Vigésimo Segundo Domingo do Tempo Comum - Ano B


 


A VERDADEIRA RELIGIÃO

 

Primeira leitura (Dt 4,1-2.6-8)

Este texto foi escrito por volta do ano 500 a.C., indevidamente atribuído a Moisés que viveu 400 anos antes. O povo hebreu disperso no Exílio ouvia frequentemente a pergunta irônica: “Onde está o vosso Deus?”. (Sl 115,2) A resposta que o texto de hoje fornece é esta: nosso Deus está presente no seu povo que conserva a Aliança e que é portador de uma legislação justa, capaz de conquistar fama internacional. Esse povo é uma grande nação, e sua lei é sábia e inteligente. Assim o povo cultua a Deus, e este se mostra presente.

Esse texto nos inquieta profundamente. Não é tempo de sentirmos a proximidade e presença de Deus numa legislação nacional justa, que promova a vida e a posse da terra para todos?  Não é tempo de sentirmos Deus próximo e presente numa legislação internacional justa, que promova a vida de todos os povos?  Até quando continuaremos a ouvir a pergunta irônica: “Onde está o Deus de vocês? 

Segunda leitura (Tg 1,17-18.21b-22.27)

Esta carta reduz a Lei judaica ao mandamento do amor ao próximo (1,25;2.7.120. Pode-se dizer que é a explicação das exigências desse mandamento em diversas circunstâncias: (igualdade cristã(2,1-4), preferência pelos pobres(1,5-7), amor ativo (2,5-7). Esse amor exclui a exploração, e nesta carta encontramos a mais violenta passagem do Novo Testamento contra os ricos (5,1-6).  A fé é vista como dinamismo que produz ação e que só é madura, quando se expressa em atos concretos(2,20-26), é fé que rejeita qualquer  espiritualidade  ou religiosidade individualista e intimista (1,13-16)

No tempo em que a carta foi escrita, as comunidades cristãs arriscavam fechar-se si mesmas, sem compromisso com a transformação da sociedade. Tiago insiste que “a religião pura e sem mancha diante de Deus Pai é esta: assistir os órfãos e as viúvas em suas tribulações e guardar-se livre da corrupção desse mundo.”(27). Em síntese, religião é solidariedade com os  marginalizados e ruptura com as estruturas de pecado. 


Evangelho (Mc 7,1-8.14-15.21-23)

Jesus não veio fundar uma nova religião. Queria apenas reformar o judaísmo que estava viciado pelo formalismo, ritualismo, uma religião feita de ritos e práticas externas que não envolviam o coração do homem e não criavam uma relação com Deus. Os evangelhos não representam Jesus praticando a religião no templo. Verdade é que ele ia ao templo, mas era para pregar.  Um dia, como sabemos, ele “purificou” o templo num gesto profético para decretar o fim da religião praticada no templo.

Embora se fale muito hoje em dia de perda de fé, as pessoas continuam sendo em geral bastante religiosas.

Os cristãos da primeira e segunda geração recordavam Jesus não tanto como um homem religioso, mas como um profeta que denunciava com audácia os perigos e armadilhas de toda religião. Sua especialidade não era a observância religiosa acima de tudo, mas a busca apaixonada da vontade de Deus.

Daí o escândalo dos líderes judeus que viam em Jesus um perigo para as sagradas “tradições humanas”, concretizadas na lavagem das mãos e de tudo o que vinha do mercado, na abstenção de certos alimentos. E Jesus acrescenta: “deixais de lado o mandamento de Deus, para aferrar-vos a tradições dos homens’’.

Pouco a pouco esquecemos a Deus e depois esquecemos que o esquecemos. Orientamos a vontade de Deus para o que nos interessa e esquecemos sua exigência absoluta de amor.

Pode ser este o nosso pecado. Agarrar-nos, como que por instinto, a uma religião desgastada e sem força para transformar nossa vida.  Continuar honrando a Deus só com os lábios. Recusar-nos à conversão e viver esquecidos do projeto de Jesus: a construção de um mundo novo segundo o coração de Jesus. Basta observar como continuam batizando seus filhos, enterrando seus mortos ou ainda inclusive celebrando seus casamentos. E, por outro lado, busca-se estar de bem com Deus e contar com a sua proteção.

Mas de fato, estas celebrações não são geralmente um encontro com Deus. Muitos casamentos, batizados e primeiras comunhões ficam reduzidos a uma reunião de caráter social, a um ato imposto pelo costume ou a um rito que se faz sem entender bem o que significa. O que realmente importa é o vestido da menina, a foto dos noivos, as flores do altar ou o vídeo da cerimônia. Que tudo saia “muito bonito e emocionante.”

Seria conveniente repetir a frase de Isaías citada por Jesus: “Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim”.

 



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