O REINO DE DEUS CRESCE EM MEIO A
CONFLITOS
Primeira Leitura (Sb 12,13.16-19)
Entre os livros do Antigo Testamento, o da
Sabedoria foi o último a ser escrito. Seu autor, um sábio judeu de Alexandria
do Egito, provavelmente ainda vivia quando Jesus nasceu.
Naquele tempo a maioria dos israelitas não morava
na própria terra, a Palestina, mas tinha emigrado para o exterior. Em cada
cidade do Império Romano os judeus formavam uma comunidade à parte,
chamada Diáspora: tinham a própria sinagoga, os próprios tribunais,
se casavam só entre eles, enfim, não se misturavam com os pagãos. Embora alguns
tivessem prosperado, a maioria era pobre e por causa da sua segregação era
oprimida e humilhada. Então se perguntavam: porque nós que somos o povo de Deus
vivemos nesta situação lamentável e os pagãos prosperam sempre mais e têm sorte
na vida? Os nossos antepassados nos contaram que, antigamente, o Senhor fez
coisas maravilhosas em prol de seu povo; porque agora não intervém mais para
pôr um pouco de ordem nas coisas?
Antes de tudo é preciso lembrar que o ser humano, o
de ontem mais do que o de hoje procura encontrar a Deus no espetacular e
prodigioso. Ilusão! Jesus irá provar por toda a sua vida, da infância até a
morte, que Deus é humilde e impotente. Não interveio, mesmo, a favor de Jesus. A Providência de Deus
não intervém nas leis da natureza e respeita a liberdade humana. Para Deus é
uma questão de coerência. Por isso ele não é um Deus intervencionista!
A situação de homem perante a Providencia é que nem
a do peixe no oceano. O peixe não sabe do oceano, mas sem o oceano ele não
vive, ou semelhante ao do pássaro,o pássaro não sabe do ar, mas sem o ar ele
não vive.
A história
do povo judeu, a começar pelo êxodo é uma história banal que nem encontrou
registro na história universal. A saída do Egito, passagem do mar dos juncos,
Sinai, deserto e entrada na terra prometida foram acontecimentos normais que
mais tarde foram engrandecidos e “viraram” uma epopeia, celebrada em filmes de
sucesso... Em meio a estes relatos corre-se o risco de esquecer uma verdade
muito importante: a unidade do real: o que não acontece hoje, não aconteceu
ontem.
A autor do livro da Sabedoria é esperto. Ele sabe
que o passado de Israel não foi tão maravilhoso assim! Ele responde aos irmãos
de Alexandria dizendo que Deus não usa a sua “força” para castigar ou causar o
mal para o homem porque ele é indulgente com todos. O seu domínio é universal,
estende-se sobre os justos e sobre os ímpios; ele não pode amar somente alguns
(v.16).
O último versículo apresenta dois motivos pelos
quais Deus age desta maneira. Antes de tudo, age assim para ensinar a seu povo
que o justo deve amar os homens, todos os homens, não somente os bons; em
seguida, para proporcionar aos pecadores a possibilidade de se arrependerem
(v.19).
Esta leitura nos alerta também a nós! Não nos
surpreendemos também às vezes desejando que Deus “mande um raio” sobre
bandidos, assaltantes, estupradores, corruptos, assassinos, etc? Mas este é, na
verdade, um desejo pagão. Deus não pensa assim. Ele não ama somente os bons,
mas a todos, também os maus, porque são suas criaturas, e o único desejo que
ele tem é que mudem de vida.
Segunda leitura (Rm 8,26-27)
Jesus havia dito aos seus discípulos: “Quando vocês
rezarem, não desperdicem as palavras como os pagãos, que acreditam ser
atendidos por força de palavras” (Mt 6,7).
Na leitura deste dia, Paulo confessa com candura: “nós
não sabemos como rezar”; não sabemos o que pedir a Deus; por isso o
Espírito vem em nossa ajuda e nos sugere o que temos que dizer ao Pai (v.26).
Esta oração que procede do Espírito sempre é atendida.
A primeira função da oração é a acolhida:
acolher o dom da vida, da Palavra de Deus, o batismo, a Eucaristia etc, e
sobretudo o dom da fé. Deus é como o sol: se abrirmos a janela ele vai entrar,
mais ou menos conforme a abertura, e vai iluminar e aquecer o nosso quarto. A
segunda função é partilhar: o dom da fé e o nosso amor em forma
compaixão e caridade; a terceira função é o louvor e ação de graças.
