UMA RELIGIÃO VOLTADA PARA A VIDA E A
LIBERDADE
Primeira Leitura (Ex 20,1-17)
A primeira leitura fala dos 10 mandamentos, que, ao
contrário do que a maioria do povo pensa, não caíram do céu. São antes uma
coletânea de leis organizadas por Moisés a partir de códigos pagãos (Inclusive
o Código de Hamurabi). Para dar-lhes mais autoridade Moisés as atribui a Deus.
Não são impostas sob pena de castigo, como entre os pagãos, mas por amor e para
formar uma sociedade livre onde todos terão os seus direitos e deveres
respeitados. Deus se apresenta (é a intuição de Moisés) como um Deus
libertador: “Eu sou o Senhor que te fez sair da terra do Egito”(v.2).
Não são leis opressivas, severas, difíceis, às
vezes até mesmo absurdas e incompreensíveis como prova da própria fidelidade.
Ao contrário, podem ser comparadas com a sinalização das rodovias, que não é
implantada para limitar a liberdade, mas para indicar o caminho certo. Não são
um “desmancha prazeres”, mas caminhos para a felicidade e realização humana.
É interessante notar que Jesus reduziu os
mandamentos a dois: “amar a Deus e amar o próximo” (Mt22,34-40), mais
adiante a um só: “amar o irmão” (Jo 13,34-35). Fora do evangelho,
porém, já não se fala de dois mandamentos, mas de um só: o amor ao ser
humano... “porque aquele que ama o seu próximo cumpriu toda a lei” (Rm 13,8).
É evidente que o mandamento do amor engloba todos
os outros. E é bom lembrar: o amor é mais exigente do que a lei. Os mandamentos
servem para traçar as fronteiras mínimas do amor. Apontam os primeiros passos,
mas não esgotam toda a lei de Deus.
Segunda leitura (1Cor 1,22-23)
Os quatro versículos que compõem essa leitura nos
apresentam o ponto fundamental de toda a pregação de Paulo: O Cristo
crucificado. Era muito difícil para Paulo anunciar que um crucificado era o
Messias: para os judeus era um escândalo e para os gregos uma loucura.
Os judeus esperavam um Messias poderoso e
vencedor para derrotar os inimigos do seu povo através de milagres. Já os
gregos confiavam somente na sabedoria. Ora, o crucificado não se enquadrava em
nenhum destes conceitos.
Os primeiros cristãos tinham uma enorme dificuldade
em aceitar um Messias crucificado. Então diziam: “fazer o que, era a vontade de
Deus!”. Mas que Deus cruel é este que exige o sacrifício de seu filho para
reparar a sua honra ferida pelos pecados do povo? Outros diziam: “foi vontade
de Jesus”. Ora, nenhuma das respostas era verdadeira. Porque nem Deus Pai é
sádico, nem Jesus masoquista. A crucificação de Jesus foi tramada pela maldade
humana. Lemos no evangelho que Jesus pediu que o Pai “afastasse aquele
cálice...” e se queixou porque o Pai o abandonou.
Jesus morreu por fidelidade a um projeto, chamado
“Reino de Deus”. Este, sim, era vontade de Deus e de Jesus. Jesus levou este
projeto até o fim. A morte de Jesus foi o verso da medalha. Esta fidelidade foi
o preço da sua morte. Homem que é homem não retira a sua palavra. Se Jesus se
tivesse evadido, ou suavizado o seu discurso, a sua mensagem perderia a sua
força. Precisava ir até a cruz? Não. Já bastava a mensagem original e
revolucionária que ele havia pregado. Mas a cruz foi o selo de autenticidade de
sua vida e de sua palavra. Aliás, foi esta fidelidade que nos salvou e não o
sofrimento.
Infelizmente a cruz tornou-se para nós um símbolo
cultural, usado para enfeite, ou para desmentir a mensagem de Cristo (há
ambientes onde o crucifixo não deveria estar porque é uma hipocrisia). A
verdadeira maneira de venerar a cruz é tirar da cruz os crucificados e lutar
para que ninguém mais seja crucificado...
Evangelho (Jo 2,13-25).
