DEUS E O SOFRIMENTO
HUMANO
Primeira leitura (Jó 7,1-4.6-7)
Como conciliar o Deus da vida com o sofrimento humano,
sobretudo com o do inocente?
Jó é o personagem central desta leitura, extraída de um
verdadeiro clássico da literatura universal. Em resumo: O livro apresenta um
desafio entre Deus e Satanás. Este último diz a Deus: “Seu amigo Jó é um homem
justo e piedoso, mas isto porque ele é rico. Tire a riqueza dele para ver o que
acontece”. Deus respondeu: pode tirar. Jó perdeu tudo o que tinha, ficou na
miséria, mas ficou fiel a Deus. Então Satanás disse: “Mexa na saúde dele para
ver se ele não vai blasfemar”. Deus falou: “pode”. Jó ficou doente, cheio de
feridas, leproso. Mas ficou fiel a Deus. Então Satanás tentou uma última chance:
“Mexa na família dele para ver o que acontece. Deus falou “pode”. Jó perdeu
seus sete filhos, e mesmo assim ficou fiel a Deus. Satanás havia perdido a
quebra de braço...
É uma obra de ficção: Jó nunca existiu como indivíduo; é um
símbolo do ser humano e como tal ele sempre existiu, existe e existirá, ao
menos enquanto a evolução não atingir a sua meta: O Reino de Deus. A vida nasce
frágil, exposta a muitos fatores que a diminuem ou até a eliminam. Podemos
esperar que a ciência, que já eliminou tantas causas de sofrimentos, consiga um
dia criar as condições de uma vida saudável no nível físico e psicológico,
usando inclusive a manipulação genética.
Mas voltemos ao nível teológico: o livro de Jó gira em torno
de um dogma intocável da religião israelita: o dogma da retribuição que é
contestado por este livro. Segundo este dogma Deus recompensa já nesta vida as
obras boas e castiga os atos maus.
Ora, Jó é um homem justo e piedoso e no entanto sofre de
maneira atroz.
Três amigos de Jó representando a teologia tradicional,
insistem que o sofrimento de Jó é um castigo por faltas cometidas, talvez
esquecidas. Jó protesta. Tem certeza de que não pecou. Inclusive sua mulher apóia
a teologia tradicional segundo a qual Deus é um contador infalível e que Jó
pecou. Porque não se ajoelha e pede perdão?
Jó fica firme, não aceita as falsas imagens de Deus fabricadas pelos
teólogos tradicionais. Jó descobre um Deus onipotente, desconcertante,
incompreensível que ultrapassa infinitamente as lógicas humanas. Só lhe resta
uma coisa: entregar-se totalmente nas mãos desse Deus incompreensível, mas
cheio de amor e confiar plenamente nele.
O grande mérito do livro de Jó é quebrar o grande tabu de que
dor, sofrimento ou desgraça são obra de Deus. Mais uma vez Deus não é um Deus
intervencionista: não intervém para recompensar ou castigar. O sofrimento faz
parte da criação limitada e finita. Jó soube viver com grandeza de ânimo esta
condição, sem ter nenhuma explicação. Deus está acima da recompensa e do
castigo.
Não obstante tudo, Jó não abandona sua fé, embora sua oração
esteja carregada de desespero, amargura e revolta contra esse Deus
incompreensível e prepotente que se recusa a por um fim ao drama de seu amigo
Jó. O grito de revolta de Jó brota de um coração dolorido e sem esperança. É a
expressão da angústia de um homem que na sua miséria se sente injustiçado e
condenado pelo próprio Deus, mas é também o grito de um homem de fé que sabe
que só em Deus pode encontrar a esperança e o sentido para a sua existência.
Deus não condena seu amigo Jó pela sua revolta e sua oração
insolente; sabe que as vicissitudes da vida podem levar o homem ao desespero. A
atitude compreensiva e tolerante de Deus convida-nos a uma atitude semelhante
de respeito e compreensão vindos do coração daqueles que a vida maltratou.
Segunda leitura (1Cor 9,16-19.22-23).
Este trecho trata do sustento dos missionários. S. Paulo em
sua primeira carta aos coríntios (9,14) diz que “aqueles que anunciam o
evangelho, devem viver do evangelho”, isto porque, como Jesus ensinara “o
operário tem direito ao seu sustento”. É justo que aqueles que se beneficiam da
evangelização colaborem de alguma forma para a manutenção dos evangelizadores.
