PERSEGUIÇÃO E MARTÍRIO POR CAUSA DO REINO
Primeira
leitura (Jr. 20,10-13)
Estamos por volta dos anos 590 a.C. O rei
Nabucodonosor da Babilônia está prestes a invadir e saquear Jerusalém. Os
líderes religiosos não se apercebem do perigo. Acham que “tudo está bem” (cf.
Jr 6,13-14). Mas Jeremias é um homem de visão e, como profeta, sabe ler a
história para além das aparências. Toma a decisão de procurar os chefes
políticos e religiosos para alertá-los sobre o perigo iminente. Estes lhe dizem
que ele faria melhor se cuidasse da própria vida, e largasse mão de ser um
profeta da desgraça e do terror. Começam a tramar, procuram razões para montar
um processo-farsa para poder condená-lo. Pensam até em linchamento. Por fim o
espancam e o jogam numa cisterna com lama no fundo. Por sorte, alguns leigos o
resgataram... Parabéns aos leigos que foram mais solidários e compassivos do
que os sacerdotes....
Para piorar, até os amigos e sua própria família o abandonam.
Tomado pelo desespero, ele desabafa com Deus, protesta por ter sido enviado
para anunciar uma desgraça, e chega até a amaldiçoar o dia do seu nascimento
(Jr. 20,1-18). Mesmo assim acaba por tomar consciência que Deus o acompanha
sempre: “ O Senhor está a meu lado como um lutador destemido” (v.11).
A invasão aconteceu em 587 a.C.. O Templo foi
saqueado, a arca da aliança sumiu, o rei teve os olhos vazados e levado com
outros 20.000 líderes para o exílio na Babilônia. Fim da dinastia davídica. Foi
a “Sexta-feira da Paixão” para o povo judeu.
“Moral da história”: É difícil ser profeta, é
difícil falar a verdade, porque traz “aborrecimentos”... Infelizmente a Igreja
no Brasil, sempre aliada ao poder civil, ao menos até a república (1889),
perdeu a coragem profética; em vez disso usa uma linguagem espiritualista e
adocicada que não interfere na vida real. O clero administra os sacramentos e o
povo se entrega a devoções... Nada contra devoções, mas quando será que a nossa
Igreja vai encarar a sua missão principal que é evangelizar?
Segunda Leitura (Rm. 5,12-15).
Paulo faz uma comparação entre Adão e
Jesus.
Adão, é bom explicar, não é um indivíduo, mas
o símbolo dos pecadores. A experiência humana é que o pecado tomou conta de
toda a humanidade e a explicação da bíblia no livro do Gênesis é que a causa
dessa situação é que o primeiro homem pecou e passou o pecado por herança a
todos os seus descendentes.
Vai aqui um parêntesis catequético. Durante muito
tempo a Igreja fez uma leitura literalista (ao pé da letra) da Bíblia e assim
criou, entre outras, a doutrina do pecado original. Segundo esta doutrina,
divulgada no ocidente sobretudo por Santo Agostinho, todo homem nasce pecador e
se não for batizado vai para o inferno. Mesmo as crianças iriam para o inferno.
Num segundo momento abrandou-se esta doutrina e criou-se a doutrina de um
estágio especial no inferno onde o fogo seria mais brando para as crianças. Num
terceiro momento os teólogos criaram a doutrina do “Limbo” onde não haveria nem
sofrimento nem alegria. Há pouco tempo, porém, o papa Bento XVI acabou
“fechando” o Limbo... Graças a Deus!
Hoje se sabe que a narração do Gênesis não é a
narração de um fato, mas uma narração simbólica, mítica. Assim, a doutrina do
pecado original perdeu força. O catecismo da Igreja católica diz que o tal de
pecado “original” é uma metáfora...
Quem admite hoje em dia que um filho seja castigado
por causa de um erro de seu pai? Outra: a morte biológica não é consequência do
pecado. Ela aconteceria mesmo sem o pecado.
A morte que entrou no mundo por causa do pecado é a
morte moral, é a morte como drama ou tragédia...
Mas a graça obtida pela obediência de Cristo é sem
medida superior aos prejuízos causados pelos nossos pecados. Pelos méritos de
Cristo, Deus comunicou aos homens a sua própria vida.
