JESUS NOSSO COMPANHEIRO DE SOFRIMENTO
Primeira leitura (Is 50,4-7)
Nesta primeira leitura o profeta fala de um
personagem misterioso: “Servo do Senhor”. Não se sabe ao certo a quem se
referia o profeta. Os primeiros cristãos achavam que ele era uma figura de
Jesus devido à semelhança do que aconteceu a um e outro (At 8,32-35).
O “Servo” recebe a missão de consolar seu
povo que está no exílio na Babilônia. Vive na permanente escuta da palavra de
Deus para não perder nada do que Deus lhe transmitia.
Sabemos por experiência que não é fácil ser
testemunhas de acontecimentos que presenciamos ou de coisas que ouvimos. Seria
mais cômodo fazer de conta que nada vimos ou ouvimos. Mas o profeta é fiel e
corajoso; denuncia as injustiças que oprimem o povo e levanta sua voz contra
toda forma de corrupção política, religiosa e moral. Desencadeia-se, então,
inevitável e violenta reação; o Servo do Senhor é flagelado, insultado e
coberto de cusparadas (v.6).
E a sua reação? Resiste, duro como uma pedra, não
abre a boca, não se desnorteia, cala-se, porque sabe que está lutando por uma
causa justa, tem certeza de que o Senhor está a seu lado e que um dia todos
deverão reconhecer que ele lutou pela verdade e pela justiça (v.7). (A
não-violência é a maior força dos pobres)
A Jesus aconteceu a mesma coisa; por isso os
primeiros cristãos identificaram imediatamente o seu Mestre com o Servo do
Senhor (At 8,32-35).
É fácil reconhecer neste “Servo” as histórias de
muitos homens que praticaram e proclamaram a justiça.
Segunda leitura (Fl 2,6-11)
Paulo gostava muito da comunidade de Filipos. Era a
primeira comunidade cristã da Europa e tinha como chefe uma mulher: Lídia.
Havia ali pessoas simples e generosas. Entretanto, como acontece também nas
melhores comunidades de nossos dias, havia ali também o problema da inveja.
Havia sempre alguém pretendendo sentir-se superior aos outros.
Paulo sente então a necessidade de exortar os
filipenses: “Nada façais por espírito de partido ou vanglória, mas a humildade
vos ensine a considerar os outros superiores a vós mesmos. Cada qual tenha em
vista não os próprios interesses e sim os dos outros(2,3s).
Para ser mais convincente Paulo cita o exemplo de
Cristo, usando um hino que era cantado naquela comunidade.
Este cântico nos apresenta a pessoa de Jesus e sua
história: ele já existia na sua condição divina, antes de fazer-se homem;
encarnando-se, pôs de lado toda a sua grandeza divina e apareceu aos nossos
olhos na humildade e na fraqueza do homem, do mais desprezado dos homens: o
escravo, a quem os romanos reservavam a morte de cruz.
Jesus fez um “estágio” de gente. Sua divindade
ficou escondida sob a humilde aparência humana, de modo que todo mundo via nele
somente um homem.
O seu caminho, porém, não se encerrou com a
humilhação e a morte na cruz. A segunda parte do hino (vv.9-11) canta a glória
para a qual Jesus foi elevado: O Pai o ressuscitou, estabeleceu-o como modelo
para todos os homens e lhe deu o poder e o domínio sobre todas as criaturas.
Evangelho (Mc 14,1—15,47)
5 ou 6 anos após a morte de Jesus circulava entre
os primeiros cristãos uma espécie de “apostila” contendo uma narrativa da
paixão de Jesus, de autoria do evangelista Marcos. Os outros evangelistas
retomaram a narrativa e, para deixá-la mais apropriada para a catequese das
suas comunidades, fizeram adaptações e acréscimos.
O primeiro evangelho é o de Marcos do ano 70. Lucas
e Mateus, da década de oitenta e o de João dos anos noventa. Antes de serem
escritos, as palavras e os acontecimentos da vida de Jesus corriam de boca em
boca. Assim sendo, não são propriamente biografias de Jesus. São, antes,
expressão da pregação da Igreja.
Os evangelistas misturam história e interpretação.
Como não presenciaram a paixão, recorreram a textos do AT para descrever os
sofrimentos, morte e ressurreição de Jesus, sobretudo Is 50—53; Sls 21
e 68: fizeram uma “bricolagem”.
Neste ano a Liturgia nos propõe a Paixão segundo
Marcos. Vamos destacar aqui somente os elementos que são exclusivos deste
evangelista.
1.Um primeiro pormenor importante é a ausência da
reação de Jesus ao beijo de Judas e ao gesto violento de Pedro.
2.Os discípulos fugiram, deixando Jesus só. Nenhum
evangelista dá tanto destaque à solidão de Cristo como Marcos, abandonado por
todos até pelo Pai. No fim da sua vida ele experimenta a angústia de quem está
certo de ter lutado pela causa justa, mas ao mesmo tempo se vê derrotado sem
que alguém profira uma só palavra a seu favor. O seu grito final: “Meu Deus,
meu Deus, porque me abandonaste” pode até parecer chocante, mas exprime de
forma dramática o seu conflito interior.
3. Outra característica própria de Marcos é a sua
insistência nas reações muito humanas de Jesus diante da morte. No jardim das
Oliveiras Jesus “começou a sentir grande pavor e angústia” (14,33). Houve na
história humana homens que enfrentaram a morte com serenidade ou com desprezo
pelo sofrimento. Jesus, por sua vez, chorou, teve medo, procurou ansiosamente
alguém que o compreendesse e que estivesse a seu lado.
Este Jesus que Marcos nos apresenta é fraco como
nós, é nosso companheiro de sofrimento.
4. Marcos apresenta-nos um Jesus que está sempre em
silêncio. A Pilatos que quer saber se ele é rei, simplesmente responde; “Sim,
eu sou”. E só. Diante dos insultos, das provocações, das mentiras, ele fica
calado, não se “digna” responder. Seria inútil. Para ele basta saber que está
na verdade.
5.O ponto culminante de toda a narrativa da paixão
segundo Marcos, é a profissão de fé, proclamada aos pés da cruz, pelo
comandante dos soldados romanos. “Então o centurião, quando viu Jesus morrer
daquele modo, disse: Verdadeiramente este homem era Filho de Deus (15,39). É
interessante o contraste: os discípulos fugiram e o centurião, um pagão, faz
uma bela profissão de fé.
6. Todos os 4 evangelistas nos falam de José de
Arimatéia, o membro respeitado do Sinédrio, que procurou Pilatos para pedir a
autorização para sepultar Jesus. Mas somente Marcos afirma que foi uma atitude
corajosa. De fato, somente uma pessoa corajosa é capaz de apresentar-se como
amigo de um condenado pela autoridade.
7. Somente Marcos coloca nos lábios de Jesus, no
horto das Oliveiras, a expressão “Abba, Pai” (14,36). É uma palavra aramaica
que quer dizer “papai”, usada geralmente pelas crianças. Com esta palavra Jesus
se abandona, confiante nas mãos do Pai.
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