JESUS, MESTRE DA JUSTIÇA, REI E MESSIAS
Primeira leitura (Is 50, 4-7)
Estamos diante de um texto do
segundo livro de Isaías (O livro de Isaías consta de três partes: caps. 1-40;
40-55; 56-66; de três autores diferentes mas da mesma “Escola”) que profetizou
durante o cativeiro na Babilônia (587-538 a.C.). O texto de hoje é chamado de
“terceiro canto do Servo de Javé” (ao todo são 4 cantos). O “Servo” foi enviado
por Deus para anunciar uma palavra de consolação (v.4). Sabe falar bem (v.4),
tem um caráter forte, não se deixa amedrontar; não se abate diante das
dificuldades, sabe ouvir e meditar a palavra de Deus (v.5), mas sofrerá
forte oposição.
É um personagem misterioso. Há diversas
interpretações que não vem ao caso elencar.Segundo alguns biblistas seria
uma alusão ao futuro messias. Os judeus nunca aceitaram esta interpretação. Mas
os primeiros cristãos, desconcertados com a morte cruel e vergonhosa de Jesus,
condenado inclusive pela religião oficial, se perguntavam como pode um
crucificado ser o messias (= libertador). Então, vasculhando a bíblia,
encontraram em Isaías a resposta que procuravam: o sofrimento e a morte do
messias estavam previstas na biblia, portanto, eram a vontade de Deus.
Era uma solução fácil, mas ambígua,
porque tornava Deus responsável pelo sofrimento: a cruz e a morte de Jesus
seriam vontade de Deus. A partir daí desenvolveu-se uma teologia dolorista como
se Deus gostasse do sofrimento, o que não é verdade. Nem Jesus queria o
sofrimento e a cruz (“Pai, afasta de mim este cálice...) nem o Pai. Desculpem
as palavras fortes: nem Deus é sádico, nem Jesus masoquista. Será que Deus
precisava ver correr sangue inocente para então perdoar? Este não seria o Deus
de Jesus, pai misericordioso, mas um ídolo. Jesus lutou pela justiça, pela
verdade, a fraternidade, enfim ,pelo Reino de Deus: uma sociedade do jeito que
Deus quer. Esta sim, era a vontade de Deus. O sofrimento infligido a Jesus e
sobretudo a cruz, foram obra humana.Que os homens criem vergonha e assumam este
crime. E o pior é que, mesmo cristãos, continuam “crucificando” justos.
Então, para venerar a cruz e o
crucificado, como fazemos na semana santa, não basta beijar a cruz e o Senhor
Morto, mas é preciso fazer alguma coisa para tirar os crucificados da cruz e
impedir que outros sejam crucificados. Infelizmente a cruz passou a ser
mero símbolo cultural e até mesmo um enfeite (brincos...)
O “Servo de Javé” é um personagem
simbólico que existiu, existe e existirá: é todo homem que quer anunciar e
praticar a justiça: será perseguido. Infelizmente é esta a lei da
história.
Segunda leitura (Fl 2,6-11)
Paulo gostava muito da comunidade de
Filipos. Era a primeira comunidade cristã da Europa e tinha como líder
uma mulher: Lídia. Embora fosse uma comunidade fervorosa, havia assim
mesmo um problema de inveja entre os cristãos.
Paulo então escreve uma carta à
comunidade recomendando humildade e altruísmo: “que ninguém procure o próprio
interesse, mas antes o dos outros” (2,3-4), e cita como exemplo a pessoa de
Jesus conforme consta num hino muito bonito: Fl 2,6-11 onde se diz que
Jesus já existia em forma divina antes de fazer-se homem; com a encarnação pôs
de lado a sua grandeza divina e apareceu diante dos nossos olhos na humildade e
na fraqueza do homem, fazendo-se obediente até a morte... Por isso Deus o
exaltou e lhe deu um nome que está acima de todo nome: “Senhor”.
É oportuno lembrar aqui uma verdade
fundamental: Jesus nos salvou pela obediência e não pelo sofrimento. O
sofrimento é o verso da medalha. É algo de negativo...
EVANGELHO (Mt 26,14—27,66)
5 ou 6 anos após a morte de Jesus
circulava entre os primeiros cristãos uma espécie de “apostila” contendo
uma narrativa da paixão de Jesus, de autoria do evangelista Marcos. Os outros
evangelistas retomaram a narrativa e, para deixá-la mais apropriada para a
catequese das suas comunidades, fizeram adaptações e acréscimos.
