O AMOR GERA COMUNIDADE
Primeira leitura (At 10,25-27.34-35.44-48)
Os primeiros cristãos pensavam que a salvação era
só para os judeus. Os pagãos eram considerados impuros. Esta leitura trata da
anulação deste preconceito. Em Cesaréia vivia um centurião romano, de nome
Cornélio, muito temente a Deus (rezava todos os dias e dava muitas esmolas aos
pobres).
Pedro, inspirado por Deus, foi à casa de Cornélio
que o recebeu com muita deferência e respeito, ajoelhando-se diante de Pedro.
Este disse: “Por favor levanta-te, eu também sou um homem” (v.26). Palavras
estas que encerram uma mensagem para todos os que exercem algum ministério na
comunidade.
Lucas pretende sublinhar alguns aspectos básicos:1.
O amor de Deus não discrimina: “todo aquele que pratica a justiça, seja ele de
qualquer raça, é agradável a Deus” (v.35); 2.O Espírito é o verdadeiro motor da
missão, levando a Igreja para fora dos limites em que teimava permanecer; 3. A
missão depende essencialmente da obediência ao Espírito; 4. Ser Igreja é não
discriminar, mas unir a todos em torno do essencial.
Nós estranhamos essa resistência dos primeiros
cristãos frente aos pagãos. Mas eles não eram culpados por essa tacanhice
mental, eram somente vítimas de um modo de pensar exclusivista, comum na época.
Foi o Espírito que subverteu esses esquemas ditados
por supostos privilégios raciais. Ele desceu sobre os pagãos antes mesmo que
eles recebessem o batismo. O seu dinamismo foi irresistível e testemunhou a liberdade
do amor sem condições de Deus que alcança também aquele que não pertence à
Igreja como instituição. Não existem privilégios.
Embora Pedro fosse o primeiro a abrir as portas da
Igreja para os pagãos, é preciso registrar que foram os pagãos evangelizados
por Paulo que fizeram a Igreja crescer. Tanto o grupo de Pedro quanto o de
Tiago acabaram não vingando por causa da perseguição movida pelos judeus; Sem
Paulo, o grande missionário dos pagãos, talvez o movimento de Jesus não tivesse
vingado. Nós todos somos filhos espirituais de Paulo.
Segunda leitura (1Jo 4,7-10)
Geralmente os filhos se assemelham aos pais sob
muitos aspectos de tal modo que as pessoas comentam: “Tal pai, tal filho”.
A primeira parte da leitura de hoje retoma essa
comparação (vv.7-80) para dizer que o mandamento do amor não é uma lei externa
imposta por Deus aos homens, mas uma manifestação externa da nossa realidade
interior, isto é, do fato que somos gerados por Deus. Se somos seus filhos,
devemos ser semelhantes a ele.
Mas como será Deu? Há muitas definições.
Cada religião tem a sua. “O Ser”, “o fundamento da Existência”, “A Vida”, ou
segundo 1Jo 4,8: Deus é amor. Onde quer que haja verdadeiro amor, Deus aí
está. Os judeus no tempo de Jesus pensavam que Deus era um juiz que
castigava ou recompensava, conforme o comportamento dos homens.
Já S. João, na sua carta ensina que Deus é amor, e
todo aquele que ama é gerado por Deus e conhece a Deus, independente de raça ou
religião: todos aqueles que amam e se sacrificam pelo ser humano, são nossos
irmãos e filhos do único Pai.
Convém lembrar por oportuno o que disse Edith
Stein, judia convertida ao catolicismo, morta no campo de concentração nazista
e canonizada por João Paulo II: “todos os que procuram sinceramente a verdade,
mesmo os agnósticos ou ateus, estão no caminho de Cristo”.
Outra: Segundo Isaías, o amor de Deus é
incondicional, quer sejamos bons ou maus. Nada podemos fazer para aumentar o
amor de Deus por nós e nada para diminuí-lo.
Amar, segundo a bíblia, não é sentimento, é fazer
algo de concreto, sem interesse.
Evangelho (Jo 15,9-17)
Os judeus eram legalistas: para eles a salvação
dependia da observância da Lei. Para cercar o pecado por todos os lados eles
haviam “dissecado” os 10 mandamentos em 613 prescrições e proibições. A
religião se tornava um peso; se já era difícil conhecer todas as prescrições e
proibições, imaginem então observá-las. Era a religião do medo e do interesse:
quem não observasse todas essas leis deveria esperar o castigo, já os que
conseguissem observá-las todas podiam contar com a bênção de Deus e a
justificação e não precisavam pedir perdão, eram até credores de Deus.
Esta religião é invenção humana que pretende
neutralizar um Deus castigador que não existe e canalizar a benevolência divina
a favor do homem. É religião alienante, ópio do povo!
