DISCERNIMENTO E OPÇÃO
PELO REINO DE JUSTIÇA
Primeira leitura (1Rs 3,5.7-12)
A primeira leitura exalta a figura do
rei Salomão. Mas sua ascensão ao poder foi muito conturbada. Por direito,
Adonias, o filho mais velho de Davi, deveria ser o rei. Mas houve um
“cambalacho” por obra de Betsabéia, aquela com quem Davi havia pecado, e o
profeta Natã (!!!), o que resultou na posse de Salomão. É que Salomão era o
xodó de Betsabéia... E o pior é que Salomão matou seu irmão Adonias. Coisa feia
(cf. 1Rs 2,24-25)... O povo falava: onde já se viu: um filho
ilegítimo ocupar o trono...Ao que o pessoal da corte retrucava: Se o governo de
Salomão está sendo um sucesso é porque Deus está com ele... chamar isto de
“Palavra do Senhor” é uma blasfêmia! A palavra certa é ideologia
política.
Ao subir ao trono, Salomão, pelo que se
diz, teria feito uma oração que agradou a Deus: não pediu riqueza, nem saúde,
nem vitória sobre os inimigos (v.11), mas “um coração dócil para poder praticar
a justiça em favor do seu povo e para saber distinguir o bem do
mal”. Belas palavras, como diria Millôr Fernandes: “Palavras são
palavras, nada mais que palavras”... Na verdade, Salomão com o seu harém de 800
mulheres e sua corte nadavam no luxo, e o povo tinha que sustentá-los. Cada mês
uma tribo era responsável pelos gastos da corte; já não era o rei que servia o
povo, mas o povo que servia o rei (O mesmo acontece hoje no Brasil: o povo tem
que pagar as mordomias dos políticos que não estão nem aí com o povo).
Enquanto isso, crescia a
inconfidência (sobretudo entre as tribos do norte) que vai estourar quando da
morte de Salomão. E Israel vai se dividir entre as dez tribos do norte (Reino
de Israel) e as duas tribos do Sul (Reino de Judá).
Com Salomão começou a perversão
do poder. As intenções iniciais do rei até podiam ser boas, mas ele não foi
capaz de promover o bem do povo, a justiça e a paz, porque a febre do poder
tomou conta dele. E se hoje amargamos a catástrofe nacional é porque o vírus
salomônico se tornou epidemia.
Segunda leitura (Rm 8,28-30)
As primeiras palavras da leitura soam
confortadoras: “todas as coisas contribuem para o bem daqueles que amam a Deus”
mesmo as coisas negativas: guerras, calamidades naturais, pecados... Deus
engloba tudo: as causas naturais e a liberdade humana e as encaminha para o
bem.
A segunda parte da leitura nos deixa um
tanto perplexos: existe antes de tudo a predestinação eterna por
parte de Deus; depois o chamado através da pregação do
evangelho; a justificação através do Batismo; e por fim
a glorificação quando se manifestará a nova condição dos
filhos de Deus.
O que significa a predestinação?
Que Deus escolhe somente alguns e rejeita os demais? Não! Quer dizer que antes
de serem chamados à salvação, os homens (todos os homens) são objeto de um amor
de Deus. Naturalmente somente uma parte deles poderá conhecer o Evangelho de
Cristo e chegar ao Batismo, mas Deus quer que também os demais se salvem (1Tm 2,4).
Lembro, por acaso, o que disse uma famosa filósofa Edith Stein
(canonizada por João Paulo II), uma judia convertida ao catolicismo, morta
num campo de extermínio nazista: “Todos os que procuram sinceramente a verdade
estão no caminho de Cristo” (membros de outras religiões, agnósticos,
ateus...).
Evangelho (Mt 13,44-52)
As duas parábolas gêmeas do tesouro
escondido e da pérola de grande valor focalizam o
tema da opção radical pelo reino da justiça, diante do qual vale a pena se
desembaraçar de tudo para possuí-lo.
A descoberta do tesouro é fruto do
acaso, é sorte: o reino de justiça é dom gratuito, manifestado na prática de
Jesus. A este achado correspondem alegria e desprendimento total.
No tempo de Jesus se contavam muitas
histórias sobre tesouros escondidos nos campos. É que antigamente havia muitas
guerras, invasões de tribos e de povos estrangeiros, e os habitantes, para se
salvar, fugiam às pressas e enterravam na sua propriedade coisas que não podiam
levar, na esperança de um dia poder voltar e recuperar o material enterrado.
Acontecia, porém, que geralmente não voltavam. Outros tomavam conta da terra e,
casualmente, encontravam um tesouro. Muito espertos, se desfaziam de tudo para
comprar aquela gleba.
A parábola da pérola preciosa contém o
mesmo ensinamento. Vale lembrar que, para os povos orientais, as pérolas eram a
coisa mais preciosa do mundo. À diferença do tesouro que é descoberto por
sorte, a pérola é fruto de busca por parte do comprador. Juntando as duas
parábolas resulta que o Reino de Deus é dom de Deus e também tarefa de busca.
Jesus ensina: quem descobriu o valor da
mensagem evangélica, encontrou um tesouro. Se realmente estiver convencido,
deve estar disposto a renunciar a tudo o que impeça a adesão a esta mensagem.
Os vizinhos que nada sabem do tesouro podem até pensar que tal pessoa perdeu o
juízo. Ele, porém, está muito consciente da escolha que está fazendo; sabe que
se trata de negócio decisivo para sua vida.
Algo semelhante acontece hoje em
dia: conversões acontecem: pessoas que levavam vida mundana
metidas em corrupção, bebedeiras, drogas, prostituição etc. de repente mudam de
vida, talvez após um retiro de conversão, ou uma experiência-limite (morte,
acidente) e resolvem levar uma vida decente, para o espanto de seus antigos
companheiros de farra... ”Quem te viu, quem de vê...”
As parábolas falam também da urgência
que se deve ter para tomar determinadas decisões. Há oportunidades que
são únicas na vida. A decisão pelo Reino de Deus não pode ser prorrogada.
O terceiro ensinamento é a alegria. Por
certo não encontramos ninguém que tenha descoberto um tesouro ou ganho na
loteria e ande por aí de cara amarrada. Quem analisou cuidadosamente o negócio
que está para fazer, mesmo tendo que vender os seus bens, sorri, brinca com
todos, sente-se feliz.
Acertamos também nós o golpe de sorte
em nossa vida? Jesus nos responde: a sorte vocês já encontraram quando
descobriram a mensagem do Evangelho, o maior de todos os tesouros, a mais
preciosa das pérolas.
A terceira parábola, a tarrafa
que apanha qualquer espécie de peixes, bons e ruins, contém o mesmo
ensinamento da parábola do trigo e do joio, do domingo passado.
Um piscicultor tem no seu tanque
diversos tipos de peixes: tucunarés, tilápias, piabas, traíras, mas também
saguirus, carás, mandis e vira-morros que crescem juntos. Ao jogar a tarrafa
ele vai escolher: aproveita os primeiros e despreza os outros.
No mundo, na Igreja, em cada um de nós
continuam coexistindo forças opostas. A comunidade cristã não pode selecionar
os homens, manter os bons e expulsar os maus. Seria uma atitude muito radical.
Linda a mensagem sobre a alegria do Evangelho!
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