Vigésimo Segundo Domingo do Tempo Comum – Ano A

 



 

O CAMINHO DE JESUS E DOS CRISTÃOS

 

Primeira leitura (Jr 20, 7-9).

O contexto histórico é o do tempo que precede a queda de Jerusalém por obra de Nabucodonosor II em 587 a.C. A nação está na pior: políticos incompetentes, corruptos e desinteressados pelos pobres. A situação religiosa não era melhor: uma liturgia baseada em sacrifícios, formalista, ritualista, sem conversão do coração. Pura ilusão!

A palavra de Jeremias é a voz de Deus, mas só provoca perseguição por parte do rei, dos chefes religiosos e até o povo fica irritado com as palavras do profeta.

Jeremias lamenta porque se deixou seduzir (v.7). Compara a sua vocação à sedução de uma jovem que cedeu à adulação do namorado que depois a abandonou. Como foi tão ingênuo de deixar-se seduzir? “ Não pensarei mais em Deus! Não quero mais pronunciar o seu nome!” (v.9)“Maldito o dia que nasci” (20,15). Jeremias “está na fossa”

Mas o Senhor já tinha acendido no seu coração um fogo tão ardente que de forma alguma podia ser apagado. Não obstante o atroz sofrimento, não pode deixar de continuar a desenvolver a sua missão.

A experiência de Jeremias se repete em todas as pessoas que se deixam seduzir e que com coragem profética aceitam anunciar a verdade. Estas pessoas entram para a história...

O profeta se deixou seduzir, e não obstante as provações que foi obrigado a suportar depois, no fim se convenceu de que valeu a pena...

 

Segunda leitura (Rm 12,1-2).

Qual o interesse que Deus pode ter com nossas celebrações litúrgicas? Deus não é um ser extra-terrestre carente de nossos louvores, adorações, sacrifícios etc. Antes somos nós que precisamos reconhecer que somos criaturas e filhos. Deus é infinitamente auto-suficiente. O mesmo se deve dizer do pecado, ele propriamente não ofende a Deus. Dizer que o pecado ofende a Deus é dizer que o homem tem poder sobre Deus. Ora, isso seria muita arrogância, presunção da parte do homem: um absurdo, uma blasfêmia: Disse um famoso teólogo, doutor da Igreja, Tomás de Aquino: “Não ofendemos a Deus por nenhum outro motivo senão o de agir contra nosso bem” (cf. a parábola do filho pródigo).

Já o disseram os profetas e o repete Jesus por várias vezes: Deus “quer obras de amor, não práticas de culto” (Mt 9,13).  Segundo Paulo, as liturgias devem ser substituídas por desapego de si, solidariedade e compaixão. A não ser assim, a nossa religião é vazia, formalista, inútil, ópio, ilusão.

No segundo versículo Paulo exorta os cristãos a não se conformarem com a maneira de pensar do povo. É uma atitude leviana e irresponsável considerar como certo o que todo mundo faz. É falta de princípio, falta de personalidade. É difícil, sem dúvida, nesse mundo pluralista, onde as pessoas são bombardeadas pela mídia, preservar-se da corrupção deste mundo. O que está certo, e o que está errado? Por isso é preciso apegar-se aos princípios da fé cristã e beber continuamente da água cristalina da Palavra de Deus.

 

Evangelho (Mt 16,21-27)


No evangelho do domingo passado Pedro fez uma bela profissão de fé. Jesus até lhe deu os parabéns porque ele acolheu a inspiração do Pai e reconheceu em Jesus o Messias. Jesus até o condecorou fazendo dele o chefe da Igreja. Só que tinha um problema. Pedro falou certo, mas pensava errado. Como todo mundo na época, Pedro pensava que o Messias seria um rei glorioso, vencedor e dominador. Mas não era este o figurino do Messias segundo o plano de Deus.

Jesus se empenha então em corrigir a ideia “mundana” do Messias. Afirma que está para subir a Jerusalém, não para tomar o poder, mas para dar a vida (v.21).

