Quarto Domingo do Tempo Pascal – Ano B




O BOM PASTOR E OS PASTORES DO POVO

Primeira leitura (At 4,8-12)
Após a cura do homem cego de nascença (cfr. Domingo passado) Pedro fez um discurso que provocou a ira dos líderes judeus que perguntaram com que autoridade Pedro fazia estas coisas. Pedro respondeu: “Esta cura aconteceu em nome de Jesus que vocês crucificaram e que Deus ressuscitou dos mortos” (vv. 8-10).
 Citando o Salmo 118 Pedro comparou Jesus à pedra angular (fundamental) da construção, rejeitada pelos judeus, mas colocada por Deus como fundamental da nova construção. Pela sua grandeza de caráter Jesus enfrentou a rejeição da própria família (os judeus). Pode acontecer que os discípulos de Jesus tenham que enfrentar também hoje situações semelhantes: é doloroso sentir-se abandonado pelos amigos e condenado pelos próprios familiares.
Concluindo o seu discurso (v.12) Pedro afirma que Jesus não se limita a oferecer a salvação espiritual.  Jesus queria sim libertar o homem da escravidão do pecado que aliena e desumaniza, mas libertá-lo também da opressão religiosa exercida pela religião, da ignorância religiosa e da opressão política exercida pelos sacerdotes. A tradução da palavra “Messias” é precisamente “libertador”.  Esta é também a função dos pastores de hoje: empenhar-se pela salvação do homem todo e não serem apenas funcionários do sagrado, e alienar o povo. Em vez disso apresentar uma religião que liberta e humaniza.

Segunda leitura (Jo 3,1-2) 
Esta segunda leitura fala da vida de Deus, infundida no homem por Deus no dia do batismo. Esta vida produz sinais que, no entanto, não são percebidos pelos que não têm experiência de Deus.
A segunda parte da leitura nos lembra uma verdade confortadora: o Pai não espera o dia da nossa morte para comunicar-nos esta vida divina: ele nos transmite já agora, mas só se manifestará quando for afastado o véu que é constituído pela nossa vida terrena.

Evangelho (Jo 10,11-18)
No tempo de Jesus, “pastor” era uma figura comum porque o povo criava ovelhas e outro tipo de gado miúdo. Além disso, a tradição do Antigo Testamento citava como pastores: Abel, Moisés e sobretudo Davi que era pastor e foi chamado por Deus para ser o rei de Israel. O próprio Deus é comparado frequentemente a um pastor que guia, defende e alimenta o seu povo (Sl 80,2;23).
Quase todos os reis de Israel, porém, foram péssimos “pastores”. Em vez de apascentar as ovelhas, eles as exploraram, dispersaram e mataram (Ez 34). Daí a nostalgia por um verdadeiro pastor.
Mateus e Lucas apresentam uma imagem de pastor bondoso, meigo e carinhoso. Já o “Bom Pastor” apresentado por João é bem diferente. Para João, pastor não é aquele que acaricia suavemente a pequena ovelha ferida, mas é o lutador que, ao preço da própria vida, enfrenta todos os que colocam em perigo o seu rebanho.
Evoca-se, neste ponto, não o salmo “em verdes pastagens me leva a descansar (Sl 23,2), mas sim a figura de Davi que, quando jovem, enfrentava o leão e o urso que devoravam uma das suas ovelhas: perseguia-os, matava-os e arrancava a presa das suas garras (1Sm 17,34-35).  É esta característica de pastor que é usada neste domingo para identificar Jesus.
1.O trecho começa com a afirmação de Jesus: “Eu sou o Bom Pastor”. “O bom pastor é aquele que oferece sua própria vida pelas ovelhas” (v.11). “Bom” não significa aqui doce, suave, mas “o verdadeiro”, “o autêntico”, “o corajoso”, disposto a sacrificar por elas a sua própria vida.
Para qualificar melhor o pastor, o trecho o contrapõe ao mercenário, um empregado que trabalhava como assalariado. Pela legislação da época o mercenário era obrigado a enfrentar um lobo, dois cachorros, um bicho de pequeno porte, mas podia fugir diante de um leão, de um leopardo, de uma cobra, de um urso ou de um ladrão. O contrato do mercenário não o obrigava a pôr em perigo a sua vida pelas ovelhas.
O mercenário se atém às condições estipuladas em contrato. Já o pastor segue outra lei, a lei do amor que não conhece limites, que não se detém diante de qualquer obstáculo, de qualquer perigo, de qualquer sacrifício.
Aplicando a parábola à nossa vida perguntemo-nos: nossas atitudes em relação a Deus e ao próximo são próprias de mercenários ou de pastores? Nossa religiosidade é movida pelo medo e o interesse ou pela gratuidade. Einstein dizia: “Se somos religiosos ou por medo ou por interesse, somos uns pobres coitados”.  Quem age somente para manter-se fiel a uma lei, para ter uma recompensa, ou para não ser punido, quem se restringe aos limites mínimos, ainda não entendeu o que seja o amor.
2. A primeira parte do evangelho de hoje esclarece o que significa para Jesus e para os seus discípulos viver como “verdadeiros pastores”. A segunda parte (vv.14-16) retoma a afirmação de Jesus: “Eu sou o verdadeiro pastor” e especifica quem são os que fazem parte do rebanho. Não se trata de um grupo de eleitos, mas de todos os homens. Mesmo aqueles que ainda não conseguiram reconhecer a sua voz um dia a seguirão, “até que haja um só rebanho e um só pastor” (v.16). O zelo dos discípulos de Cristo, portanto, deve ser estendido a todos os homens, para que todos possam fazer a experiência da salvação.
3. A última parte (vv.17-18) analisa em profundidade o tema da liberdade. Não há verdadeiro amor se não houver liberdade. A imposição e o medo nunca redundam em amor verdadeiro. Jesus mostrou o seu amor, porque se doou livremente: “Ninguém a tira de mim, mas eu a dou de mim mesmo e tenho o poder de a dar, como tenho o poder de a reassumir” (v.18).
Estas palavras significam que o único meio que o homem tem para “retomar” a sua vida, isto é, de recuperá-la depois da morte, é o de doá-la.
Neste ponto, porém, poderia infiltrar-se uma jogada esperta: eu faço a doação da minha vida aqui, neste mundo fugaz, caduco e mesquinho, para recuperá-la, multiplicada por 100, no outro. Este raciocínio é semelhante ao de quem joga na loteria: se eu perder, não perco muita coisa..., mas se ganhar... Trata-se de uma religião egoísta, esperta, interesseira, inventada pelo homem que não tem nenhum valor perante Deus.  Não se serve ao próximo para conseguir um lugar mais elevado no céu. O gesto do discípulo que doa a própria vida deve ser, não somente livre, mas totalmente desinteressado, como o do mestre.

Comentários

  1. ..."Nossa religiosidade é movida pelo medo e o interesse ou pela gratuidade" Einstein dizia: 'Se somos religiosos ou por medo ou por interesse, somos uns pobres coitados'. Hoje consigo responder a esta pergunta com um pouco mais de segurança... Já fui esta pobre coitada dita por Einstein, hoje não mais...hoje é GRATUIDADE pura. Pela minha santa ignorância, já rezei mto por interesse sim, hoje, não mais. Acho que o senhor me fez crescer um pouco. Me falta mto ainda, mas acho que estou no caminho. Claro que temos nossos momentos de inseguranças, complicados as vezes, nestes momentos, converso com Deus, e já percebi...Ele me ouve...me conforta... Obrigada pela homilia ... Que Deus o abençoe sempre pra continuar nos confortando com estas palavras lindas...

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