência humana (v.61). João Paulo II afirmou num dos seus escritos que a consciência é um verdadeiro sacrário. Portanto, o homem deve sempre seguir a sua consciência, mesmo que esta lhe sugira uma outra escolha.

 Em seguida, em vez de abrandar as suas exigências, Jesus revela mais um enigma e anuncia um momento dramático para a comunidade: o seu regresso ao céu do qual ele desceu como pão: “Que será, então, quando virdes subir o Filho do Homem para onde ele estava antes?”.

Em outras palavras: “sentis tanta dificuldade para aceitar a minha proposta agora, estando eu no meio de vós, o que acontecerá quando tiver voltado para o Pai?” Exigir-se-á uma fé muito mais pura independente de qualquer verificação, de qualquer visão. Bem que Jesus disse a S.Tomé: “Felizes os que não viram e creram”.

Depois da afirmação de Jesus de ser o pão da vida, “muitos dos seus discípulos se retiraram e já não andavam com ele.” (v.66).

Fundamentalmente trata-se de pessoas coerentes: deram-se conta que o Mestre é muito duro, não sentem o impulso de segui-lo e se afastam. Jesus respeita a liberdade de cada um, não obriga ninguém a participar de sua missão, não impõe a ninguém “comer a sua carne”.

“Comer a minha carne e beber o meu sangue”. Eis uma linguagem difícil, ou até  mesmo escandalosa para o homem moderno porque sugere canibalismo. A meu ver deveria ser evitada. Alguns estudiosos acham que é uma interpolação (acréscimo estranho) inserido por outro escritor no texto de João.

Seja como for, é preciso aceitar a linguagem simbólica: “pão” ou “corpo e sangue” designam a pessoa de Jesus, na linguagem semita. “Símbolo” não significa algo que não tenha existencial real, mas é uma linguagem que quer expressar uma realidade profunda e misteriosa. Jesus designa a si mesmo como pão; assim como comer o pão nosso de cada dia é necessário para a vida, assim “aceitar  Jesus” é necessário para o homem  atingir a sua verdadeira realidade que S.Agostinho exprimiu nestas palavras: “Fizeste-nos para ti, Senhor, e inquieto está  o nosso coração até que descanse em vós.

É claro que Jesus como pão não se refere à sua existência terrestre, de carne e osso. Esta já não existe. Foi glorificada pela morte e ressurreição. O que recebemos na comunhão é o Jesus assim como está no céu. Mais exatamente: recebemos o sacramento, ou o símbolo desse Jesus. Comungar é pedir que Jesus passe a fazer parte de nossa vida.

Pão e vinho consagrados permanecem quimicamente o que são. Nada muda no domínio físico. Mas adquirem um novo significado ou uma nova finalidade: não servem mais para alimentar o corpo, mas sim para alimentar o nosso espírito.

O ser humano nasce carente do ponto de vista físico, psicológico e espiritual. A adesão a Jesus garante a plena humanização do homem.

 Depois desta explicação, caros leitores, qual seria a sua resposta à pergunta de Jesus: “Vocês não querem ir embora também”?. Vocês vão embora, ou respondem com S. Pedro: “Nós vamos ficar porque você tem palavras de vida eterna.”

 

 

 

 


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