Segundo Mateus 11,28 Jesus considerou essa
“multiplicação” um exagero. Um dia, perguntado sobre o que era preciso para
herdar a vida eterna, Jesus citou apenas seis preceitos. Num outro dia,
solicitado a indicar o primeiro dos mandamentos, Jesus reduziu toda a lei ao
amor a Deus e ao próximo (Mc 12,29-31). Portanto dos 613 ele passa
para seis, depois para dois. Mais: No fim da vida, após a última ceia, ele
disse aos seus discípulos: “Eu vos dou um mandamento novo: que vos ameis uns
aos outros, como eu vos tenho amado e, portanto, amai-vos também uns aos
outros. Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos
outros” (Jo 13,34-35).
Ao encaminhar-se para o monte das Oliveiras Jesus
fala simplesmente: “Este é o meu mandamento... como se se
tratasse de um só.
Jesus tinha uma interpretação humanista da Lei: A
Lei é para o homem e não o homem para a Lei. “O sábado é para o homem e não o
homem para o sábado”. Mais do que um homem religioso, praticante de devoções,
Jesus era um humanista com uma experiência excepcional de Deus. Quando os
discípulos foram colher espigas no sábado Jesus os defendeu porque estavam com
fome; quanto ao jejum que os fariseus praticavam duas vezes por semana, Jesus
disse que jejum tem hora (quando o noivo, ele, estiver ausente); quando os
discípulos não lavavam as mãos antes de comer (eram pessoas rudes do interior),
Jesus os defendeu dizendo que o que contamina o homem não é o que entra mas o
que sai...
Para Jesus os mandamentos se resumem num só: o amor
ao ser humano. Esta é a única maneira de que dispomos para manifestar a Deus o
nosso amor: “Quem não ama o irmão a quem vê, como pode amar a Deus a quem não
vê? (1Jo 4,2). Ensina S. Paulo: quem ama o irmão cumpriu toda a
lei, “toda a lei, de fato, encontra a sua plenitude num só preceito: ama teu
próximo como a ti mesmo” (Gl 5,15; Rm 13,8-10).
É verdade: os mandamentos são muitos, mas é
importante sublinhar que os mesmos são especificações de um único mandamento,
aquele mesmo que Jesus praticou com perfeição: o amor ao homem. O amor ao ser
humano deve ser sempre o ponto de referência em todas as escolhas morais, todas
as disposições, todas as leis. Se há alguma norma que não leve em conta o bem
do homem, ela perde o seu valor: “O sábado é para o homem, não o homem para o
sábado” (Mc 2,27).
O mandamento: “amai-vos como eu vos amei” exige uma
comunhão pessoal com Jesus, para que o amor de Jesus continue nos discípulos.
Não basta dizer: “Senhor, Senhor...” É preciso que cada cristão diga de
coração, com a força do Espírito Santo: Jesus é meu Senhor. É uma afirmação
muito grave porque evolve toda a vida do cristão, por isso São Paulo diz que
para proclamar Jesus como senhor pessoal é só com a força do Espírito Santo.
Há duas palavras que sumiram do vocabulário e da
espiritualidade cristã: seguimento e discipulado. E
no entanto o seguimento é a chave e a síntese da existência cristã. Jesus nunca
pediu adoração mas sempre seguimento. Deus não é carente: ele não
precisa dos nossos sacrifícios e dos nossos incensos. A sua glória não aumenta
quando nos prostramos, temerosos, diante da sua infinita majestade, mas sim,
quando fazemos com que sua ternura se torne presente no mundo. Convenhamos: é
mais fácil adorar, sobretudo se a adoração não levar a nenhum compromisso, do
que seguir a Jesus e prolongar no hoje o seu serviço aos pobres e a sua
profecia.
O documento de Aparecida proclamou os cristãos de
“discípulos e missionários”. Mas para ser discípulo e missionário de Jesus, é
preciso ter uma experiência de Deus e mais uma vez estar em comunhão com Jesus.
Porque evangelizar não significa fazer palestras ou conferências; é preciso,
além de uma vida exemplar passar adiante uma experiência, senão o discurso não
pega, não contagia. Também padres e bispos para serem evangelizadores e não
apenas funcionários do sagrado precisam ter uma experiência de Deus para falar
com unção...
Uma última observação. Encontra-se muito difundida
a ideia de que a observância dos mandamentos exija a renúncia a tudo aquilo que
é bonito, agradável, e que nos torna felizes. Temos medo de deixar Cristo
entrar em nossa vida, porque pensamos que ele promete, sim ele promete, a
felicidade aos seus discípulos, mas somente no outro mundo. Nesta existência
ele nos convocaria somente para o sofrimento, para os sacrifícios, a fim de
acumular merecimentos para o céu.
Esta é uma deformação da mensagem evangélica.
Dando-nos o seu “mandamento” ele nos aponta o caminho da verdadeira alegria,
que, é evidente, atingirá a sua plenitude quando estivermos com ele na casa do
Pai, mas que já começa e aumenta cada dia mais, nesta terra.
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