Festa da Trindade




Quem é Deus?

Primeira Leitura (Ex. 34,4b-6.8-9)
Não é suficiente acreditar em Deus, importa verificar em que tipo de Deus se acredita. Embora haja um só Deus, há muitas idéias diferentes e até contraditórias sobre Deus, até no AT. Só Jesus nos mostrou a verdadeira face de Deus.
Os muçulmanos, por exemplo, dizem que Deus criou o céu e a terra, mas que nunca mais se mexeu do céu, reside lá em cima, governa lá do alto, não desce, não se fez homem. Estabeleceu as suas leis para serem observadas, passa o tempo vigiando e controlando quem erra. Por fim, convocará a todos para a prestação de contas.
Não é este o Deus em que nós acreditamos. Para nós cristãos Deus não é um ser extraterrestre que intervém caprichosamente mandando castigos ou recompensas. Não existem dois mundos:  o do alto, o céu, e o de baixo, a terra. Existe só o nosso mundo onde Deus está presente como força criadora e como fonte primordial da vida. Aprendemos no catecismo: Deus está em todo lugar.
Toda a vida no universo é manifestação do Espírito de Deus como reza o Salmo 103: “Se desviais o rosto das vossas criaturas, elas se perturbam; se lhes retirais o sopro (Espírito), expiram e voltam ao pó de onde saíram. Se enviais, porém, o vosso sopro, elas revivem e renovais a face da terra”. Mas, sobretudo, Deus está presente no íntimo do homem (somos templos da Trindade): Santo Agostinho: “Deus está mais perto de nós do que nós de nós mesmos”. Importa, pois, curtir esta presença. Muitos “milagres” pequenos ou grandes acontecem em nosso cotidiano e nós não nos damos conta porque estamos distraídos.
Mesmo assim devemos afirmar que Deus respeita as leis da natureza e a liberdade do homem. Deus não intervém para alterar a cadeia da causalidade natural e violar a liberdade do homem. Tanto a natureza quanto o homem são autônomos. Não adianta pedir que Deus intervenha para satisfazer as nossas necessidades e desejos. Existe, sim, um Desejo profundo que nós devemos curtir e cultivar em nossa oração: “Fizeste-nos para ti, Senhor, e inquieto está o nosso coração até que descanse em vós” (Sto. Agostinho)
 O Deus em que acreditamos é uma comunidade de três pessoas. Não são pessoas como nós. Se o fossem seriam três deuses. O Pai ama o Filho porque é sua imagem perfeita e o seu Verbo, o Filho ama o Pai, e este amor mútuo é o Espírito Santo. São três em um. Como, não podemos saber...
Em Jesus Deus se tornou um dos nossos. Se quisermos saber como é Deus é só reparar no comportamento de Jesus, no que ele disse e fez. Ele é uma explicação viva de Deus.
O texto da liturgia de hoje nos diz que Deus é compassivo, paciente e misericordioso que perdoa culpas, delitos e pecados até a milésima geração... (v.6).
Há dois tipos de religião: a religião baseada no medo e no interesse e a religião que é resposta gratuita ao dom de Deus. A primeira, na verdade, é criação humana: procura acumular méritos para compensar possíveis castigos e além disso canalizar o favor de Deus para si. É uma religião interesseira. É ilusão. Já o segundo tipo de religião é acolhida do dom de Deus: a vida, o batismo, o perdão e por isso também louvor e ação de graças.
Muitas pessoas ainda encaram a Deus como um patrão e contador e por isso se preocupam em cumprir os preceitos e assim estar preparados para o juízo de prêmio ou castigo. Deus não castiga nunca. Verdade é que no Antigo Testamento encontramos expressões que atribuem a Deus a ira, a vingança, castigos e crueldades... expressões de uma religião imperfeita... são relíquias mortas de etapas superadas, é preciso deixá-las para o passado. Diante de uma desgraça nunca se deve dizer: “Era a vontade de Deus”ou “Deus sabe o que faz”. Isto é falar mal de Deus, é pecado.
Deus perdoa sempre, como o pai do filho pródigo. Não somente perdoa, mas ainda faz uma festa. Claro que isto não deve sugerir uma religião light e permissiva. Não, porque o amor é mais exigente do que o medo. O amor de Deus é exigente. Ele nos pede que sejamos o melhor possível, que não fiquemos a meio caminho. Deus prefere que sejamos frios ou quentes e não mornos (Ap. 3,15).
Jesus exorcizou o medo. Ele fundou uma religião filial e pede aos seus discípulos uma espiritualidade de infância. Termino com uma oração de Santa Tereza: “Não me permitas, Senhor, temer-te por causa do inferno, nem procurar-te por causa do céu, mas somente amar”. Eis a religião pura, sem medo e sem interesse.

