Trigésimo Quarto Domingo do Tempo Comum – Cristo Rei


 


 

 

O REI E SEUS IRMÃOS MENORES

 

Primeira leitura (Ez 34,11-12.15-17)

Em 587 a.C. Nabucodonosor da Babilônia arrasou Jerusalém e levou as lideranças para a Babilônia. No país ficaram somente os mais pobres: alguns vinhateiros, agricultores, artesãos. Passados alguns anos formaram-se dois grupos: Alguns expertos passaram a explorar sem escrúpulos todos os que estavam reduzidos à miséria das desgraças e desventuras.

É nesta hora triste que Ezequiel anuncia uma mensagem de salvação. Deus mesmo se encarregará de suas ovelhas (v.11), reuni-las-á de todos os lugares onde estavam dispersas e as reconduzirá às pastagens das montanhas de Israel (v.15).

A última frase da leitura é uma ameaça contra os que se atrevem a esmagar os direitos dos mais fracos. Dirigindo-se ao seu rebanho, Deus diz: “Vou julgar entre ovelha e ovelha, vou julgar os carneiros e os bodes (v.17). Trata-se de promessa clara de uma sua intervenção em favor dos pobres, dos oprimidos, dos explorados.

 

Segunda leitura (1Cor 15,20-26.28)

Para entender esta leitura é preciso lembrar que Paulo, como muitos do seu povo, acreditava que a vinda do Messias teria dado origem a dois reinos, que teriam se sucedido um após o outro. O primeiro teria sido o Reino do Messias, o segundo, o Reino de Deus.

Na leitura de hoje ele diz que o Reino do Messias terá a duração da história da humanidade e terminará no fim do mundo. Durante esse tempo o Messias irá destruindo, aos poucos, todos os seus inimigos: o último adversário a ser vencido será a morte (v.25-26).

Falando dos inimigos a serem vencidos, Paulo se refere às forças do mal, que provocam sofrimentos, que destroem o homem: a doença, a fome, a nudez, ignorância, a escravidão, o ódio, o pecado... Quando todas estas potências do mal forem destruídas, então o Reino do Messias estará realizado.

Não resta dúvida de que todos os que lutam contra essas forças do mal estão colaborando para a construção do Reino de Cristo. Mesmo os ateus se forem honestos e se empenharem em favor do homem, estarão colaborando com o Espírito de Deus.

Quando a construção do Reino do Messias estiver completa, quando todos os inimigos de Cristo (isto é, todo o mal) forem derrotados, então ele entregará ao Pai o seu reino. Terá início desta forma o reino de Deus que durará por toda a eternidade (v.28).

Cristo venceu a morte porque ele a privou do seu sentido de destruição total do ser humano e a transformou no nascimento de uma vida plena e definitiva.

 

Evangelho (Mt 25,31-43)


O evangelho fala do fim do mundo. O juízo de Deus é aqui apresentado e continua ainda hoje sendo visto, como uma dramática “prestação de contas”. Mateus coloca na boca de Jesus palavras terríveis: Jesus aparece como um “terrorista espiritual”, irreconhecível. Não é mais o Jesus misericordioso, filho de um Deus que é pai, amigo dos pecadores. A julgar pelos textos que Mateus atribui a Jesus neste evangelho e alhures, a mensagem de Jesus já não é mais uma “boa notícia” (evangelho). A seguir alguns exemplos:

“Afastai-vos de mim malditos para o fogo eterno, preparado para o demônio (v.41). São  estas as palavras mais terríveis que encontramos no evangelho e não são as únicas na boca de Jesus. Mateus lembra outras: “Não vos conheço! Afastai-vos de mim, operadores da iniquidade!(Mt 8,12); “O Filho do Homem mandará os seus anjos, os quais recolherão do seu reino todos os que praticaram a iniquidade e os atirarão na fornalha ardente, onde haverá choro e ranger de dentes” (Mt 13,41-42.51); “Amarrai-o mãos e pés, jogai-o fora, nas trevas (Mt 22,13);”Chegará o Senhor quando o servo não espera e numa hora que ele não sabe, puni-lo-á com rigor e lhe aplicará a o destino que os hipócritas merecem: e lá haverá pranto e ranger de dentes (Mt 24,51).

