Décimo Quarto Domingo Comum – Ano C




OS CRISTÃOS E O ANÚNCIO DO REINO

Primeira leitura (Is 66,10=14c)
Mudou alguma coisa no mundo após tantos anos de pregação do evangelho? Observando o mundo em que vivemos constatamos que estamos envolvidos em violências, injustiças e sofrimentos. 50 anos após a morte e ressurreição de Jesus alguns se perguntavam “onde está a promessa de sua vinda? Desde que nossos pais morreram, tudo continua como desde o princípio do mundo” (2Pd 3,4). É possível que as próprias palavras de Jesus: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste”? se refiram ao desencanto de Jesus pela não vinda do Reino de Deus. Mc 9,2: “Eu vos asseguro que alguns dos aqui presentes não sofrerão a morte antes de ver chegar o Reino de Deus com poder”. Sabemos que Jesus não queria propriamente fundar uma Igreja mas instaurar o Reino de Deus: uma sociedade como Deus queria: sociedade igualitária onde todo homem vivesse sua verdadeira identidade como imagem de Deus. Isto não aconteceu até hoje.
O Criador entregou o mundo nas mãos do homem para que ele o cultivasse como jardineiro (Gn 2,15). Infelizmente nem o projeto do Criador nem o de Jesus se realizaram. É oportuno lembrar que Deus viu que a sua obra era boa. “E que Deus viu tudo que havia feito: e era muito bom” (Gn 1,31). Jesus, ´por sua vez não veio para modificar a criação.  Dizia Agostinho: o homem sem Deus não é, Deus sem o homem não pode. Tudo o que acontece neste mundo tem a sua causalidade natural ou a liberdade humana. Tanto uma como outra são autônomas. Cabe ao homem levar adiante a evolução.
Mas não sejamos pessimistas: nestes dois mil anos já aconteceu muita coisa boa: quantas obras de misericórdia, quanta santidade, quanto perdão em nome de Jesus. Não nos deixemos enganar pelos noticiários interessados em escândalos: a maioria das pessoas é gente decente, solidária, fraterna. Quantos homens e mulheres santos: são milhões embora não canonizados ou milagreiros.  Há muitos sinais do Reino de Deus: cristãos católicos, evangélicos, budistas etc. que buscam viver corretamente.  Dois mil anos de cristianismo não é nada em comparação com a duração milionária da vida humana na terra. Cfr. O livro de Thomas E. Woods Jr. “Como a Igreja católica construiu a civilização ocidental”)

Segunda leitura (Gl 6,14-18)
Entre os gálatas havia os que se gabavam de ter na sua carne o sinal da circuncisão, o que para Paulo não valia nada. Jesus não carregava nenhum distintivo. O que o distinguiu de todos os outros homens foi a cruz, isto é, a doação de si mesmo, feita com amor. Também os seus discípulos (como Paulo) serão reconhecidos pela cruz. Serão cristãos se souberem, como o Mestre, oferecer a própria vida pelo próximo.