O que então devemos pedir a Deus é o dom da fé, da
esperança e da caridade
Evangelho (Mt 13,24-43)
No tempo de Jesus as pessoas acreditavam que quando
viesse o Reino de Deus, sobrariam somente os bons. Os maus seriam queimados por
um fogo vindo do céu. João Batista também pensava assim. Os seguidores de Jesus
tinham a mesma opinião. Certo dia, não tendo sido recebidos num povoado de
samaritanos, disseram a Jesus: “Senhor, queres que mandemos
que desça fogo do céu e os consuma”? (Lc 9,54).
Jesus era mais tolerante. Prezava muito o Batista,
mas não queria ouvir falar de fogo. Não só não queria destruir os pecadores,
mas os recebia na sua própria casa, convidava-os para a refeição, encontrava-se
com os ladrões, com os hereges, com as prostitutas.
Nos anos 80, quando Mateus resolve escrever o seu
evangelho constata que o mal está presente por tudo. O bem existe, é verdade,
mas a seu lado também o mal cresce viçoso. As pessoas então perguntavam: que
espécie de Reino instaurou Jesus, se não conseguiu fazer desaparecer de
imediato e para sempre toda espécie de mal? O evangelista responde com a
parábola do trigo e da cizânia (a cizânia é uma espécie de cebolinha ou
“tiririca” que quando nova é muito semelhante ao trigo).
Na parábola há um confronto entre os servos e o
patrão. Os servos são muito dedicados e mostram grande
interesse pela lavoura. Cometem, porém, um erro: deixam-se levar pela
impaciência e pela afobação de acabar logo com a cizânia.
O patrão não pensa como eles: ele
mantém a calma, não estranha, não se perturba. A sua resposta revela a atitude
de Deus em relação ao mal que existe no mundo, na Igreja, em cada indivíduo.
Deus tem paciência, dá tempo ao tempo para que o pecador tenha tempo de se converter.
Na verdade, a linha que
separa o bem do mal não passa entre um indivíduo e outro, entre um
grupo e outro, mas passa dentro do coração de cada homem: em
cada ser humano há um pouco de bem e um pouco de mal, por isso não é possível
intervir com o fogo do céu: tudo seria destruído, o bem e o mal. Até no mais
perverso dos homens, junto com a cizânia, existe uma boa parte de trigo. Porque
queimá-lo? “Calma”, diz o Senhor.
Em seguida, Mateus refere duas parábolas “gêmeas”:
a do grão de mostarda e a do fermento para
ressaltar a desproporção entre o humilde começo e o grande resultado final. Um
grão de mostarda, quase invisível, dá origem a um arbusto de cerca de quatro
metros; poucos gramas de fermento fazem levedar cem quilos de farinha.
Mensagem: o Reino de Deus está presente, sim, mas não aparece ainda...
Mas o que mais causa estranheza é que aqui a
linguagem muda. Na primeira parte (na apresentação da parábola do trigo e da
cizânia) o Senhor convidava a aceitar com serenidade a existência do mal ao lado
do bem, agora, ao contrário, ele também se deixa levar pela vontade de “apelar
para o fogo” (v.42). O que terá acontecido?
Na verdade, a explicação da parábola (vv.36-43)
embora atribuída a Jesus é de Mateus que procura responder às necessidades
espirituais das suas comunidades.
Provavelmente é que, após as primeiras décadas de
fervor, os cristãos relaxaram um pouco e não levavam mais a sério os
compromissos do batismo. Mateus sente então a necessidade de sacudi-los um
pouco e para tanto usa uma linguagem forte, própria dos pregadores do seu
tempo: o fogo, as fornalhas ardentes, o pranto, o ranger de dentes, a ceifa, os
anjos, os demônios... Que horror! Imagens impressionantes! Estas
palavras não vem de Jesus, mas sim de Mateus!
Na verdade, Mateus não está querendo prestar
informações sobre o futuro dos pecadores. Ele quer apenas dar um susto...É uma
espécie de “terrorismo pastoral” que funcionava naquele tempo. Era usado também
entre nós até um passado recente em missões populares. Mas hoje está completamente
fora de moda...
Quanto ao futuro, mais do que tomar como base
figuras impressionantes, do gosto da fantasia dos orientais, é preferível
manter aquilo que a Escritura ensina de forma clara e segura: Deus é Pai que
“quer que todos os homens se salvem” (1Tm 2,4) e “não enviou seu
Filho ao mundo para julgar o mundo, mas para que o mundo se salve por meio
dele” (Jo 3,17).
E o fogo? Se existe um fogo no qual o cristão deve
acreditar com firmeza é o fogo do amor de Deus. Este fogo de fato tem o poder de
queimar todo o mal que existe no coração do homem.
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