O primeiro Evangelho é o de
Marcos,datado do ano 70. Lucas e Mateus, da década de oitenta e o de João, dos
anos noventa. Antes de serem escritos, as palavras e os acontecimentos da vida
de Jesus corriam de boca em boca... Assim sendo, não são propriamente
biografias de Jesus. São, antes, expressão da pregação da Igreja.
Os evangelistas misturam história e
interpretação. Como não presenciaram a paixão, recorreram a textos do AT para
descrever os sofrimentos, morte e ressurreição de Jesus, sobretudo, Is 50—53;
Sls 21 e 68; fizeram o que nós chamamos “bricolagem”.
Neste ano a Liturgia nos propõe a
Paixão segundo Mateus. Vamos destacar aqui os elementos que são
exclusivos deste evangelista.
- Mateus, mais do que os outros evangelistas, insiste em toda a sua
narração que tudo aconteceu como foi previsto pelos profetas. Por exemplo,
26,24: “O Filho do Homem vai, como dele está escrito”. Ou 26,56: “Tudo
isto acontece para que se cumpram as Escrituras dos profetas”. É que
Mateus escreve para judeus, e estes esperavam por um Messias vencedor, um
dominador grande e poderoso, um rei superior a todos os soberanos deste
mundo. A eles Mateus diz que as profecias anunciavam um Messias humilhado,
perseguido e morto, para ser o companheiro de todo homem sofredor e
oprimido (alusão ao “Servo de Javé”)
- O segundo ensinamento típico de Mateus é o seu repúdio à violência
e ao uso de armas. De fato Mateus é o único evangelista que refere as
palavras de Jesus a Pedro: “Guarda a espada na bainha, porque todos
aqueles que usam a espada, perecerão pela espada (26,52). Tertuliano, um
cristão famoso dos primeiros séculos, fazia este comentário: “Desarmando
Pedro, Jesus tirou as armas das mãos de todos os soldados”. Violência gera
violência; é a grande lição da história. Já a resistência pacifica é a
maior força dos pobres.
- Um terceiro detalhe que Mateus sublinha é que o antigo Israel
continua no novo povo de Deus.
Há dois fatos narrados somente por ele: o sonho da
mulher de Pilatos e o gesto de Pilatos de lavar as mãos (27,19.24).
São dois detalhes que indicam a responsabilidade
que o seu povo assumiu em relação à morte de Jesus. Mateus lembra ainda a
frase: “O seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos”(27,25). Esta
expressão, infelizmente, foi muitas vezes mal interpretada e induziu a própria
Igreja a odiar e perseguir os judeus (cf. as Cruzadas e a
Inquisição...).Tratou-se de um equívoco trágico. As palavras referidas por
Mateus querem somente alertar todos os homens (e, portanto,também nós ) contra
o perigo de não reconhecer ou até de condenar o Messias. Nós também hoje o
encontramos: no pobre, no necessitado, no doente, em cada ser humano que
precisa de nossa ajuda e que nós podemos não reconhecer, podemos condená-lo ou
não opor-nos a quem o condena.
Quando não defendemos a pessoa
injustamente acusada ou maltratada, quando consentimos em qualquer forma de
violência contra o ser humano, fazemos cair sobre nós e sobre nossos filhos o
sangue de Cristo.
Somente Mateus narra os fatos
extraordinários que ocorreram com a morte de Jesus: “A terra tremeu, as rochas
se quebraram, os mortos ressuscitaram...” (Mt 27,51-56). Naquele tempo o povo
pensava que o mundo estava “perdido” e todos esperavam o surgimento de um mundo
novo. Dizia-se que, no momento da passagem entre as duas épocas da humanidade,
o sol teria se escurecido, as árvores teriam vertido sangue, e os mortos teriam
ressuscitado...
O que Mateus narra, portanto, não deve
ser interpretado como informação de um cronista, mas como a afirmação de um
teólogo que reconhece que, na hora da morte de Jesus, surgiu um mundo novo.
Um outro episódio nos é narrado somente
por Mateus: a morte de Judas (27,3-10). Este discípulo é o símbolo de
todos aqueles que por um certo tempo seguem o Mestre, mas depois, dando-se
conta de que ele não realiza o seu sonho de glória e a sua sede de domínio e
poder, o abandonam e o traem.
Por fim, somente Mateus nos fala dos
guardas no sepulcro (27,62-66). Constituem-se em sinal do triunfo do mal. O
justo parece definitivamente vencido, o libertador reduzido ao silêncio, está
encerrado definitivamente no túmulo. Deus, porém, vai intervir para provar que
aquilo que para os homens é uma derrota, para ele é uma vitória.
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