Quarto Domingo da Páscoa - Ano A



Jesus: Única Verdadeira Liderança

Primeira leitura (At 2,14ª.36-41)

O discurso de Pedro, que começou no domingo passado, continua na leitura de hoje. Apresentou ao povo de Israel a vida de Jesus, que passou a vida fazendo o bem. Depois lançou contra seus ouvintes uma acusação muito dura: “Vós o crucificastes pelas mãos dos ímpios e o matastes” (2,23).

No entanto, Deus o glorificou mediante a ressurreição: “Saiba, portanto, todo o povo de Israel, que Deus constituiu Senhor e Messias aquele que vós crucificastes” (v.36).

A reação do povo é disponibilidade total:  “O que temos que fazer?” (v.37).

Esta completa abertura para a verdade é exigida de todos nós hoje: “Fala, Senhor, que teu servo escuta”. Diante desta Palavra, a única postura honesta é a escuta humilde, a disposição de mudar, renegar os erros do passado para começar uma vida nova. Neste sentido Pedro apresenta as três etapas que marcam o caminho da salvação: conversão da antiga maneira de viver e dos erros cometidos, o Batismo, a alegria de receber o dom do Espírito (v.38).

Segunda leitura (1Pd 2,20b-25)

Continua a exortação de Pedro aos recém-batizados.

Neste ponto ele enfrenta um tema social delicado: entre os que receberam o batismo há pessoas nobres e abastadas, mas há também escravos. A estes se dirige agora o pregador na sua homilia. D’entre estes alguns tem patrões bons e compreensivos, já outros tem que lidar com homens rudes e difíceis. Às injustiças dos patrões se soma o bullying dos companheiros de escravidão porque, batizados, romperam com os hábitos antigos, abandonaram as más companhias e assumiram um comportamento irrepreensível.  O que fazer?

Pedro responde: nada de violência, ódio ou vingança. Afinal, Jesus, quando tratado injustamente, não respondeu ao mal com o mal, à calúnia com calúnia, à mentira com mentira. É preciso interromper a espiral da violência. É esta a sabedoria que preside à convivência humana. Lição da história: violência gera violência. Às vezes a violência parece dar algum resultado imediato, mas a longo prazo, não só não resolve os problemas, mas produz sempre alguns novos.

Evangelho (Jo 10,1-10)

O quarto domingo da Páscoa é chamado o domingo do bom Pastor porque, em cada um dos três anos do ciclo litúrgico, é retomado um trecho do cap. 10 do Evangelho de João. O trecho de hoje não trata propriamente do Bom Pastor; a imagem central é em verdade a da porta.

Para entender a parábola convém adiantar algumas explicações.

Antes de mais nada, os pastores do tempo de Jesus não eram aquelas pessoas boas, pacíficas, agradáveis que talvez imaginamos. Pelo contrário, eram homens fortes, violentos, indivíduos rudes, com o rosto queimado pelo sol, acostumados a lutar contra os bandidos e contra os animais selvagens que ameaçavam o seu rebanho. Além de serem desprezados pela vida rústica que levavam nas montanhas, eram tidos como impuros, ladrões, falsos. No tribunal o testemunho deles não tinha valor algum.

É interessante notar, de passagem, que pastores foram os primeiros a visitar o menino Jesus a convite do anjo que lhes anunciou: “Hoje nasceu para vós um salvador”... Mais tarde, quando adulto, é com os marginalizados, pobres e pecadores, que Jesus vai conviver e anunciar-lhes a Boa Nova.

Outro esclarecimento: Os pastores, donos de um punhado de ovelhas, reuniam à noitinha, num único curral (aprisco), suas criações. Esse curral era cercado por uma taipa de pedras, com uma porta, onde ficava o vigia noturno. De manhã, cada pastor se apresentava e chamava suas ovelhas com uma palavra-senha ou um assobio característico e saíam com ele. As outras ovelhas ficavam quietas no seu descanso. Daí a palavra de Jesus: “As minhas ovelhas conhecem a minha voz”. Esta voz ressoa para nós hoje, no evangelho.

Nos vv. 1-6 aparece a figura do bom Pastor numa atitude de ternura com as ovelhas. Ele as conhece e as chama pelo nome. Para ele não existem massas anônimas. Ele se interessa pelos problemas de cada uma das suas ovelhas.

