O NASCIMENTO DA IGREJA
Primeira leitura (At 2,1-11)
Segundo Lucas, a descida do Espírito Santo no dia
de Pentecostes aconteceu em meio a fenômenos extraordinários que, se tomados ao
pé da letra, podem nos desviar do principal. Tentemos entender o simbolismo e
as figuras usadas.
Antes de mais nada, é preciso observar
que Lucas coloca a vinda do Espírito Santo no dia de Pentecostes, enquanto
João, no evangelho de hoje nos diz que Jesus comunicou o Espírito aos
apóstolos, no mesmo dia da ressurreição (Jo. 20,22).
Na verdade, os dois dizem a mesma coisa
em linguagens diferentes. Vamos dizer as coisas como são: o mistério pascal é
único: Morte, Ressurreição, Ascensão e dom do Espírito Santo com certeza
aconteceram simultaneamente. Jesus deu o seu Espírito no mesmo instante em que
entrou na glória do Pai, isto é, no instante de sua morte, como nos diz João
(19,30).
Para ajudar a entender este único,
sublime e inefável mistério, os autores do NT tiveram a ideia de decompô-lo e
apresentá-lo a nós em seus múltiplos aspectos. João colocou a efusão do
Espírito no dia da Páscoa, para mostrar que o Espírito é um dom do
Ressuscitado. Mas porque João a coloca no dia de Pentecostes?
A razão é a seguinte: Pentecostes era
uma festa judaica em que se celebrava o dom da Lei (os dez mandamentos)
recebido no monte Sinai em meio a fenômenos extraordinários.
Afirmando que o Espírito descera sobre
os discípulos, justamente no dia de Pentecostes, Lucas quer ensinar-nos uma só
coisa: que o Espírito havia substituído a antiga lei e que se
transformara na nova lei para o cristão. Isto significa que quando o
Espírito é acolhido, ele transforma a pessoa e lhe dá um coração novo de modo
que ela tende a fazer espontaneamente o que determinam os dez
mandamentos. A partir daquele momento a pessoa “não precisa mais que alguém a
ensine (1Jo 2,27).
Os rabinos diziam também que no Sinai,
cinquenta dias após a saída do Egito, quando Deus deu a Lei, as suas palavras
tinham tomado a forma de setenta línguas de fogo, para indicar que esta lei se
destinava a todos os povos (pensava-se naquele tempo que fossem exatamente
setenta).
E os trovões, o vento, o fogo? São os fenômenos que
acompanharam a entrega da Lei Antiga no monte Sinai (cf. Ex 19,16; 20,18). Por
isso Lucas diz que a Nova Lei, o Espírito, foi dado em meio a fenômenos
semelhantes.
E as várias línguas faladas
pelos apóstolos? Provavelmente Lucas evoca aqui um fenômeno comum na Igreja
primitiva: após receberem o Espírito os crentes começavam a louvar a Deus em
estado de exaltação, e quase em êxtase pronunciavam palavras estranhas em
outras línguas.
Lucas usou este fenômeno num sentido
simbólico para ensinar o universalismo da Igreja.
Segunda Leitura (1Cor. 12,3b-7.12s)
Havia problemas de convivência na
comunidade de Corinto: invejas e ciúmes entre os membros da comunidade. Os que
tinham boas qualidades (eram inteligentes, fortes, tinham boa saúde, haviam
estudado), ao invés de colocarem seus dons a serviço da comunidade, com
humildade, exigiam respeito, julgavam-se superiores aos outros, queriam ocupar
os primeiros lugares.
Os cristãos de Corinto não eram
melhores do que os cristãos de hoje.
Paulo escreve aos cristãos de Corinto
que os muitos dons, as muitas qualidades que cada um tem não foram concedidos
para criar divisões, mas para manifestar a unidade: “ A cada um é proporcionada
uma manifestação do Espírito, para utilidade comum” (v.7). Porque a origem de
todos estes dons é uma só: o Espírito Santo.
Para melhor conseguir convencer
os cristãos para a unidade e a colaboração recíproca, Paulo utiliza a
comparação do corpo. Há muitos membros, todos são importantes para a harmonia
de todo o organismo. Assim acontece com os diversos dons que enriquecem cada
membro da comunidade: servem para que cada um possa manifestar aos outros o seu
amor, mediante a humilde prestação de serviço.
Evangelho (Jo. 20,19-23)
O evangelho de hoje nos narra o
primeiro encontro de Jesus ressuscitado com os seus discípulos. João diz que
foi justamente neste primeiro encontro que Jesus comunicou a eles o seu
Espírito, mediante o gesto de soprar sobre eles.
No povo de Israel estava muito
difundida a ideia de que os homens se comportavam mal porque eram dominados por
algum espírito mau e se perguntavam quando esta triste situação iria acabar.
É preciso reconhecer que também nós
fazemos uma experiência semelhante: estamos divididos. Além dos desejos do bem
há também em nós forças que nos empurram para o mal: para a intemperança, o hedonismo,
a ganância, a corrupção, a vingança, o ódio, o egoísmo... O próprio apóstolo
Paulo confessa sofrer com esta divisão interior: “Nem eu mesmo consigo entender
o que faço: ... há em mim o desejo do bem, mas não a capacidade de executá-lo;
de fato eu faço não o bem que quero, mas o mal que não quero” (Rm. 7,15-19).
É preciso uma mudança interior que será
operada pelo Espírito que, segundo a mensagem da primeira leitura, é a lei
interior que levará o batizado a preferir espontaneamente o bem e
detestar o mal. Mas não se trata de uma força cega que produzirá uma mudança
mágica. É preciso ser acolhida pela pessoa, o que também não acontece de uma
vez só. É antes um processo que empenhará a liberdade humana durante toda a
vida. É como uma semente ou um embrião que já contém em si todo o
indivíduo adulto, mas ela precisa eclodir, se desenvolver, ser protegida e
cuidada. O mesmo acontece com o Espírito.
A relação Deus-homem não é de mão
única, mas de mão dupla, é sempre Deus ativo e o homem ativo. A graça de Deus é
ao mesmo tempo dom e tarefa. Tarefa porque o homem
é livre e autônomo. Como dizia Sto. Agostinho: O homem sem Deus não é. Deus sem
o homem não pode.
Um grande teólogo, Karl Rahner, meu
professor em Roma, ao autografar um livro para mim, escreveu, referindo-se à
minha ordenação sacerdotal: “ O que se recebe como graça deve sempre de novo
ser assegurado pela fidelidade”.
A última fase do evangelho fala
da remissão dos pecados confiada à Igreja. A Igreja deve
perdoar sempre desde que haja arrependimento sincero.
Oi Padre José bom saber que continua sua missão de levar Deus às pessoas através do seu conhecimento que não é pouco. Com certeza estarei sempre por aqui aprendendo um pouco mais com o senhor. Parabéns por essa iniciativa.
ResponderExcluirParabéns também pelo seu jubileu queria ter estado lá, mas infelizmente não deu.
Mas fiquei aqui com o Coração em Redenção. Que Deus abençoe muito o senhor.