DEUS ESTÁ PRESENTE
Primeira leitura (Jó 38,1.8-11)
O livro de Jó é, sem dúvida, o livro mais importante do
Antigo Testamento. Um verdadeiro clássico. O interesse do livro está em deixar
claro que o mal não vem de Deus, que Deus não castiga nunca.
O livro narra uma quebra de braço entre Jó e Deus e termina
com uma bela confissão de fé. Jó,
referindo-se a Deus, diz “Meus ouvidos tinham escutado falar de ti, mas agora
meus olhos te viram” (42,5).
Para os antigos, o mar era o grande inimigo de Deus, o
destruidor da vida, símbolo de todas as forças negativas.
O texto de hoje descreve em linguagem poética o domínio de
Deus sobre o mar, fixando os seus limites (v.11).
Essa leitura nos prepara para entender o evangelho de hoje,
no qual se descreve o espanto dos discípulos diante de Jesus que “domina até as
ondas do mar e estas lhe obedecem”. O evangelista quer dizer que se Jesus
domina o mar é porque ele é Deus.
Segunda leitura (2 Cor 5,14-17)
A ideia central dessa passagem é que Cristo foi capaz de
morrer por todos. O seu gesto, ensina Paulo, deve impelir todos para segui-lo
pelo mesmo caminho da generosidade total em favor do próximo.
Muito linda também é a última frase: “Se alguém está em
Cristo, é uma nova criatura. Passou o que era velho, eis que tudo se fez novo”.
É um apelo ao otimismo, a não olharmos para trás, para os nossos pecados, para
os nossos fracassos, para o nosso passado, e seguir em frente vivendo mais do
perdão e da misericórdia enquanto ainda não somos o que gostaríamos de ser.
Evangelho(Mc 4,35-41)
Alguns dos milagres narrados nos evangelhos provocam em nossa
mente alguma perplexidade: uma figueira é amaldiçoada porque não produz frutos
fora do tempo de figos (Mc 11,3); a água transformada em vinho (Jo
2,1-11); Jesus anda sobre as águas (Mt 14,22-23).
Estes textos devem ser lidos com muita atenção, pois, se não
for bem interpretada a linguagem simbólica na qual foram escritos, corre-se o
risco de não captar a mensagem que está por trás das palavras.
O evangelho de hoje, que fala da tempestade acalmada, é um
deles. A nossa primeira tarefa é decodificar a linguagem que Marcos usa: o
barco, o lugar para onde estão os discípulos estão indo, os outros barcos que
acompanham o dos discípulos (v.36), as ondas do mar, a escuridão da noite, o
sono de Jesus, o vento e a tempestade, o medo que toma conta dos discípulos.
O barco representa a comunidade cristã que, ao fim do dia,
isto é, no fim da vida terrestre de Jesus é solicitada a tomar a direção da “outra”
margem, quer dizer ir procurar as nações pagãs.
Os outros barcos que acompanham aquele no qual se encontra
Jesus, junto com os Doze, simbolizam as muitas comunidades cristãs do tempo de
Marcos, também envolvidas na perigosa travessia, acompanhando os apóstolos.
O mar, este monstro terrível que arremata com todas as suas
forças contra o barco de Jesus e dos discípulos representa os graves problemas
que surgiram nos primórdios da Igreja: discussões, sérios desentendimentos,
divergências quase insuportáveis; a “briga” de Pedro e Paulo a respeito da
evangelização dos pagãos (Gl 2,11-14).
A escuridão da noite é uma referência a Gn 1,2 quando
tudo estava envolto na escuridão.
O sono de Jesus também tem um sentido simbólico: a sua morte.
Quando Marcos escreve (no fim dos anos setenta), Jesus já não estava
fisicamente presente. Os seus discípulos tem muitas vezes a sensação de estarem
sozinhos, julgando dever contar somente com suas próprias forças. Mas não é
verdade. Cristo está sempre com eles, como prometeu (Mt 28-20).
A experiência vivida pelos discípulos das primeiras
comunidades não é muito diferente da nossa. Nós também temos, às vezes, a
sensação de ser tragados pelos acontecimentos e dificuldades (doenças,
desgraças, acidentes, pandemias como covid
etc.). Nestas horas perguntamos: Onde está Deus? Onde está Cristo? Por
que não intervém? Porque não mostra o seu poder? Porque não faz justiça?
O equívoco está no
fato que nós gostaríamos de ter um Deus que interviesse para alterar as
relações de força que existem neste mundo. Mas convenhamos: Se Deus
tivesse que atender todos os pedidos que
lhe são feitos nas orações, teria que criar um outro mundo. Mas, como eu já
disse muitas vezes, Deus não é um Deus intervencionista, ele deixa as coisas
como são, deixa fazer, permite que as invejas, as rixas, as mentiras, as
injustiças se espalhem e que os acontecimentos sigam o seu curso.
Porque Jesus censura os discípulos como se eles não tivessem
fé? É que só se lembraram dele na hora do perigo.
Assim também hoje há muita gente que só pensa em Deus quando
fica doente, ou quando é atingida por alguma desgraça. Só então rezam com toda
a devoção e lhe pedem que venha socorrê-los. Será que esta religião é
autêntica, ou expressão de uma religião humana baseada no medo e no interesse?
Outros, pedem milagres. E se o milagre não vem, perdem a fé
(que aliás nunca tiveram...). Bem que Jesus falou aos fariseus que pediam:
mostra-nos um sinal do céu que então creremos em você. Jesus respondeu: “esta
geração perversa pede um sinal, mas não lhe será dado outro sinal senão
o do profeta Jonas”.
E, por fim, o ensinamento mais importante do evangelho de
hoje. Marcos observa que os discípulos ficaram penetrados de grande temos e se
perguntavam um ao outro: “quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem”
(v.41). É que eles sabiam que só Deus tem o poder de dominar as ondas do mar
(cf. a primeira leitura). Portanto, estamos aqui diante de uma profissão de fé
de Marcos na divindade de Cristo.
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