OPÇÕES QUE CONDUZEM À SANTIDADE
Primeira leitura (Ap 7,2-4.9-14)
Mas quem são os santos? No “Glória” cantamos dirigindo-nos a
Deus; “Tu só és o santo”. Santo significa que não tem nada a ver com o que é
imperfeito, fraco, precário. Neste sentido somente Deus é realmente santo. Mas
Deus concedeu aos homens por graça participar da sua santidade. Cada discípulo
de Cristo empreendeu esse caminho de aproximação à santidade de Deus.
Interessante como Paulo inicia algumas de suas cartas: “a
todos os santos(...) que se acham em Filipos” (Fl 1,1); “Aos santos de Éfeso” (Ef1,1);
“Aos irmãos em Cristo, santos e fiéis de Colossos” (Cl 1,2); “A todos os que estão em Roma, queridos de Deus, chamados
a serem santos” (Rm1,7). Santo é todo discípulo, quer esteja ele com
Cristo no céu, quer viva ainda na face da terra.
A santidade não é uma condição superior que possamos alcançar
com nossos esforços ascéticos, não é fruto do nosso heroísmo, é um puro dom de
Deus.
Mas enquanto a liturgia nos convida a elevar os olhos para a
condição santa à qual o Pai nos destinou, constatamos que há tantas dores,
tribulações, amarguras na vida humana. Quando vemos tantos inocentes sofrendo,
continuando vítimas de violências, de injustiças, de traições, de enganos,
procuramos desesperadamente conhecer a razão e não a encontramos.
O livro do Apocalipse dedica quatro capítulos a este
angustiante problema (Ap 5, 8). Diz
que no céu há um livro, infelizmente lacrado com sete selos. Mas um dia o Cordeiro abrirá o livro e
quebrará um a um os seus sete selos, isto e, revelará os mistérios da nossa
existência.
Depois do rompimento do sexto selo um anjo vem do oriente,
tendo na mão o selo de Deus vivo, e imprime um sinal inapagável sobre a fronte
dos servos do Senhor. O seu número é de cento e quarenta e quatro mil. Trata-se
de um número simbólico. Os que lutam e resistem são muitos e formam uma totalidade
perfeita (144 mil é o resultado da multiplicação de números perfeitos: 12 x12 x
1000.
A multidão que ninguém pode contar é gente de todos os povos
e nações que lavaram suas vestes no sangue do Cordeiro, isto é, suportaram
tribulações e perseguições e doaram sua vida pelos irmãos como fez o Cordeiro.
Segunda leitura (1Jo 3,1-3)
A vida de Deus que o cristão recebe no batismo é uma
realidade espiritual, misteriosa. Falando com Nicodemos, Jesus comparou-a com o
vento que se percebe, mas não se sabe de onde vem nem para onde vai. O primeiro
versículo da leitura diz, acima de tudo, que a vida divina é um dom gratuito do
Pai.
A segunda parte da leitura (v.2-3) recorda uma verdade muito
consoladora: essa vida divina o Pai já no-la dá durante a nossa existência, mas
só se manifestará quando for tirado o véu da nossa condição terrestre. Isso se
manifestará quando “ele se manifestar e nós seremos semelhantes a ele, porque o
veremos tal qual ele é” (2).
Aquele do qual aguardamos a manifestação, aquele que um dia
veremos face a face, é Cristo. Quando pudermos contemplá-lo, entenderemos
também quem nós somos realmente. Hoje nos apresentamos enganados pelas
aparências, somos seduzidos por miragens, supervalorizamos o que é passageiro e
descuramos o que realmente importa. Diante de Cristo nossos olhos abrir-se-ão,
e então compreenderemos o que Deus fez em nós.
Evangelho (Mt 5,1-12)
As Bem-aventuranças marcam, no Evangelho de Mateus, o início
do Sermão da Montanha, a nova constituição do povo de Deus. Jesus sobe à
montanha que, segundo os antigos, é o lugar de encontro com Deus (cf. Moisés e
Elias). A montanha recorda o Sinai (ou Horeb), o monte onde foi selada a
aliança com o povo hebreu que saía da escravidão egípcia. Foi aí que Moisés
recebeu as tábuas da Lei (os dez mandamentos), a constituição do povo de Deus.