Segunda leitura (2Cor 13,11-13)
Paulo fala da alegria, que é o primeiro sinal, o mais bonito, da chegada do Reino de Deus no coração de um homem: “Irmãos, ficai alegres, vivei em paz e em harmonia” (v.11).
Em seguida Paulo saúda os cristãos de Corinto: “A graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus Pai e a comunhão do Espírito Santo estejam convosco”.
Com esta fórmula, Paulo queria lembrar aos cristãos de Corinto que o Pai é aquele que tomou a iniciativa de salvar os homens, destinando-os a uma felicidade eterna, na sua família.
O Filho é aquele que cumpriu esta obra de salvação, com a sua vinda ao mundo e a sua fidelidade até a morte. 
O Espírito, o amor que une o Pai com o Filho, é aquele que foi infundido no coração de todos os cristãos no Batismo.
Desde o instante em que se recebe este dom, entra-se a fazer parte da família de Deus, a Trindade.

Evangelho (Jo. 3,16-18)
O evangelho de hoje é constituído por três versículos, mas muito importantes, porque, se assimilados a fundo, nos obrigam a rever a nossa imagem de Deus.
Para muitos cristãos ele ainda está associado ao medo: é aquele que sabe tudo, que vê tudo, que nos espia para descobrir as nossas falhas e por fim nos espera para o castigo (quando já não começa a fazê-lo neste mundo).
Este não é o Pai que Jesus nos revelou.
1)      O primeiro versículo diz: “Deus de tal forma amou o mundo que lhe deu seu Filho Unigênito, para que, todo aquele que crer, não morra, mas tenha a vida eterna”. Portanto, ele não é somente o Senhor misericordioso, clemente, compassivo da 1ª leitura, mas é alguém que ama os homens a ponto de se tornar um deles. Não teve medo de sujar-se com a matéria, com os homens e com os nossos pecados. Sempre é, e em qualquer circunstância, o Emanuel, o Deus conosco (Mt. 28,20).
2)      O v. 7 afirma: “Deus não enviou seu Filho ao mundo para julgar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por meio dele”. Impossível então pensar em Deus como um soberano, um dono do mundo diante do qual todos se devem prostrar com temor e tremor, então não somos cristãos: somos muçulmanos ou pagãos, ou qualquer outra coisa; cremos num Deus-policial ao qual não escapa sequer um mau pensamento. Segundo os evangelhos já não é o homem que vai à procura de Deus, mas é Deus que vai atrás da ovelha desgarrada, da dracma perdida ou do filho pródigo: “Enquanto nós éramos pecadores, Cristo morreu por nós” (Rm. 5,6).
3)      O v.18: “quem não crer já está condenado”. Este último versículo esclarece a responsabilidade do homem diante do amor de Deus. O homem deve responder com um “sim”, imediatamente, porque cada instante passado no pecado, na recusa do seu amor, é uma condenação à infelicidade.
João nos apresenta aqui uma mensagem revolucionária em relação à mentalidade dos homens do seu tempo e também em relação aos outros evangelistas. Estes de fato deslocam o Juízo de Deus para o fim do mundo.
João afirma que o juízo de Deus não será feito por Deus no fim dos tempos: é o próprio homem que hoje o pronuncia sobre si mesmo, na medida que acolhe ou recusa a proposta de amor que Deus apresenta mediante a sua Palavra. Quanto ao juízo final, Deus já o pronunciou no Monte Calvário, é um juízo de salvação para todos.

Comentários