Evangelho (Lc 10,1-12.16-20)
O evangelho fala do plano de evangelização concebido por Jesus: “depois disso O Senhor designou ainda setenta e dois discípulos e mandou-os, dois a dois, adiante de si, por todas as cidades e lugares para onde ele tinha de ir” (v.1).
O nº 72 é com certeza simbólico. Os antigos pensavam que o nº de povos era 72. Lucas com certeza quer dizer que o evangelho não está reservado aos israelitas, mas se destina a todos os povos, independente de raças, culturas costumes, usos. Todos merecem ouvir o evangelho. Os 72 são enviados dois a dois, para indicar que o anúncio do evangelho não é deixado à livre iniciativa dos indivíduos, mas é obra da comunidade.
O objetivo do envio: preparar as cidades e os povoados para a vinda do Senhor. É preciso que as pessoas estejam preparadas para acolher o Senhor.
Os discípulos devem preparar-se para a missão: “Rogai ao Senhor da messe”. A oração não tem a finalidade de convencer Deus a enviar operários para o campo: a oração transforma o apóstolo, transmitindo-lhe serenidade e paz interior, permite-lhe enxergar na ótica certa a missão a ser cumprida.
v.3-4 falam do equipamento leve dos mensageiros. O lobo é o símbolo da violência e da arrogância. O cordeiro simboliza a mansidão, a fraqueza, a fragilidade; este animal só consegue salvar-se da agressão do lobo se o pastor intervém na sua defesa. Os rabinos afirmavam que o povo de Israel era como um cordeiro cercado por 72 lobos. Jesus aplica esta comparação aos discípulos sugerindo que em seu coração não surjam os sentimentos dos lobos: a raiva, a ganância, o ressentimento, a vontade de dominar e de corromper os outros.
Em sintonia com a imagem do cordeiro fraco e indefeso está a escolha dos meios para cumprir a missão. Não devem levar nem bolsa, nem mochila, nem calçado. Para poder impor-se, um partido político precisa de recursos poderosos: dinheiro, armas, apoio e pessoas influentes. O apóstolo deve resistir à tentação de utilizar estes mesmos meios para difundir o evangelho e para construir o reino de Deus.
v.5-8: Uma vida austera para conquistar credibilidade e palavras adequadas: nada de exigências e obrigações. O discípulo deve se apresentar assim: Vim para trazer-te a paz, a paz para ti, para tua família, para tua casa. Este sim é um anúncio que traz conforto, admiração, interesse, esperança e alegria.
v.9: Os sinais do Reino. As palavras devem ser acompanhadas de gestos concretos de caridade: o desvelo pelos doentes, a assistência aos ´pobres...
VV.10-12: O cristão propõe, não impõe. O evangelho pode ser aceito, mas também rejeitado. Diante da recusa os missionários sacudam o pó dos seus pés...
Estas palavras são duras de entender e mais duras ainda de aceitar. Se tomadas ao pé da letra estão em contradição com todos os demais ensinamentos do evangelho. Basta pensar na reação dura de Jesus em relação a Tiago e João, que queriam invocar fogo do céu contra os samaritanos.
Deus nunca fica irado, não se vinga, não castiga quem não segue suas prescrições. Ele só tem bondade e misericórdia e ama sempre a todos, justos e pecadores. Jesus emprega a linguagem e as imagens do seu tempo. Fala de castigos de Deus para indicar as consequências desastrosas provocadas pela recusa do Evangelho. Quem não aceita Cristo arruína sua própria vida.
vv.17-19: ao terminar a missão, os 72 voltam contentes e relatam a Jesus os resultados obtidos. Jesus responde: “Vi Satanás cair do céu como um raio”. Quando a bíblia fala de satanás não se refere àquele monstro chifrudo e com forcado. Refere-se, sim, às forças do mal (ódio, violência e injustiça...)  e anuncia a vitória irresistível do bem. Continua m seguida: “Eis que vos dei poder para pisar serpentes, escorpiões e todo o poder do inimigo. Nada vos poderá prejudicar. Como satanás, a serpente e o escorpião são símbolos do mal que não devem ser tomados ao pé da letra.
Estas palavras parecem prometer uma vitória fácil. Mas basta olhar o mundo que nos cerca para se convencer que não é assim. Mas a promessa de Deus é que afinal o algoz não vai triunfar sobre a vítima.

Comentários

  1. "Dizia Agostinho: o homem sem Deus não é, Deus sem o homem não pode. Tudo o que acontece neste mundo tem a sua causalidade natural ou a liberdade humana. Tanto uma como outra são autônomas. Cabe ao homem levar adiante a evolução."
    ......Penso que estamos bastante perdidos na "evolução"...
    'Pensamos demasiadamente e sentimos muito pouco. Necessitamos mais de humildade que de máquinas. Mais de bondade e ternura que de inteligência. Sem isso, a vida se tornará violenta e tudo se perderá.' (Chaplin)

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