Em contraste com o bom pastor, aparecem as figuras dos ladrões e dos bandidos ou dos falsos pastores, movidos não pelo desejo de servir as ovelhas, mas interessados no poder político e econômico. No tempo de Jesus eram os chefes religiosos e políticos. (uma observação: no tempo de Jesus religião e política estavam estreitamente unidas, as mesmas pessoas administravam a religião e a política. Jesus foi condenado porque um subversivo em religião e política...).

Hoje os falsos pastores estão entre os nossos políticos: deputados, senadores, governadores etc. Todos sabem, pela imprensa, que estamos mergulhados num mar de lama. Uma ilustre senadora diagnosticou: a corrupção está no DNA do brasileiro. Que vergonha!  O que fazer? É preciso reagir, como pediu a CNBB.

Já que o tema do evangelho é a liderança, cabe aqui uma reflexão sobre a atitude do discípulo de Jesus frente a lideranças políticas em nosso país. A parábola do bom Pastor tem a vantagem de sublinhar a relação de ternura e cuidado de Jesus para com cada pessoa, mas é insuficiente para delinear a figura do cristão. A ovelha é uma criatura mansa e passiva, não grita nem quando é degolada... O cristão não pode ser assim. Ele é livre, inteligente e co-responsável pela convivência na sociedade. Jesus pregava o Reino de Deus: uma sociedade como Deus quer. Aristóteles já dizia: “O homem é um animal político”.

Política, no seu bom sentido, é a arte de promover o bem comum. Infelizmente, a Palavra “política” foi deturpada, tornou-se sinônimo de “esperteza” para conseguir vantagens pessoais. É quase um xingamento chamar alguém de político.

É uma lei sociológica que o poder corrompe, como disse o Lord Arcton: “todo poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente”. Daí a necessidade da alternância no poder. Para evitar essa corrupção, os cidadãos precisam agir, inclusive em nome da fé. A Igreja precisa estar do lado do povo senão ela estará traindo o seu fundador. Jesus situou-se na linha dos profetas que eram ao mesmo tempo místicos e políticos. Combatiam a idolatria e ao mesmo tempo o ritualismo da religião oficial que oprimia o povo em nome de Deus... Eles, por sua vez, se empenhavam pela justiça   social e combatiam a violação dos direitos humanos. Jesus abraçou a mesma causa dos profetas. Por isso foi perseguido e condenado em nome da religião oficial...

 Sendo a Igreja uma instituição sem interesse em poder e dinheiro, ela tem muita autoridade moral, além disso, ela dispõe de um auditório cativo todos os finais de semana, o que representa uma oportunidade preciosa para atuar no processo político. Como todos sabem, eu sou um religioso e sacerdote dehoniano. Nosso fundador Pe. Dehon dizia que era preciso os padres saírem da sacristia e ir ao povo...

Acho, pessoalmente, que a Igreja é muito espiritualista, alienada da realidade sócio-política e pouco profética. É bom lembrar que Jesus morreu porque levou o seu profetismo até o fim.

Voltando à parábola, nos vv.7-10, Jesus se apresenta, por duas vezes, como a “porta das ovelhas”. A expressão é até um pouco esquisita. O que dizer?

“Eu sou a porta” significa que ele decide quem pode entrar e quem deve ficar longe das ovelhas. Nenhum pastor é autêntico se não estiver em sintonia com o projeto de Jesus que é garantir vida e liberdade. Quem não assume esse projeto é ladrão e explorador do povo.

No último versículo do evangelho de hoje Jesus afirma que ele veio para dar a vida. Não promete uma vida fácil, promete a vida e afirma que a distribuirá com abundância (v.10). De que espécie de vida se trata? Daquela do céu? Não! Ele se refere, antes de tudo, à vida deste mundo. É aqui que o cristão deve se empenhar para que todos os homens possam ter uma existência digna e feliz. Somente assim prova que é discípulo do verdadeiro pastor que deu a vida para que outros a tenham em plenitude.

Comentários

  1. Belas e profundas suas palavras Padre!!! Principalmente trazendo para nossos dias as verdades do Evangelho!!! Não podemos ficar alienados. Estamos vivendo tempos difíceis.
    Pe. Dehon dizia que era preciso os padres saírem da sacristia e ir ao povo...Que bom que a CNBB está se manifestando a respeito do que está acontecendo em nosso País. Particularmente vejo que silenciaram muito e que bom que começaram a reagir e nós também não podemos ficar omissos!!!

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