Pedro fica decepcionado, não consegue admitir que o Messias possa ser humilhado, e aproveitando-se do fato de ser mais velho que Jesus, toma Jesus à parte, para esclarecer-lhe um pouco as idéias e sugerir-lhe um messianismo político. Maldita hora! A reação de Jesus é violenta: “Afasta-te de mim, Satanás”! A mesma reação de Jesus na hora da tentação no deserto. Pedro ainda raciocina segundo a lógica humana e não segundo a lógica de Deus.

É fácil observar aqui o paralelismo com o Evangelho do domingo passado. Quando Pedro ouve a revelação do Pai, aceita o seu desígnio de salvação e professa a sua fé em Jesus, torna-se pedra viva da Igreja; quando, pelo contrário, segue a maneira de pensar dos homens, quando raciocina em termos de domínio, de poder, de força com a qual os inimigos terão que se haver, então se torna pedra que provoca o tropeço.

Esta primeira parte do Evangelho leva a repensar nos muitos séculos, desde Constantino (ano 313) em que a Igreja esteve unida ao poder civil e usufruía dos privilégios concedidos pelo Estado à estrutura eclesial. Inclusive desde o descobrimento do Brasil a Igreja era apadrinhada pelo Estado pelo sistema do padroado que só terminou com a proclamação da República (1889). Foi só a partir daí que a Igreja se tornou livre. Confundia-se o Reino de Deus com a riqueza e o esplendor da Igreja.

A segunda parte do Evangelho fala de seguimento e discipulado: duas palavras que infelizmente foram esquecidas na espiritualidade cristã. Jesus nunca pediu adoração, mas sempre e precisamente seguimento.

Como primeira condição para seguir Jesus é deixar de pensar em si mesmo. É levar uma vida descentrada como a que levou Jesus. Não havia nele nenhum indício de egoísmo. Foi uma vida para os outros. É um ideal de vida que promove a realização humana. Como é bonito o noivo dizer à sua noiva: a partir de hoje você é o meu centro, esta promessa deveria continuar durante o casamento.  Acontece, porém, que a evolução humana ainda está muito atrasada, ainda não nos libertamos dos instintos egoístas herdados dos nossos ancestrais: não nascemos amorosos, mas egoístas: é o que se pode chamar de “pecado original”. Não é culpa de um Adão simbólico que teria passado esta culpa aos seus descendentes. Quem castigaria um filho pela culpa de seu pai?

 É culpa da evolução como um todo. É um processo muito lento com avanços e recuos.

Em Jesus a evolução humana chegou ao seu fim. Quando todos os homens forem como Jesus, o Reino de Deus terá acontecido na terra. Levando-se em consideração a duração do fenômeno humano (cerca de três milhões de anos) a encarnação foi “ ontem”...

A segunda condição para ser discípulo: “tome a sua cruz” (v.20) não quer dizer que o discípulo deve suportar com paciência as “cruzes” da vida: dores, doenças, desgraças.

A cruz é a meta de todo o caminho de Jesus, é a expressão máxima do seu amor. Não foi vontade de Jesus nem de Deus Pai. Foi obra dos homens. Foi a vingança máxima contra a oposição máxima de Jesus aos poderes de morte que oprimiam o povo. “Tomar a cruz” é ser fiel aos mesmos ideais que nortearam a vida de Jesus.

Nos versículos seguintes (vv.25-27) são apresentados três motivos que justificam as duas condições difíceis que Jesus há pouco apresentou.

Primeiro: quem doa a própria vida, na realidade não a perde, mas a ganha (v. 25). É como o agricultor que renuncia à sua semente jogando-a na terra. Vai recuperá-la com vantagem.

Segundo motivo (v.26): A vida deste mundo passa depressa, é transitória, frágil, precária. Não vale a pena agarrar-se a ela desesperadamente.

O terceiro motivo (v.27): a recompensa final; O que poderá levar consigo o homem no fim da sua vida? A única coisa que lhe restará será o amor que tiver sabido dar. É um péssimo negócio gastar a própria vida para acumular bens deste mundo.

 


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