Com este discurso Jesus quer promover a verdadeira humanidade
e a felicidade das pessoas. Mas é preciso reconhecer que, à primeira vista, as
palavras de Jesus desconcertam: são um “desmancha prazeres”... porque
contradizem tudo o que as pessoas desejam para curtirem a felicidade. De fato,
Jesus rompia com os esquemas sociais e religiosos de sua época. Não pregava
“felizes os justos e piedosos, porque receberão o prêmio de Deus” e nem “felizes
os ricos e poderosos porque contam com a bênção de Deus”. Mas, “Felizes os
pobres, porque Deus será a sua felicidade”.
O convite de Jesus vem a dizer isto: “Não busqueis a
felicidade na satisfação de vossos interesses, nem na prática interessada de
vossa religião”. Sede felizes trabalhando de maneira fiel e paciente por um
mundo mais feliz para todos. Jesus quis dizer: felizes os pobres em espírito
porque eles estão certos, são sábios...
Estão certos porque não são medíocres, à procura de uma felicidade
pequena, feita de alegrias fáceis, mas de uma felicidade digna do homem, à
altura dos filhos de Deus, a felicidade de amar e não mais a felicidade de ser
satisfeito. Há níveis de felicidade como no plano da cultura há músicas dignas
do que há de mais profundo no homem, como a música clássica e também o canto
gregoriano e outras que se destinam ao que o homem tem de mais epidérmico ou de
mais superficial...
Felizes os pobres em
espírito
“Em espírito”: na própria raiz, no coração do ser. A pobreza
em espírito faz parte do amor. O amor sem pobreza não é amor.
Ter uma alma de pobre (no sentido que a gente fala da “alma”
de um violino: é a melhor tradução para “pobres em espírito”), é ser
descentrado de si, desapegado de si, deixar-se questionar pelo outro e ao mesmo
tempo confiar no outro para ser feliz, como dizem os enamorados: “Eu creio em
você” (é a fé), e “eu te encarrego da minha felicidade” (é a esperança).
Apoiado na fé e na esperança o pobre vive na caridade: ele pode servir,
colocar-se ao serviço do outro e dos outros porque ele está destravado.
Felizes os mansos
porque herdarão a terra
A mansidão é irmã gêmea da pobreza em espírito. É a renúncia
a todo amor próprio. A mansidão tem a ver com calma, auto-domínio e força de
alma. É a caridade, não somente de caráter, mas também da inteligência: Ela
leva a escutar os outros e compreendê-los mesmo quando o pensamento deles é
diferente ou até oposto ao nosso. Os
mansos não se resignam, mas recusam-se a recorrer à violência para estabelecer
a justiça. Não se deixam tomar pela fúria, não cultivam sentimentos de ódio e
de vingança. Como sabemos: “Violência gera violência”...
No evangelho, Jesus é apresentado como “manso” (Mt 11,29),
mas não no sentido de “fraco, tímido, covarde”. Na verdade, ele suscitou e
viveu conflitos dramáticos, dividiu a sociedade em pró e contra ele, e
enfrentou os poderes político-religiosos com coragem profética e determinação,
mas sem recorrer à violência. Foi um profeta da não-violência. Por isso que ele
passou para a história. Aliás, a não-violência é a força dos pobres. Cf.
Mahatma Gandhi, Martin Luther King, Mandela etc.
Felizes os que choram
O sofrimento não é uma coisa boa. Deus não se compraz quando
os homens estão mergulhados na dor. O sofrimento faz parte da criação em
evolução. Infelizmente a idéia do sofrimento como algo agradável a Deus invadiu
a espiritualidade popular e até a liturgia porque se diz que Cristo nos salvou pelo
sofrimento. Não é verdade. Deus Pai não é nem sádico, nem Jesus era
masoquista...Cristo nos salvou pela obediência. O sofrimento que lhe foi
imposto foi obra humana. Venerar o crucifixo é empenhar-se para tirar da cruz
os crucificados e impedir que outros sejam crucificados... A não ser assim o
crucifixo ou simplesmente a cruz torna-se mero símbolo cultural, que aliás não
deveria ser colocado em ambientes onde se pratica a corrupção, a injustiça, os
cambalachos de toda espécie. É bom lembrar também que O Estado Brasileiro é
laico...
Deus não envia desgraças e tribulações. Ele não quer que os
homens sofram. Deus está presente na criação, sofre junto com ela. A prova está
na vida de Jesus Cristo. Deus sofreu nele, submeteu-se às leis da história.
