Festa da Trindade – Ano B


 


COMO É DEUS ?

 

Primeira leitura (Dt  4,32-34. 39-40)

Permito-me não considerar a letra da primeira leitura para ater-me à mensagem de fundo. Creio ser importante aproveitar esta festa para fazer uma reflexão sobre Deus, pois não basta crer em Deus; importa mais verificar  em que tipo de Deus acreditamos . Embora haja um só Deus, há muitas ideias diferentes e até contraditórias sobre Deus, até no Antigo Testamento.

Nós cristãos sabemos que Deus não é um ser extraterrestre que intervém caprichosamente mandando castigos e recompensas. Não existem dois mundos: o do alto(o céu) e o de baixo, a terra. Existe só o nosso mundo onde Deus está presente como Força Primordial de vida. A criação não foi um ato pontual no passado longínquo que os cientistas identificam com o Big Bang, mas é uma presença constante de Deus ao longo do processo da evolução.

Aprendemos no catecismo: Deus está em todo lugar. Toda a vida no universo é uma manifestação do Espírito de Deus, como reza o salmo 103 :Se desviais o rosto das vossas criaturas, elas se perturbam; se lhes retirais o sopro (o Espírito), expiram e voltam ao pó de onde vieram. Se enviais, porém, o vosso sopro, elas revivem e renovais a face da terra).

De fato como S. Paulo disse aos atenienses no areópago“ Deus não está longe de nós, pois nele nos movemos, existimos e somos”(At 17,27). E Santo Agostinho: “Deus está mais perto de nós do que nós de nós mesmos”. Importa,  pois, curtir esta presença na meditação e na oração. Muitos “milagres” pequenos ou grandes acontecem em nosso cotidiano e nós não nos damos conta porque estamos distraídos.

Ao mesmo tempo temos que afirmar que Deus não é um Deus intervencionista, pois ele já está sempre presente. Ele respeita as leis da natureza e a liberdade humana, ambas criadas por ele. Por isso não adianta pedir que Deus intervenha para satisfazer nossas necessidades e desejos (às vezes muito mesquinhos). Existe, sim, um desejo profundo em nosso coração: “Fizeste-nos para ti, Senhor, e inquieto estão o nosso coração até que descanse em vós” ( Santo Agostinho).

O Deus em que acreditamos é uma comunidade de três pessoas. Não são pessoas como nós. Se o fossem seriam três deuses. É uma comunidade onde tudo é comum: a criação, a salvação e a santificação.

Em Jesus, a segunda pessoa da Trindade se tornou um dos nossos. Na verdade, se quisermos como é Deus não é preciso estudar teologia que muitas vezes adultera a verdadeira face de Deus. Basta reparar no comportamento de Jesus, no que ele disse e fez. Ele é Deus em forma humana. É uma explicação viva de Deus, uma teologia ambulante.

Há dois tipos de religião: a religião baseada no medo e no interesse, e a “religião” fundada por Jesus que é uma resposta ao dom gratuito de Deus. A primeira, na verdade, é uma invenção humana:  procura acumular méritos para compensar possíveis castigos e além disso canalizar favores de Deus para si. É uma religião interesseira. Uma ilusão! Disse Albert Einstein: “Se nós somos religiosos ou por medo ou por interesse, nós somos uns pobres coitados”. Já o segundo tipo de religião é a acolhida do dom de Deus: a vida, o batismo, a Palavra de Deus, o perdão, etc. o que gera louvor e ação de graças.

Muitas pessoas ainda encaram a Deus como um patrão ou um contador e por isso se  preocupam em cumprir preceitos e assim estar preparados para o juízo onde haverá ou prêmio ou castigo.  Mas a verdade é que Deus não castiga nunca. Infelizmente encontramos no Antigo Testamento passagens que atribuem a Deus a ira, castigos e crueldades. São invenções humanas de uma religião imperfeita. Relíquias mortas de etapas superadas que é preciso deixar para o passado. Diante de uma desgraça nunca se deve dizer: “era a vontade  de Deus” ou “Deus sabe o que faz”. Isto é falar mal de Deus, “é tomar seu santo nome em vão”.

Deus perdoa sempre como o pai do filho pródigo. Não somente perdoa, mas ainda faz uma festa. Claro que isto não deve sugerir uma religião light e permissiva. Não, porque  o amor é mais exigente do que o medo. O amor de Deus é exigente. Ele nos pede que sejamos o melhor possível, que não fiquemos a meio caminho. Deus prefere que sejamos frios ou quentes e nunca mornos (Ap  3,15).

Jesus exorcizou o medo. Ele fundou uma “religião” filial e pede aos seus seguidores uma espiritualidade de infância. Termino com uma oração de Santa Tereza: Não me permitas, Senhor, temer-te por causa do inferno, nem procurar-te por causa do céu, mas somente amar”. Eis aí a religião pura, sem medo e sem interesse.

 

Segunda leitura(Rm8,14-17)

Paulo nos revela, com palavras enternecedoras, qual é a nossa realidade depois do batismo. Já não somos simples criaturas, não somos escravos a serviço de um senhor na esperança ou no temor de um castigo. Somos filhos queridos do Pai.

É por isso que nos foi revelado que Deus não é solitário, mas é uma família. A religião do medo dos castigos de Deus, a religião dos méritos, a religião que anuncia um Deus distante, é incompatível com a profissão de fé em Deus Pai, Filho e Espírito Santo.

 

Evangelho (Mt 28,16-20)

A cena se desenrola numa montanha da Galiléia. Jesus se apresenta dizendo que lhe foi dado todo o poder no céu e na terra. “Céu e terra” para os antigos significava  a criação inteira. O “poder” não tem nada a ver com o poder dos chefes deste mundo que exigem obediência e submissão. Esta espécie de poder Jesus sempre o recusou. A sua “autoridade” não era uma tirania, mas um serviço e consiste no poder de salvar, de conduzir a Deus todos os homens.

Este “poder” Jesus o comunicou aos seus discípulos para que eles completem a sua obra, fazendo chegar a todos a sua salvação. Essa é oferecida através do anúncio da mensagem evangélica e através do batismo. Mas este sacramento não deve ser interpretado como um gesto quase mágico, capaz de proporcionar automaticamente a salvação. É um germe de vida, uma semente à qual é preciso dar condições de crescer e dar frutos.

As últimas palavras de Jesus que concluem o evangelho de Mateus são sublimes:  “Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espirito Santo. Eis que eu estou convosco todos os dias até o fim do mundo”.

No começo do evangelho Jesus fora anunciado como o “Emanuel”, isto é, como o “Deus conosco” (Mt 1,23) e agora, após a ressurreição, ele proclama solenemente continuar sempre o “Deus conosco”.

É confortador saber que Deus está sempre presente em nossa vida. Mas isto implica para nós sermos discípulos e seguidores de Jesus. Infelizmente, as palavras “discipulado” e  “seguimento” sumiram do cotidiano dos cristãos. Em vez de seguir a Jesus, os cristãos começaram a adorar a Jesus, o que é sem dúvida mais fácil porque não compromete. Ora, Jesus nunca pediu adoração, mas precisamente seguimento.

 


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