Décimo Sétimo Domingo do Tempo Comum - Ano A

 



 

DISCERNIMENTO E OPÇÃO PELO REINO DE JUSTIÇA

 

Primeira leitura (1Rs 3,5.7-12)

A primeira leitura exalta a figura do rei Salomão. Mas sua ascensão ao poder foi muito conturbada. Por direito, Adonias, o filho mais velho de Davi, deveria ser o rei. Mas houve um “cambalacho” por obra de Betsabéia, aquela com quem Davi havia pecado, e o profeta Natã (!!!), o que resultou na posse de Salomão. É que Salomão era o xodó de Betsabéia... E o pior é que Salomão matou seu irmão Adonias. Coisa feia (cf. 1Rs 2,24-25)... O povo falava: onde já se viu: um filho ilegítimo ocupar o trono...Ao que o pessoal da corte retrucava: Se o governo de Salomão está sendo um sucesso é porque Deus está com ele... chamar isto de “Palavra do Senhor” é uma blasfêmia! A palavra certa é ideologia política.

Ao subir ao trono, Salomão, pelo que se diz, teria feito uma oração que agradou a Deus: não pediu riqueza, nem saúde, nem vitória sobre os inimigos (v.11), mas “um coração dócil para poder praticar a justiça em favor do seu povo e para saber distinguir o bem do mal”.  Belas palavras, como diria Millôr Fernandes: “Palavras são palavras, nada mais que palavras”... Na verdade, Salomão com o seu harém de 800 mulheres e sua corte nadavam no luxo, e o povo tinha que sustentá-los. Cada mês uma tribo era responsável pelos gastos da corte; já não era o rei que servia o povo, mas o povo que servia o rei (O mesmo acontece hoje no Brasil: o povo tem que pagar as mordomias dos políticos que não estão nem aí com o povo). Na verdade,Salomão acabou tornando-se tão opressor quanto o Faraó.

Enquanto isso, crescia a inconfidência (sobretudo entre as tribos do norte) que vai estourar quando da morte de Salomão. E Israel vai se dividir entre as dez tribos do norte (Reino de Israel) e as duas tribos do Sul (Reino de Judá).

Com Salomão começou a perversão do poder. As intenções iniciais do rei até podiam ser boas, mas ele não foi capaz de promover o bem do povo, a justiça e a paz, porque a febre do poder tomou conta dele. E se hoje amargamos a catástrofe nacional é porque o vírus salomônico se tornou epidemia. 

 

Segunda leitura (Rm 8,28-30)

As primeiras palavras da leitura soam confortadoras: “todas as coisas contribuem para o bem daqueles que amam a Deus” mesmo as coisas negativas: guerras, calamidades naturais, pecados... Deus engloba tudo: as causas naturais e a liberdade humana e as encaminha para o bem.

A segunda parte da leitura nos deixa um tanto perplexos: existe antes de tudo a predestinação eterna por parte de Deus; depois o chamado através da pregação do evangelho; a justificação através do Batismo; e por fim a glorificação quando se manifestará a nova condição dos filhos de Deus.

O que significa a predestinação? Que Deus escolhe somente alguns e rejeita os demais? Não! Quer dizer que antes de serem chamados à salvação, os homens (todos os homens) são objeto de um amor de Deus. Naturalmente, somente uma parte deles poderá conhecer o Evangelho de Cristo e chegar ao Batismo, mas Deus quer que também os demais se salvem (1Tm 2,4). Lembro, por acaso, o que disse uma famosa filósofa Edith Stein (canonizada por João Paulo II), uma judia convertida ao catolicismo, morta num campo de extermínio nazista: “Todos os que procuram sinceramente a verdade estão no caminho de Cristo” (membros de outras religiões, agnósticos, ateus...).

 

Evangelho (Mt 13,44-52)

As duas parábolas gêmeas do tesouro escondido e da ,pérola de grande valor, focalizam o tema da opção radical pelo reino da justiça, diante do qual vale a pena se desembaraçar de tudo para possuí-lo.

A descoberta do tesouro é fruto do acaso, é sorte: o reino de justiça é dom gratuito, manifestado na prática de Jesus. A este achado correspondem alegria e desprendimento total.

No tempo de Jesus se contavam muitas histórias sobre tesouros escondidos nos campos. É que antigamente havia muitas guerras, invasões de tribos e de povos estrangeiros, e os habitantes, para se salvar, fugiam às pressas e enterravam na sua propriedade coisas que não podiam levar, na esperança de um dia poder voltar e recuperar o material enterrado. Acontecia, porém, que geralmente não voltavam. Outros tomavam conta da terra e, casualmente, encontravam um tesouro. Muito espertos, se desfaziam de tudo para comprar aquela gleba.

A parábola da pérola preciosa contém o mesmo ensinamento. Vale lembrar que, para os povos orientais, as pérolas eram a coisa mais preciosa do mundo. À diferença do tesouro que é descoberto por sorte, a pérola é fruto de busca por parte do comprador. Juntando as duas parábolas resulta que o Reino de Deus é dom de Deus e também tarefa de busca.

Jesus ensina: quem descobriu o valor da mensagem evangélica, encontrou um tesouro. Se realmente estiver convencido, deve estar disposto a renunciar a tudo o que impeça a adesão a esta mensagem. Os vizinhos que nada sabem do tesouro podem até pensar que tal pessoa perdeu o juízo. Ele, porém, está muito consciente da escolha que está fazendo; sabe que se trata de negócio decisivo para sua vida.

Algo semelhante acontece hoje em dia: conversões acontecem: pessoas que levavam vida mundana metidas em corrupção, bebedeiras, drogas, prostituição etc. de repente mudam de vida, talvez após um retiro de conversão, ou uma experiência-limite (morte, acidente) e resolvem levar uma vida decente, para o espanto de seus antigos companheiros de farra... ”Quem te viu, quem de vê...”

As parábolas falam também da urgência que se deve ter para tomar determinadas decisões. Há oportunidades que são únicas na vida. A decisão pelo Reino de Deus não pode ser prorrogada.

O terceiro ensinamento é a alegria. Por certo não encontramos ninguém que tenha descoberto um tesouro ou ganho na loteria e ande por aí de cara amarrada. Quem analisou cuidadosamente o negócio que está para fazer, mesmo tendo que vender os seus bens, sorri, brinca com todos, sente-se feliz.

Acertamos também nós o golpe de sorte em nossa vida? Jesus nos responde: a sorte vocês já encontraram quando descobriram a mensagem do Evangelho, o maior de todos os tesouros, a mais preciosa das pérolas.

A terceira parábola, a tarrafa que apanha qualquer espécie de peixes, bons e ruins, contém o mesmo ensinamento da parábola do trigo e do joio, do domingo passado.

Um piscicultor tem no seu tanque diversos tipos de peixes: tucunarés, tilápias, piabas, traíras, mas também saguirus, carás, mandis e vira-morros que crescem juntos. Ao jogar a tarrafa ele vai escolher: aproveita os primeiros e despreza os outros.

No mundo, na Igreja, em cada um de nós continuam coexistindo forças opostas. A comunidade cristã não pode selecionar os homens, manter os bons e expulsar os maus. Seria uma atitude muito radical.

 


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