Deus não intervém nos acontecimentos deste mundo que são conseqüência das leis
naturais e da liberdade humana que são autônomas.
Os que choram são felizes porque quando vier o Reino de Deus
que Jesus esperava para breve, os que choram vão ter vez porque o homem valerá
não mais pelo que tem, pode ou sabe, mas simplesmente pelo que é: filho de
Deus. A sociedade será fraterna, sem opressão de nenhuma espécie (Cfr.
Is.61,1-3).
Felizes os que tem fome
e sede de justiça
Não se trata aqui de justiça social, nem da justiça que
acontece (ou não acontece) nos tribunais humanos. Trata-se antes de tudo de
fidelidade. Fidelidade para consigo mesmo é não deixar jamais de procurar ser
melhor. Estar satisfeito com o mundo e consigo mesmo é negar que temos um
destino eterno. Infelizes os medíocres.
Jesus não está falando da justiça humana, mas da justiça de
Deus. Deus é justo não porque retribui segundo os méritos, mas porque, com seu
amor, “torna justos” aqueles que são maus. Para Deus a justiça é sempre e
somente salvação, é a recuperação de quem praticou o mal. Quem sente essa fome
e essa sede pela salvação do próximo “será saciado”. Se Deus nos retribuísse
segundo os nossos méritos estaríamos perdidos. Deus é justo porque salva, é
misericordioso (Cf. Papa Francisco)
Felizes os
misericordiosos
Ser misericordioso é sofrer por causa do sofrimento dos
outros. Quem não sabe sofrer-com, não pode acolher o dom de Deus, porque Deus é
o primeiro que sofre com o homem. Exemplo: o sofrimento de Cristo na cruz é
Deus sofrendo no homem e com o homem. Segundo Mt.25, um dia seremos julgados
não pelos ritos religiosos que praticamos mas pelas obras de misericórdia para
com os indigentes. A existência de Jesus
foi precisamente voltada para essa gente. Usar de misericórdia é prolongar no
hoje a caridade de Cristo.
Felizes os puros de
coração
Um grande teólogo, Bonhoeffer, escreveu: “Quem tem o coração
puro? É aquele que não mancha o seu coração nem com o mal que comete, nem com o
bem que faz”. Não manchar o coração com o bem que se faz, isso é divino, é dom
de Deus. Não querer ser o dono do bem que se faz é ser puro, ser simples. É a
atitude de quem não alardeia o bem que faz. Faz o bem e acha que isto é
natural, não fez nada demais. A simplicidade é o contrário da duplicidade. É
transparência, é ausência de maquiagem. Deus ama nosso semblante único, sem
máscara. Meu verdadeiro rosto é aquele que vai ver a Deus, que estará face a
face com ele na eternidade.
Felizes os pacíficos
Para os que constroem a paz Jesus promete, não um lugar
especial no céu... Mas um título muito nobre: “filhos de Deus”. A promoção da
paz é fruto da solidariedade e pureza de coração. Paz é bem-estar que exclui
toda injustiça, opressão e violação de direitos. Não se trata de paz em nível
pessoal, mas, sobretudo, social. Na dinâmica do Reino, uma pessoa só é verdadeiramente
feliz quando todos o são.
Felizes os perseguidos
por causa de Cristo
Jesus conclui: se vocês entrarem nesta experiência, vocês
serão perseguidos. É inevitável. Mais tarde Jesus dirá: assim como eu sou
perseguido, vocês também o serão. Um
cristianismo que não choca tem poucas chances de ser autêntico.
Beaudelaire, escritor francês, dizia que no plano estético o belo é estranho.
Seria bom a gente se dar conta que também o verdadeiro é estranho. Ora, os
homens não gostam do que é estranho.
Se Jesus não tivesse sido perseguido não seria a testemunha
do Deus verdadeiro. Ser humilde, aliado do vencido, do pobre, do perseguido, é
sair fora da ordem. O humilhado incomoda absolutamente: ele não é do mundo. Se
você não for perseguido de nenhuma maneira, desconfie, você pode não ser
autêntico, ou vivendo à flor da pele. Milhares de pessoas procuram tocar sobre
dois teclados: o teclado da sabedoria de Cristo e o teclado da sabedoria do
mundo.
M A R A V I L H O S A!.... sem palavras, foi dito tudo e mais um pouco do que precisamos ler, ver e ouvir...
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