CONFIAR, ESCUTAR E CELEBRAR A FÉ
Primeira
leitura (Gn 22,1-2.9a.10-13.15-18)
O texto diz que Deus pediu a Abraão que
sacrificasse o filho da promessa Isaac. Como é possível Deus pedir uma coisa
dessas?
Para entender a narrativa da tentação
de Abraão como também a Bíblia inteira é bom lembrar que ela foi escrita há
dois ou três mil anos atrás. A narrativa em questão não é um relato histórico,
é antes uma mistura de mito e lenda a serviço de mensagem teológica. A
expressão: “Deus falou para Abraão” evidentemente não se refere a uma voz
física de Deus. Deus nunca falou assim na Bíblia. Foi um pensamento que passou
pela cabeça de Abraão. Como assim? É que os vizinhos cananeus costumavam
sacrificar crianças a seus deuses para obter favores.
Em todo caso o texto elogia a
obediência de Abraão. Afinal Isaac não era propriamente filho de Abraão, era o
filho da Promessa. Talvez Abraão pensasse: “Deus deu, Deus pode
tirar...”. Mas então como ficaria a promessa de uma descendência
numerosa que Deus havia feito a Abraão? Ele sente-se, de fato, privado de tudo:
do passado e do futuro: resta-lhe somente seu Deus.
A narrativa ensina também que Deus não
aceita sacrifícios humanos, pois que por fim Isaac é substituído por um
cordeiro.
Este desenlace faz pensar na
interpretação da morte de Jesus inocente como exigência do Pai para perdoar os
pecados do povo. Um absurdo! Será que Deus precisava ver correr sangue inocente
para só então perdoar?...Não foi por misericórdia?...
Segunda leitura (Rm 8,31b-34)
O capítulo 8 inicia com uma certeza:
“Já não existe condenação para os discípulos de Jesus” (v.1).
“Se Deus é por nós, quem será contra
nós”? (v.31b). “Deus não poupou seu próprio Filho, mas o “ entregou” por todos
nós. Por isso, junto com ele, nos dará tudo o que precisamos” (v.32). Na
verdade a morte de Jesus não foi vontade de Deus nem de Jesus, mas dos homens.
O que nos salvou não foi o sofrimento de Jesus mas a sua obediência.
“Ninguém acusará os eleitos de Deus,
pois é Deus quem justifica” (v.33). “Ninguém condenará, nem mesmo Jesus Cristo,
pois ele morreu e ressuscitou, está à direita de Deus e intercede por nós”
(v.34).
Se Deus não é contra nós, não nos nega
nada, não nos acusa, não nos condena, quem de nós ousa fazer aquilo que Deus
não faz? A responsabilidade, portanto, é de cada um e de todos.
Essa leitura curta é muito linda.
Revela como o amor do Pai é definitivo e gratuito e como não pode ser destruído
por nenhum pecado e por nenhuma infidelidade humana.
Evangelho (Mc 9,2-10)
A finalidade do evangelho de Marcos é mostrar quem
é Jesus. Ora, na primeira parte deste evangelho Jesus é incompreendido
pelos “de fora”, acusado de blasfemar, de ser um possesso, louco e impuro.
Então Jesus pergunta aos discípulos o que pensam dele. Pedro responde em nome
dos companheiros que Jesus é o Messias. Jesus concorda, mas anuncia que o seu
messianismo deverá passar pela paixão. Pedro não se conforma porque entende que
o messianismo de Jesus deve se basear nos moldes tradicionais (força, glória e
poder). Jesus chama a Pedro de Satanás.
A “transfiguração” será um sinal de que
a proposta messiânica de Jesus vai vencer. O texto é um tanto difícil porque
usa símbolos do Antigo Testamento. Aliás, toda a narrativa é
simbólica e não uma informação. Na transfiguração desaparece, por um instante,
a forma humana de Jesus e dá lugar à divindade que está escondida atrás da
“carne” humana de Jesus.
Jesus sobe a uma alta montanha (Tabor?)
com Pedro, Tiago e João, imitando Moisés que subiu ao monte Sinai com Aarão,
Nadab e Abiú( Ex 24).
As vestes brancas de Jesus (v.3) são
símbolo do mundo de Deus. Moisés e Elias, que representam
respectivamente a Lei e os Profetas, se fazem presentes e conversam com Jesus.
Um e outro foram profetas libertadores. Eles vêm testemunhar que Jesus é o
libertador definitivo. Pedro propôs fazer três tendas... era muito bom fazer a
experiência de Deus... Marcos diz que Pedro não sabia o que estava dizendo,
pois estavam todos com muito medo...
Nuvem, esplendor e, sobretudo, a voz
que sai da nuvem, são modos de indicar a presença de Deus. O próprio Pai
garante que Jesus é seu Filho amado, ao qual é preciso dar adesão (v.7; 1,15).
Nesse versículo temos um dos pontos altos do evangelho de Marcos. Desde o
início do evangelho afirma-se que Jesus é Filho de Deus (1,1) e ao ser batizado,
o Pai diz: “Tu és o meu Filho amado; em ti encontro o meu agrado” (1,1).
O julgamento que Marcos faz de Pedro e
de todos os seguidores de Jesus é muito severo “Ele não sabia o que dizer, pois
estavam com muito medo” (v.6). A um certo momento Moisés e Elias
desaparecem. O que significa: o Antigo Testamento está superado,
agora basta ouvir Jesus.
No fim de tudo, os discípulos se
perguntam o que queria dizer “ressuscitar dos mortos” (v.10), O tema da
ignorância dos discípulos no evangelho de Marcos é muito forte. É impossível
saber quem é Jesus ,sem ir com ele até a cruz, sem passar pela
morte, sem voltar à Galiléia, para anunciar aí uma mensagem libertadora, que o Mestre está
vivo. Pedro, e com ele todos nós, sofremos de ignorância crônica em relação
a quem é Jesus. Por isso é que “escutar o que ele diz” (v.7)
significa ir com ele até o fim.
E não nos assustemos: no Evangelho de
Marcos, quem confessa Jesus como “Filho de Deus” é justamente um pagão, alguém
que jamais esteve com o mestre nas andanças pela Galiléia. “O centurião que
estava diante de Jesus no Calvário, ao ver como ele havia expirado, disse: Este
homem era realmente o Filho de Deus” (Mc 15,39).
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