Evangelho (Mt. 10,26-33)
O imperador romano Domiciano exigia que lhe fosse
prestado culto como a um Deus. O cônsul Flávio Clemente, seu primo,
converteu-se a Cristo e por isso foi condenado à morte e sua mulher Domitila
foi exilada na Sardenha.
Os cristãos se recusavam a tributar honras divinas
ao imperador e em consequência disso tiveram que suportar lapidações,
discriminações, confisco de bens e até o martírio. O risco de apostasia,
evidentemente, era grande.
Mateus escreve o seu evangelho neste contexto e
procura animar os cristãos das suas comunidades lembrando-lhes que Jesus já
tinha previsto para os seus seguidores dificuldades e perseguições.
O pior inimigo, para quem deve anunciar o Evangelho
e para quem quiser dizer a verdade, é o medo. Medo de perder a posição social,
o salário, a estima dos companheiros, de perder os próprios bens, de ser
castigado e até o medo de perder a própria vida. Quando um homem tem medo não é
mais livre.
No evangelho de hoje Jesus repete por três vezes:
“Não tenhais medo” (vv.26.28.31). Um pregador do evangelho tem medo, antes de
tudo, porque receia que, por causa da violência dos inimigos, a sua
missão possa fracassar (vv.26-27). Jesus garante: não obstante as
provocações e as dificuldades, a sua mensagem se difundirá e
transformará o mundo, mesmo que não seja de imediato; mas as sementes de luz e
de bem espalhadas por ele acabarão por germinar. Nenhuma força
inimiga terá o poder de arruinar o projeto de Deus. A melhor prova disso é o que
aconteceu com Jesus: quiseram calar a sua voz, mas o seu martírio, coroado pela
ressurreição, tornou-se uma semente que jogada na terra, morreu, mas brotou e
se multiplicou.
0utro motivo pelo qual se tem medo é o de passar
por maus tratos e até de receber ameaças de morte. Jesus responde: qual é o dano que os
inimigos do Evangelho podem causar? Ofender, caluniar injustamente, bater,
confiscar os bens, tirar a vida? Certo! Mas nada além disso. Nenhuma violência
tem o poder de privar os discípulos do verdadeiro bem que os mesmos possuem: a
vida íntima que receberam de Deus. Diz muito bem Paulo: “Sim! Eu estou certo;
nem a tribulação, nem a angústia, nem a perseguição, nem a fome, nem a nudez,
nem a espada... nada poderá nos separar do amor de Deus, que se manifestou em
Cristo Jesus, nosso Senhor (Rm. 8,35-39).
Há, porém, alguém que deve ser temido: “aquele que
tem o poder de ferir a alma e o corpo”. Trata-se de tudo aquilo que pode
provocar a privação da vida divina ou impedi-la de desenvolver-se. É preciso,
portanto, temer antes de tudo a si mesmos e o próprio medo.
Para exorcizar o medo é bom ainda lembrar as
palavras de Jesus sobre a providência divina que, na verdade, é objeto de fé e
não de experiência. Cremos nela por causa da autoridade de Jesus: “Olhai as
aves do céu... vosso Pai cuida delas. E vós não valeis muito mais do que
elas?.... Olhai os lírios do campo.... Nem Salomão se vestiu como um deles...
se Deus veste assim a erva dos campos..., quanto mais a vós, homens de pouca
fé” (Mt. 6,24-30). Muito mais ele acompanhará a causa de
quem se compromete pelo seu Reino.
O evangelho de hoje se encerra com uma promessa:
Jesus reconhecerá diante do Pai aqueles que o tiverem reconhecido diante dos
homens (vv.32-33).
Ele não está falando do juízo final, mas daquilo
que acontece nos nossos dias: em alguns dos seus discípulos que atuam neste
mundo ele se reconhece, em outros não.
Os primeiros são aqueles que não tem medo de
anunciar o seu evangelho com espírito profético, mesmo que isso lhes cause
aborrecimentos ou perseguição. Os outros são aqueles que não reproduzem diante
dos homens a sua imagem, por medo ou respeito humano, aqueles que não trazem ao
mundo a sua presença. Diante do Pai ele testemunhará a respeito de uns e
outros.
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