Décimo Quarto Domingo do Tempo Comum - Ano B



SER PROFETA É ENFRENTAR A REJEIÇÃO

Primeira leitura (Ez 2,2-5)
Grande parte da bíblia é composta por homens chamados profetas. São 16 ao todo. Ezequiel é um deles. Que tipo de gente são eles? Homens que tiveram uma experiência muito forte de Deus. Sentem-se impelidos a falar de Deus e de sua vontade. São os porta-vozes de Deus, seus advogados. “Não podemos nos calar...”
O profeta não é um anjo, não é um personagem dotado de poderes misteriosos, de forças sobre-humanas, é um simples homem, fraco, com todos os seus defeitos, suas fraquezas, seus pecados, mas encantado por Deus. Mas ao mesmo tempo um homem escolhido por Deus para cumprir uma missão que não consiste em fazer milagres, de prever o futuro, de realizar feitos extraordinários.
Os profetas bíblicos eram ao mesmo tempo místicos, homens de experiência de Deus e políticos, empenhados em construir o Reino de Deus, isto é, uma sociedade como Deus quer. Inspirados por Deus usam a fórmula: “Assim fala o Senhor...”  estão perfeitamente conscientes de que aquilo que anunciam não é deles, mas de Deus. Em nome de Deus participavam ativamente do processo político, chegando a derrubar reis.
Os profetas eram os defensores da Aliança e promotores da justiça, dos direitos humanos, defensores dos pobres e inimigos da corrupção.  Falavam o que os líderes precisavam ouvir e não o que queriam ouvir; por isso eram perseguidos ontem como hoje.
Houve e haverá muitos profetas e profetizas na história dentro e fora da Igreja. Todos os que se empenham com destemor pela justiça, pelos pobres e a favor dos direitos humanos merecem o título de profetas. Hoje poderíamos citar: Dom Oscar Romero, Dom Pedro Casaldáliga, Irmã Dorothe, Dom Helder Câmara, Dom Paulo Evaristo Arns, Papa Francisco e milhares de outros.

Segunda leitura (2 Cor 12,7-10).
Paulo teve que enfrentar muitas perseguições, adversidades e aflições.  Na carta aos gálatas fala de um “espinho na carne” (Gl 4,4) que lhe causava muito sofrimento. Há muita controvérsia m torno dessa expressão. Sou do parecer que se referia à inimizade do povo de Israel, que Paulo na carta aos Romanos chama de seus irmãos e consanguíneos. Era muito difícil para ele suportar por muito tempo essa oposição.
Acontece também hoje que pessoas envolvidas generosamente na pregação do evangelho, que dedicam gratuitamente tempo, energias à pregação, mas que por causa de invejas, de ciúmes, de incompatibilidade de gênio ou de ideias, se tornem alvo de críticas injustas, e às vezes até de autêntica perseguição por parte de seus próprios irmãos na fé.  Este é um espinho muito doloroso e Deus não o arranca. Ele não elimina milagrosamente as diferenças, mas comunica a força para superá-las. Ele não isenta o profeta da fraqueza da sua condição humana (doenças, cansaço, deficiências...) mas quer que através da fraqueza do instrumento se manifeste o seu poder.
Evangelho (Mc 6,1-6)
Este evangelho nos deixa um tanto intrigados.
No começo se afirma que os habitantes de Nazaré ficam tomados de admiração diante dos milagres realizados por Jesus (v.2).  Mas logo em seguida se diz que ficavam “perplexos”, isto é, escandalizados e incrédulos. No v. 5 se diz que Jesus não conseguia fazer milagres em Nazaré, porque ninguém dava nada por ele. E Jesus cita a seu favor a afirmação de que “um profeta só é desprezado em sua própria pátria”, ou como diz o povo “santo de casa não faz milagres”.
Outro elemento surpreendente: Jesus se desentende com os chefes políticos e religiosos de seu tempo: ridiculariza seus formalismos, denuncia a hipocrisia e condena sua dureza de coração. É que estes líderes achavam que sabiam tudo sobre Deus e que Jesus era um herege.
Além dos poderosos, também o povo estranha as atitudes e as palavras de Jesus. A catequese tradicional ensinava que Deus é um rei forte e poderoso, que retribui com bênçãos, boas colheitas e sorte na vida aos que lhe são fiéis, mas envia tribulações aos que transgridam seus mandamentos.  Enfim, um Deus intervencionista.
Todos tinham a certeza de que também o Messias, o esperado libertador, seria semelhante a esse Deus poderoso que expulsará os pagãos de Jerusalém. Será um guerreiro forte e valente como Davi, um rei sábio como Salomão, não um humilde artesão que durante 30 anos não fez outra coisa senão arrumar portas e janelas e fabricar enxadas e arados.
O equívoco das pessoas daquele tempo como o das pessoas de hoje é que Deus para realizar feitos extraordinários precisa daqueles instrumentos que as pessoas consideram indispensáveis.  Também nós ainda estamos atrelados a esta lógica da força e do poder.
Mas, por outro lado, ninguém podia negar que este carpinteiro fazia prodígios como os grandes homens de Deus do passado: cura leprosos, expulsava demônios, multiplicava o pão.  Além disso, a pregação de Jesus sobre Deus contrariava a religião tradicional, pois apresentava um Deus misericordioso, amigo dos publicanos e pecadores e não um Deus castigador.  Até sua mãe e seus irmãos estranharam a pregação de Jesus e queriam que ele voltasse para casa, pois pensavam que ele tinha perdido o juízo (Mc 3,21). Jesus, olhando em volta de si mostrou os que estavam escutando sua palavra e disse: “Eis a minha mãe e meus irmãos! Quem cumpre a palavra de Deus, este é meu irmão, minha irmã e minha mãe”! Jesus estava criando uma nova família, mais forte que os laços de sangue. É a família à qual nós batizados pertencemos.
Jesus era original, não se enquadrava em nenhuma estrutura social daquele tempo, nem mesmo da família que era uma estrutura muito forte e fechada.
Os seus familiares, como todos os habitantes e Nazaré, diante da proposta de entrar nessa nova família, num primeiro instante ficaram perplexos, depois respondem com uma recusa. Preferem permanecer aferrados às suas tradições.
Também para o cristão podem apesentar-se situações semelhantes. É preciso fazer o possível para evitar ruptura com as nossas tradições; os laços familiares certamente devem ser mantidos e cultivados. Entretanto, se estes laços impedirem de seguir a Cristo e manter a fidelidade ao seu evangelho, então é preciso ter a coragem de suportar até as dilacerações mais dolorosas para não trair o Mestre.

Comentários

  1. Bom dia Padre José! Muito boa explição. Obrigada

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  2. Bom dia Padre José Knob , lindíssima explicação... obrigada por compartilhar conosco tanta sabedoria.

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  3. Obrigado padre José, sábias palavras.

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