O trecho de hoje apresenta Deus que condena de uma forma cruel e isto para um cristão é sobremaneira escandaloso. Não se entende que as terríveis ameaças dos vv. 41-46 possam ser consideradas “Evangelho”.

E tem mais: como harmonizar o Deus severo da parábola com o Pai de quem o Evangelho inteiro nos fala. Ele que faz “surgir o sol e envia a chuva sobre os justos e os injustos”, que exige de seus filhos não fazerem distinções entre bons e maus (Mt 5,43-48), como pode ele, a um certo ponto, proceder a uma separação que ele nos manda não fazer nunca? Como pode mandar para o fogo eterno os maus e exigir de nós que amemos os nossos inimigos (Mt 5,45)? Como pode Jesus condenar os pecadores, sendo que ele mesmo afimra ter vindo “para procurar quem estava perdido” (Lc 19,10)? E este Jesus se ufana de ser considerado “amigo dos publicanos e pecadores” (Lc 7,34), como pode agora levantar-se contra eles?

O texto complica também a “justiça” deste Deus: como pode o pecado do homem (um ser fraco, limitado, finito) ser punido com um castigo infinito, “eterno? Isso é tremendamente injusto e contraditório. Isto é falar mal de Deus; é fazer de Deus um ídolo (“Não tomeis seu nome em vão...). Não há proporção alguma entre a culpa e a pena. É uma injustiça.

E se o homem continua livre durante toda a eternidade (e isto é certo) porque aqueles que praticaram o mal, deveriam obstinar-se em seu erro? Quem os deixará tão teimosos. Deus, por acaso?

Estes são alguns dos graves problemas que surgem em quem lê de maneira simples, talvez elementar, ou fundamentalista o evangelho de hoje.

A parábola como tal lembra um costume na Palestina onde os pastores à noite costumavam separar as ovelhas dos carneiros. Estes, mais resistentes, podiam passar a noite ao relento, enquanto para as ovelhas era melhor que permanecessem protegidas do frio e das intempéries. Jesus se serve desta imagem, tirada da vida de todos os dias, para nos comunicar uma doutrina.

A doutrina é apresentada na linguagem dramática e terrorista própria dos pregadores da época. Mas o ensinamento central da narração não pende para a ameaça do inferno. A cena do juízo final é convencional, ela aparece frequentemente na literatura apocalíptica, é um expediente de estilo para apresentar uma mensagem para o dia de hoje, é uma mensagem forte, eficaz, que tem um objetivo:sublinhar aquilo que de fato vale para a vida. À semelhança dos rabinos, Jesus quer dizer que a vida do homem é muito importante e revela aos seus seguidores o segredo da vida que vale apena de ser vivida.

E quais são os valores sobre os quais o homem pode alicerçar com segurança a sua vida? Não é difícil descobri-los; são as obras de misericórdia (vv.35-36.42):dar de comer a quem tem fome, sede, acolher o forasteiro, vestir o nu, visitar o doente e o encarcerado.

O homem, qualquer homem, independente de religião, mesmo os ateus, não serão julgados por práticas ou devoções religiosas. A única coisa que conta é se se praticou ou não a compaixão. É um convite a praticar o amor desinteressado. Quem age tendo em vista uma recompensa, mesmo a celeste, ainda não ama com toda a autenticidade. Porque só há uma maneira de amar a Deus: amar o próximo e segundo o evangelho de hoje é praticar compaixão ou a misericórdia. S. João: “quem diz que ama a Deus que ele não vê e não ama o próximo que ele vê é um mentiroso”.

E condenação? A sentença pronunciada pelo rei não deve ser entendida como condenação de quem errou. É sim uma dramática denúncia do que não se deve praticar agora se não se pretende arruinar a própria vida. O Senhor constata o erro, quer que seja evitado, mas isto não quer dizer que, no fim, ele puna ou destrua o culpado.

Para nós, homens, é justo avaliar o mal cometido e castigar. A justiça de Deus é completamente diferente. Ele não é justo porque recompensa e castiga com equidade, mas porque é capaz de transformar em justos os que são maus.

Mas e no fim? Bom! Eu tenho a profunda convicção que, depois de permitir que (quais cabritinhos) pulemos ora à direita, ora à esquerda, O Senhor no seu amor onipotente, misericordioso e gratuito, um dia encontrará a maneira de nos transformar a todos... em ovelhas.

 


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