JESUS PROFETA ENSINA LIBERTANDO
Primeira leitura (Dt 18,15-20)
Estes versículos definem a identidade da função do
profeta: ser para todo o povo porta-voz e intérprete do projeto de Deus em
vista da construção de uma história e sociedade novas.
Entre os povos vizinhos, os profetas tinham a
função de ser adivinhos, astrólogos e magos. Não assim em Israel. Aqui o
profeta era ao mesmo tempo um místico e um político a serviço do Deus
libertador, intérprete e orientador da história à semelhança de Moisés (v.15).
O povo devia dar ouvidos ao que o profeta dizia e
este, por sua vez, devia transmitir fielmente a palavra de Deus: “Fala, Senhor,
que teu servo escuta”.
Segunda Leitura (1Cor 7,32-35)
A questão aqui é a virgindade em sentido biológico,
sendo que no Antigo Testamento o casamento era lei de Deus. Segundo Paulo, a
partir de Jesus a virgindade recebe uma nova referência enquanto serviço
integral à evangelização: pessoas não se casam para se dedicarem inteiramente à
evangelização. Longe de ser uma depreciação do casamento e do sexo, ela passa a
ser testemunho de uma doação plena e total ao Reino: “a mulher que não se casa
e a virgem se ocupam com as coisas do Senhor, para serem santas no corpo e no
espírito”.
Mas fica uma pergunta no ar: será que as
pessoas casadas que trabalham nas comunidades ficam divididas entre Cristo e o
cônjuge?...
Evangelho (Mc 1,21-28)
Marcos situa no tempo e no espaço o relato do
primeiro milagre: a libertação de um homem possuído por um “demônio”. Isto
acontece na sinagoga, lugar de estudo e aprendizado da Lei. Quando Jesus começa
a falar, o povo fica admirado porque ele ensina como quem tem autoridade e não
como os doutores da lei que ficam repetindo os velhos refrões que não dizem
nada de novo e não “mexem” com ninguém. Diante de Jesus o povo fica espantado:
“o que é isto? Um ensinamento novo dado com autoridade? V.27a).
O ensinamento de Jesus é novo porque liberta ao mesmo tempo que ensina. Aí se
situa a diferença entre o seu ensinamento e o dos doutores da lei, cuja prática
não leva à libertação. E isto tem muito a ver com nossa prática pastoral, às
vezes feita de teorias, discursos gastos que não promovem nada de novo.
Ao entrar na sinagoga, Jesus se volta para quem não recebia atenção (v.23). Ele
faz com que o possuído pelo demônio se torne o centro das atenções e sua
libertação é ao mesmo tempo prática e ensino.
Antigamente o povo não tinha os conhecimentos científicos de
que dispomos hoje, nada conhecia de micróbios, de bactérias, de epilepsia, de
psicoses e acreditava que todas as doenças eram provocadas por algum “espírito”
que, depois de ter entrado numa pessoa, causava sérios aborrecimentos.
De onde vinham os “demônios”? Alguns diziam que
eles vinham do mar, outros sustentavam que eles ficavam vagando pelos
ares. Na verdade, ninguém tinha uma resposta certa para o problema.
A única certeza era o fato de que os homens se sentiam indefesos e impotentes
diante dessas forças malignas que os dominavam e oprimiam.
O demônio, como já tive ocasião de observar, não
deve ser imaginado como um pequeno ou grande monstro, mas como o conjunto de
tudo aquilo que desumaniza as pessoas.
Forças demoníacas com certeza são: os sentimentos
racistas que impelem ao ódio, à discriminação; “demônios são a ansiedade pela
bebida e pelas drogas, a ganância que arrasta para acumular bens materiais só
para si e sua família, às injustiças contra os que são diferentes de nós, a
paixão sexual desenfreada e descontrolada”.
Esses “demônios querem dominar o homem e querem ser
deixados em paz. São eles que mandam, que falam e que induzem à ação.
Quando esses “demônios não causam grandes
prejuízos, os homens tendem a deixá-los em paz. Jesus, ao contrário, quer
libertar as pessoas e entra em conflito com todos os “demônios” porque sabe que
pode contar com a palavra “forte” e eficaz que possui.
Perguntemo-nos sinceramente: a palavra que hoje
ecoa nas nossas comunidades cristãs, provoca alguma transformação, causa alguma
inquietação, desembaraça situações aparentemente irremediáveis, expulsa
“demônios” ou deixa todos sossegados?
A reação do homem possuído pelo demônio, ao ouvir a
palavra de Jesus, é violenta: “Que tens tu conosco? Vieste perder-nos?”.
Evidentemente sente-se perturbado, contrariado,
ameaçado pela presença do Mestre.
Acontece também em nossos dias. Quando a palavra de
Deus, anunciada nas homilias perturba, provoca, denuncia situações
intoleráveis, há sempre alguém que se levanta e pergunta irritado: “O que os
padres têm a ver com isso? Porque não cuidam dos seus
afazeres? Porque se intrometem na política, na economia, nos
problemas sociais?”
Quem são os indivíduos que se sentem mais
perturbados ou ameaçados pelo anúncio da mensagem de Cristo? Há
motivos de preocupação quando nossa mensagem é combatida ou então quando a
mesma deixa a todos indiferentes? As nossas comunidades continuam a
luta de Jesus contra tudo aquilo que escraviza o ser humano?
O “espírito mau” não aceita passivamente a ordem de
Jesus; reage com violência ao ser contrariado, resiste, começa a gritar porque
quer perpetuar o seu domínio sobre a vítima. Essa luta representa a rebelião
das forças malignas, dos “demônios” que se encontram dentro de nós e não querem
ser expulsos. É o símbolo das dificuldades que o homem enfrenta quando quer
despojar-se dos seus maus hábitos, que resistem e dos quais não é fácil
desenredar-se.
Aqueles que, diante desse obstáculo, desanimam e
desistem da luta, mostram que não confiam na força da palavra de Jesus, que
continua ressoando nas nossas comunidades, como naquele sábado de 2.000 anos
atrás, na sinagoga de Cafarnaum.
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