Este direito, em si legítimo, não é um emprego para ganhar a
vida, e não deve ser usado para enriquecer, ou para desfrutar de privilégios. O
evangelizador não pode ser funcionário de uma organização religiosa. A pregação
da palavra de Deus não pode servir a interesses materiais. O que deve inspirar
o evangelizador é esta palavra de Jesus: “Recebestes de graça, de graça daí” (Mt 10,8).
Paulo e Barnabé deram este exemplo de desprendimento total: providenciaram
o próprio sustento trabalhando com suas próprias mãos, continuaram exercendo a
própria profissão para não sobrecarregar ninguém e dedicaram o restante do
tempo para a pregação. É neste sentido
que a Igreja insiste sobre o celibato: liberação total para o evangelho.
Evangelho (Mc
1,29-39)
O evangelho de hoje é a continuação e conclusão de um dia
“típico” da atividade de Jesus. Este dia “típico” é um sábado para os judeus.
Jesus quebra o tabu trabalhando, libertando as pessoas. Assim Marcos vai
mostrando quem é Jesus, pois esta é a
preocupação fundamental do seu evangelho.
Jesus se desloca da sinagoga à casa de Simão e André. Ao
longo do evangelho Jesus vai se sentir muito bem em casa, ao passo que a sinagoga irá suscitar conflitos.
A sogra de Simão está de cama, com febre. O povo da Bíblia
acreditava que a febre tinha origem demoníaca, como aliás as demais doenças.
Marcos diz que Jesus pegou a mão da mulher, ajudando a levantar-se (v.31a). Com
isso Marcos quer dizer que Jesus é aquele que ajuda as pessoas a caminhar com
as próprias pernas e ser sujeitos do próprio agir. De fato, logo em seguida “a
febre desapareceu, e ela começou a servi-los”.
Os enfermos, os possessos do demônio representam aqui todos
aqueles que estão privados da vida, que estão prisioneiros do sofrimento, da
injustiça, do egoísmo, do pecado.
O evangelho apresenta Jesus como aquele que tem poder para
libertar o homem das suas misérias mais profundas e lhes oferecer uma nova
vida. As curas de Jesus não solucionaram praticamente nada na história dolorosa
dos homens. Jesus não veio para mudar a criação. Sua presença salvadora não
resolveu os problemas. É preciso continuar a lutar contra o mal. Mas nos
revelaram algo decisivo e esperançoso. Deus é amigo da vida e ama apaixonadamente
a felicidade, a saúde, o prazer, a alegria e a plenitude de seus filhos e
filhas.
Jesus não ensinou aos seus discípulos a fórmula para operar milagres.
Jesus fez alguns “milagres”, segundo S. João só sete, para mostrar que com ele começava
um mundo novo.
Jesus não queria que as pessoas acreditassem nele por causa
dos milagres. Também porque no tempo de Jesus havia muitos curandeiros, bruxos
e adivinhos com os quais Jesus poderia ser confundido. Aos que pediam um sinal
do céu (milagre), Jesus respondeu: esta geração perversa pede sinais, mas não
lhes será dado outro sinal que não o do profeta Jonas (que converteu a cidade
de Níneve com a força da sua palavra).
Nós não temos o poder de curar, mas podemos ser solidários
com o doente. Que o doente possa compartilhar aquilo que traz dentro de si: as
esperanças frustradas, suas queixas e medos, sua angústia diante do futuro. É
um alívio para o doente poder desabafar com alguém de confiança. Nem sempre é
fácil escutar. A escuta requer colocar-se no lugar daquele que sofre e estar
atento ao que ele nos diz com suas palavras, e, sobretudo, com seus silêncios,
gestos e olhares.
A verdadeira escuta exige acolher e compreender as reações do
doente. A incompreensão fere profundamente quem está sofrendo e se queixa. De
nada adiantem conselhos, razões ou explicações científicas. Só a compreensão de
quem acompanha com carinho e respeito pode aliviar.
Perfeita a releitura dos textos da liturgia... um alento pra nós...'Jesus não veio para mudar a criação. Sua presença salvadora não resolveu os problemas. É preciso continuar a lutar contra o mal. Mas, nos revelaram algo decisivo e esperançoso. Deus é amigo da vida e ama apaixonadamente a felicidade, a saúde, o prazer, a alegria e a plenitude de seus filhos e filhas.'
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