Festa da Ascensão - Ano B


 

A HISTÓRIA DE JESUS CONTINUA NA VIDA DA COMUNIDADE

 

Primeira Leitura (At 1,1-11)

Lucas escreveu dois livros: O Evangelho e os Atos dos Apóstolos. No primeiro ele conta a história de Jesus; no segundo, a história da Igreja.

Ao comentar a Ascensão de Jesus, temos que tomar o cuidado de não cair na armadilha da linguagem. “Céu” não é um lugar no alto, é uma situação: é estar junto de Deus. “Subir ao céu” não se refere a um movimento físico semelhante, desculpem a comparação, ao de um astronauta... Afirmar que Jesus subiu ao céu é exatamente a mesma coisa do que afirmar: “ressuscitou”, foi glorificado, entrou na glória de Deus. Seu corpo, é verdade, foi colocado no sepulcro, mas Deus não precisava das moléculas do seu cadáver, para dar-lhe aquele corpo de “ressuscitado” que Paulo chama: “corpo espiritual” (1Cor15,35-50).

Não houve nenhum deslocamento no espaço, nenhum “arrebatamento” do Monte das Oliveiras para o céu, 40 dias após a Páscoa. A Ascensão aconteceu, sim, mas no mesmo instante da morte, embora os discípulos tenham começado a entender e acreditar somente a partir do “terceiro dia”. É por isso que Jesus pôde dizer ao “bom ladrão”: “Hoje estarás comigo no paraíso”.

A narração de Lucas é uma página de teologia, não uma notícia sobre acontecimentos, extraída de um jornal. Se fosse crônica nós teríamos o direito de estranhar porque Lucas conta a Ascensão em dois momentos e lugares diferentes. Segundo os Atos, como vimos, a Ascensão aconteceu 40 dias após a Páscoa no monte das Oliveiras. Já segundo o evangelho, do mesmo autor, aconteceu no dia da Páscoa em Betânia. De fato, em Lc 24,50 nós lemos: “Depois os levou para Betânia e, levantando as mãos, os abençoou”.

Para descrever a Ascensão no livro dos Atos, Lucas usa diversos símbolos e expedientes literários tirados do AT... O autor se inspira na lenda do rapto de Elias que foi arrebatado ao céu num carro de fogo (2Rs 2,9-15); a nuvem indica a presença de Deus num determinado lugar; os  dois homens de branco são os mesmos que aparecem junto ao sepulcro no dia da Páscoa (a cor branca representa, na simbologia bíblica, o mundo de Deus); por fim o olhar voltado para o céu se inspira em Eliseu, o discípulo de Elias, contemplando a subida de seu mestre para o céu.

O olhar voltado ao céu (v.11) é semelhante ao de muitos cristãos de hoje que não consideram a religião como um estímulo para comprometer-se de maneira concreta a fim de melhorar a vida dos homens. A estes Deus diz: “parem de olhar para o céu, mãos à obra...” Para os apóstolos, como para Eliseu, a imagem do “arrebatamento do Mestre” indica a troca de guarda.

Há dois mil anos a Igreja começou sua caminhada. Não alimentou, por vezes, uma religião alienante, que conduzia os homens, não para o céu, mas para as nuvens? Contribuiu sempre para a transformação das estruturas sociais injustas?  Ou preferiu restringir-se ao “espiritual” (“salva tua alma”) para não se envolver em uma pastoral libertadora que poderia trazer “aborrecimentos”? Como se comportou diante dos problemas da escravidão, da libertação dos povos, da opressão dos pobres? Promoveu ou teve medo da ciência?  Nunca pensou que o desenvolvimento deste mundo teria podido distrair os homens do interesse pelo outro mundo?   A todos os que pedem uma ajuda, como a Igreja responde hoje: só com “orações e bênçãos” ou se compromete com atividades concretas?

 

Segunda Leitura (Ef 1,17-23)

Paulo pede a Deus a sabedoria para os seus cristãos. Não se trata de uma sabedoria humana, mas da inteligência para compreender o mistério da Igreja. Pede a Deus para iluminar os olhos de seus corações, a fim de entenderem quão grande é a esperança para a qual foram chamados.

A primeira leitura convidava os cristãos a não descuidar dos deveres concretos do mundo. A segunda leitura completa este pensamento e exorta os cristãos a não esquecer que a vida deles não está limitada aos horizontes deste mundo.

Embora comprometidos nas atividades desta vida, eles se sentem sempre como estrangeiros à espera que Cristo venha buscá-los para ficarem com ele para sempre.

 

Evangelho (Mc 16,15-20) 


Ascensão de Jesus provocou uma ruptura na convivência de Jesus com os discípulos que de uma hora para outra se viram confrontados com uma missão superior às suas forças: anunciar o evangelho a todas as criaturas, inclusive  “as criaturas inanimadas, que aguardam ansiosamente a manifestação dos filhos de Deus ... e alimentam a esperança de ser libertadas da escravidão da corrupção”. (Rm 8,19-21). Em que sentido a criação deve ser libertada? Quem a está mantendo na escravidão? O próprio homem.

Terminada a criação, Deus confiou ao homem o cuidado pela  criação que está em evolução,  e o homem, como ser inteligente, está convidado a levar em frente este processo da criação e sua evolução (Gn2,15). Infelizmente o homem não está cumprindo a sua missão.  Movido pelo egoísmo, pela ganância de poder e de domínio, pela desenfreada procura do prazer a qualquer custo, usa os materiais da natureza para produzir armas mortíferas. Destrói as florestas, causando o desaparecimento de espécies de animais e plantas, contamina os rios, a atmosfera, envenena os frutos da terra, facilitando a propagação de doenças... É dessa forma que toda a criação fica submetida à escravidão do pecado e da corrupção.

O nosso planeta está doente, sujeito a desaparecer. É semelhante ao Titanic que em 1912, às 2,30 da madrugada chocou-se com um Iceberg. Quando o iceberg foi avistado já não havia tempo de desviar o navio. Hoje, pelo contrário, o perigo está à vista. Ainda há tempo...

O evangelho de hoje contém um apelo para que todos se empenhem na salvação do nosso planeta. O zelo pela natureza é uma exigência moral da própria fé. A natureza é criatura de Deus. Deus está presente nela.

A segunda parte do evangelho fala dos sinais da presença do ressuscitado: “os que acreditam expulsarão demônios, falarão novas línguas, manusearão serpentes e se tocarem algum veneno, este não lhes provocará qualquer dano, colocarão as mãos sobre os doentes e estes ficarão curados”.

Sinais estranhos! Não devem ser interpretados em sentido literal. São símbolos dos tempos messiânicos e do mundo novo que haveria de nascer. De modo semelhante Isaías: “o leão será hóspede do cordeiro, e a pantera se deitará ao pé do cabrito e as crianças de peito brincarão junto à toca da víbora” (Is 11,6-8).

O profeta não se refere à mudança da natureza dos animais. Nos tempos messiânicos não haverá mais inimizades, rivalidades, agressões recíprocas entre os homens.

 “O Ressuscitado está sentado à direita de Deus. É figura retórica: o ressuscitado recebeu o maior lugar de honra.

 



Comentários