A leitura narra o episódio da “purificação” do templo.
A cidade de Jerusalém contava normalmente com
50.000 habitantes, mas por ocasião da páscoa atingia 180.000. Muitos peregrinos
vinham de longe; trabalhavam e economizavam durante anos para conseguir, uma
vez na vida, realizar a “viagem sagrada”, com sua família. Durante os dias de
festa não medem os gastos: comem carne com abundância, bebem bons vinhos,
compram presentes, pagam promessas, freqüentam o templo para rezar, pedir
conselhos aos sacerdotes... etc.
Os comerciantes sabem muito bem que a páscoa é uma
ótima ocasião para fazer bons negócios. Em poucas semanas ganham mais do que no
ano inteiro. As lojas estão lotadas desde as primeiras horas da manhã até tarde
da noite.
Os acontecimentos mais graves se verificam no
templo. Três semanas antes da páscoa a praça na frente do mesmo é transformada
num mercado. Há as bancas de câmbio para trocar as moedas dos peregrinos que
vem de fora (com ágio); há os vendedores de cordeiros (cerca de 18 mil são
abatidos para a ceia pascal); há os vendedores de bois e outros animais para os
sacrifícios; há os mercadores de peles, vendedores de pombas, tudo é vendido
com ágio.
Jesus chega ao templo por ocasião da festa.
Acometido por uma “ira santa”, faz um chicote com as cordas nas quais estão
amarrados os animais e furiosamente começa a expulsar todos e jogar pelos ares
as mesas, as cadeiras, o dinheiro, as gaiolas das pombas, também os bois e as
ovelhas. Onde está o Jesus calmo, manso, sorridente, e tranqüilo?
Mas nessa ocasião ele mostra um comportamento muito diferente. Era a “ira
santa”, a revolta contra o que está errado. Não é pecado, é uma virtude.
Duas frases explicam a “ira santa” que se apoderou
de Jesus. A primeira: “Tirai daqui tudo isso e não façais da casa de meu Pai
uma casa de negociantes” (v.16) Purificando o templo, Jesus condenou a liturgia
ritualista e formalista baseada no sacrifício de animais e a confusão entre
religião e interesses econômicos.
Durante a história da Igreja a religião foi usada
muitas vezes para esconder ou justificar interesses, vantagens, benefícios que
nada tinham a ver com o evangelho.
O ensinamento mais importante é destacado pela segunda
frase de Jesus: “Destruí este templo e em três dias eu o reerguerei” (v.19).
Jesus fala do início de um novo culto: “Ele falava do templo do seu corpo
(v.21)
Os judeus achavam que agradavam a Deus com o
perfume de incenso e o sangue das vítimas”. Jesus afirma que esta religião já
terminou sua função. Em breve Deus constituirá para si um novo templo no qual
serão oferecidos sacrifícios que lhe agradam. Para a samaritana
Jesus havia dito que os verdadeiros adoradores prestarão a Deus um culto em
espírito e verdade( Jo 4,21-24).
O novo templo é uma realidade completamente
diferente: a sua construção já começou, “depois de três dias” (v.20), isto é,
no dia da páscoa.
Ressuscitando dos mortos o próprio Filho, o Pai
colocou a pedra fundamental do novo santuário. Em seguida, sobre essa pedra,
ele colocou outras pedras vivas, que são os discípulos de Cristo. Todos juntos
formam o corpo de Cristo, o novo templo onde Deus habita.
Eis a nova casa de Deus, o lugar onde ele habita: é
Cristo e com ele a comunidade dos crentes.
Devemos ter a plena convicção de que os nossos
cantos, as nossas procissões, as nossas cerimônias solenes não proporcionam
nada a Deus. Os únicos sacrifícios que lhe são agradáveis são as obras de amor,
o serviço generoso prestado ao ser humano, especialmente ao mais pobre, ao
doente, ao marginalizado, ao faminto, ao desnudo.
Toda vez que nos inclinamos para o próximo a fim de
servi-lo, eleva-se para o céu o perfume da nossa oferta e nós nos
transformamos, unidos a Cristo, em templo de Deus.
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