QUEREMOS VER JESUS
Primeira leitura (Jr 31,31-34)
O texto fala de uma Nova
Aliança, diferente daquela que Deus concluiu com o povo quando da saída do
Egito. A primeira não deu certo porque tinha um caráter muito jurídico com leis
antiquadas que não correspondiam ao anseio profundo do ser humano e porque os
meios propostos (sacerdócio, templo, sacrifícios, lideranças
político-religiosas) não foram capazes de suscitar vida e experiência pessoal
do Deus libertador.
A nova aliança será interna,
gravada no fundo do ser e no coração de cada pessoa (v.33), dispensa as
mediações (v.34), pois é capaz de gerar uma experiência pessoal do Deus da vida
que fala a partir dos anseios de cada pessoa de todos os tempos e lugares.
Quando se realizará essa profecia? Se a lei de Deus estivesse
gravada no coração de todos os homens, o mundo se transformaria num paraíso:
todos seriam bons e, como diz a leitura, o Senhor seria o seu Deus (v.33), isto
é, desfrutariam de prosperidade e de paz. Mas o mundo em que vivemos não é
assim... e então?
A profecia começou a realizar-se na Páscoa de Cristo, quando
ele, morrendo e entrando na glória do Pai, enviou o seu Espírito, a sua força.
A partir daquele dia, a lei de Deus foi gravada em nosso coração. Porque,
então, continuamos praticando o mal?
Porque o Espírito de Deus não foi plantado em nós como uma
árvore adulta, mas como uma pequena semente que deve crescer e desenvolver-se.
Somente quando essa semente tiver atingido a maturação, então terá chegado o
Reino de Deus.
Segunda leitura (Hb 5,7-9).
Esta leitura insiste sobre a humanidade de Jesus. A maioria
das pessoas se fixam em Jesus como Deus e esquecem que ele foi igual a nós em
tudo menos no pecado. Pensam que Jesus desde criança sabia tudo, não precisava
aprender, não podia ser enganado, não tinha medo de nada porque era Deus.
A carta aos hebreus afirma categoricamente que Jesus não
fingiu ser homem, mas era um homem de verdade que passou por todas as
dificuldades e tentações que cada um de nós deve enfrentar. Diante da morte
teve medo e suou sangue. Muitos heróis morreram desprezando a morte,
amaldiçoando os algozes, cuspindo neles como Che Guevara) ... Jesus, não! Teve
medo como nós; até pediu que o Pai afastasse o “cálice” e se queixou do
abandono de Deus, como nós....
“Cristo, embora fosse Filho, aprendeu...como era duro obedecer”
(v.8). A carta afirma ainda que “Ele está em condições de entender aqueles que
erram, porque também ele está revestido de fraqueza” (v.2).
Jesus, companheiro de viagem do homem, percorreu por primeiro
o caminho difícil da vida e da morte.
Por isso mesmo ele é para o discípulo um ideal de vida e de fé.
Evangelho (Jo
12,20-33)
O evangelho começa falando de um grupo de peregrinos
estrangeiros que havia ouvido falar de Jesus e queria encontrá-lo, “queriam
vê-lo”, não para matar a curiosidade, mas para conhecer o mistério que se
encerrava naquele homem de Deus. Para tanto eles, de origem grega, se dirigem a
Felipe e André que eram os únicos entre os Doze que tinham nomes gregos e,
portanto, eram mais apropriados para servir de mediadores.
Quando comunicam a Jesus o desejo dos peregrinos, ele
pronuncia palavras desconcertantes: “Chegou a hora do Filho do Homem ser
glorificado.” Quando ele for crucificado, todos poderão ver claramente onde
está sua verdadeira grandeza e sua glória.
O evangelho
de João, desde o início, aponta para o momento culminante da hora, isto é, a glorificação de Jesus e
do Pai ao mesmo tempo. A glória é a manifestação do amor fiel de Deus,
concretizado em Jesus que entrega sua vida.
Quando Jesus falou da sua hora
provavelmente ninguém entendeu nada. Mas Jesus, pensando na forma de morte que
o espera, insiste: “Quando eu for levantado da terra, atrairei todos a mim”. O
que se esconde no crucificado para que tenha esse poder de atração? Só uma
coisa: seu amor incrível a todos.
O amor é invisível. Só podemos captá-lo nos gestos, nos
sinais e na entrega de quem nos quer bem. Por isso, em Jesus crucificado, em
sua vida entregue até a morte, podemos perceber o amor insondável de Deus. Na
realidade, só começamos a ser cristãos quando nos sentimos atraídos por Jesus.
Só começamos a entender algo da fé quando nos sentimos amados por Deus.
Para explicar a força que se encerra em sua morte na cruz,
Jesus usa uma imagem simples que todos podem entender. “Se o grão de trigo não
cair na terra e não morrer, ficará só; mas se morrer, produzirá muito fruto”.
Se o grão morre, ele faz germinar e brotar a vida, mas se ele se encerra em seu
pequeno envoltório e guarda para si sua energia vital, permanece estéril.
Esta bela imagem nos faz descobrir uma lei que atravessa
misteriosamente a vida inteira. Não é uma norma moral. Não é uma lei imposta
pela religião. É a dinâmica que torna fecunda a vida de quem sofre movido pelo
amor. (Cito, por oportuno, uma frase de Dorothe Sölle: “A dor só é boa se leva
adiante o processo de sua supressão”). É uma ideia repetida por Jesus em
diversas ocasiões: quem se agarra egoisticamente à sua vida a põe a perder.
Quem sabe entregá-la com generosidade gera mais vida.
Não é difícil de comprová-lo. Quem vive exclusivamente para
seu bem-estar, seu dinheiro, seu êxito ou sua segurança, acaba vivendo uma vida
medíocre e estéril. Sua passagem por este mundo não faz a vida mais humana.
Quem se arrisca a viver em atitude aberta e generosa, difunde vida, irradia
alegria, ajuda a viver. Não há uma maneira mais apaixonante de viver que fazer
a vida dos outros mais humana e mais suportável. Como podemos seguir a Jesus se
não nos sentimos atraídos por seu modo de viver e morrer?
Pois bem! A quem deseja “ver Jesus”, como aqueles peregrinos
gregos, ele manifesta sua verdadeira face, uma face que nos perturba, porque é
aquela de alguém que exige do seu discípulo uma generosidade total como a sua.
Diante dessa exigência, provavelmente sejamos tentados a nos inclinar para uma
religião mais simples, que se reduz à recitação de algumas orações ou à celebração
da Semana Santa. Seguir Cristo não é fácil. Ele também, diante da morte “ficou perturbado”
(v.27), mas não fugiu, não se escondeu e quando chegou a sua hora, mostrou a todos
como era grande o seu amor.
Comentários
Postar um comentário