O RESSUSCITADO: VIDA DA COMUNIDADE CRISTÃ
Primeira leitura (At 4,32-35)
Algum tempo após a sexta-feira da paixão (dias,
semanas? Não sabemos...) os discípulos, que se haviam dispersado, voltaram a se
reunir porque tiveram um “encontro” com o Ressuscitado. Nada viram nem ouviram
porque o ressuscitado tem um corpo “espiritual” que não é visível e não fala.
Foi uma experiência interior que os evangelistas descrevem
como um “encontro” porque não tinham outra palavra para descrever esta
experiência.
A partir dessa experiência começaram a anunciar que
Jesus estava vivo. Sua pregação era convincente por duas razões: a coragem com
que anunciavam a ressurreição num mundo hostil, e a transformação da vida dos
discípulos que mudaram da água para o vinho. Formavam uma comunidade onde
reinava “um só coração e uma só alma” e ninguém dizia que eram suas as coisas
que possuía, mas tudo entre eles era comum.
Tanto os judeus como os pagãos eram obrigados a se
colocar diante desta pergunta: “Qual é a origem de uma vida tão
extraordinária”? A resposta unânime dos discípulos era: "Nós vivemos
assim, porque Cristo ressuscitou”.
E como podemos nós hoje provar que Jesus
ressuscitou? Da mesma maneira que os apóstolos: sermos discípulos de Jesus e
termos a coragem de ser diferentes da sociedade gananciosa, consumista e
hedonista. Pelo contrário, sermos fraternos, solidários e desapegados, enfim
viver no hoje o ideal de vida humana que Jesus ensinou.
Segunda leitura (1Jo 5,1-6)
O tema central desse texto maravilhoso é o amor ao
irmão e poderia ser resumido assim: “Irmãos amemo-nos uns aos outros, por que
quem ama é gerado por Deus”.
O fragmento de hoje parece ser dirigido exatamente
aos cristãos recém-batizados durante a noite de Páscoa: vós recebestes agora a
vida de Deus. Esta vida não pode ser vista, mas existe um sinal que revela sua
presença: as obras de amor em favor de todos aqueles que foram gerados por
Deus, isto é, em favor de todos os irmãos (v.1).
Não pode haver um fundamento mais sólido para o
amor a todo ser humano do que o fato que todos somos filhos de um único Pai.
Evangelho (Jo 20,19-31)
No evangelho são narradas duas aparições do
Ressuscitado. Na primeira (vv. 19-23) Jesus comunica aos apóstolos o seu
Espírito e o poder de perdoar os pecados. Na segunda (vv.24-31) ele narra o
famoso episódio de Tomé .As duas aparições acontecem num “domingo”, às mesmas
pessoas (um a mais, um a menos), com as mesmas palavras do Senhor: “A paz
esteja convosco”.
Os
discípulos estão reunidos em casa para a assembleia semanal da
comunidade cristã. É esta a hora durante a qual Jesus se manifesta vivo aos
discípulos. Quem não se encontra com a comunidade reunida, não encontra o
Ressuscitado (vv. 24-25) (Tomé não estava presente...); não pôde ouvir a sua
saudação e a sua palavra, não pôde receber a sua paz (vv. 19.26), não prova da
sua alegria (v. 20), não recebe o seu Espírito (v. 22).
Também
para nós hoje se torna possível passar pela experiência que os apóstolos
tiveram no dia da Páscoa e oito dias após. De que forma? Participando da
assembleia comunitária (eucaristia). É ali que Jesus marca para todos os seus
discípulos o encontro semanal... (“Onde dois ou três estiverem
reunidos em meu nome, eu estarei no meio deles”).
Passemos
agora ao episódio de Tomé. Coitado dele! Tornou-se tristemente famoso por causa
de sua dúvida. Veio a ser o símbolo das dificuldades que todo discípulo
encontra e encontrará sempre para acreditar na ressurreição de Jesus. Alguns
dizem: “Eu sou como S. Tomé: só acredito vendo”. Coitados também eles e
ignorantes! Não sabem o que estão dizendo.
Na
verdade, não foi só Tomé que duvidou. Também os outros apóstolos não aderiram
nem rápida nem facilmente à fé no ressuscitado; é só pensar que, na última
página do seu evangelho, Mateus conta que quando Jesus lhes apareceu na
montanha da Galiléia (portanto muito tempo depois das aparições de Jerusalém),
“alguns ainda duvidavam” (28,17). Para eles, também, portanto, a fé foi uma
conquista difícil, embora o Ressuscitado lhes dado muitos “sinais” de que
estava vivo e que tinha entrado na glória do Pai.
João
escreve a cristãos que pensam que as testemunhas oculares (os apóstolos)
estariam num plano superior aos que não viram pessoalmente o Senhor. Narrando o
episódio de Tomé, ele explica que o ressuscitado tem uma vida que foge aos
sentidos, uma vida que não pode ser tocada com as mãos ou vista com os olhos.
Somente pode ser objeto de fé.
A
nova maneira de existir de Jesus já não permite conhecê-lo segundo a carne,
isto é, com os sentidos. Não é mais um homem terrestre (“Estando trancadas as
portas do lugar onde estavam reunidos, Jesus se pôs no meio deles...”).
Na
verdade, tudo indica que os dez apóstolos tiveram uma experiência real,
mas provavelmente mais mística do que aquela que Tomé exigia. Ele
queria uma experiência extraordinária, de ordem física...Jesus já havia
condenado a exigência de um sinal extraordinário para crer. Aos seus
adversários que pediam um sinal do céu para então crer nele, ele disse: “Esta
geração perversa pede sinais, mas não lhes será dado outro
sinal senão o do profeta Jonas...”
Não
se pode ter fé naquilo que se vê. Não se podem fornecer provas científicas da
Ressurreição. A história universal nada sabe a respeito da Ressurreição de
Jesus. Se alguém quer ver, constatar, tocar, deve renunciar à fé.
Se
Tomé viu a Jesus com os olhos físicos então ele não creu. Por isso
João põe na boca de Jesus as palavras: “Felizes os que não viram e
creram”. Por isso também nós, como os apóstolos o foram, somos bem-aventurados.
O
relato do episódio “Tomé” como de outros relatos que falam de um contato físico
de Jesus com discípulos são expedientes literários para convencer os leitores
de que Jesus Ressuscitado não era um fantasma, mas o mesmo de antes da
páscoa.
O
caminho que todos os discípulos são chamados a percorrer é descrito por João no
final do trecho de hoje: “Fez Jesus, na presença dos seus discípulos ainda
outros sinais que não estão escritos neste livro. Mas estes foram escritos para
que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais
a vida em seu nome” (vv.30.31).
Aí
está a única prova que é apresentada para quem procura razões para acreditar: o
próprio Evangelho. Ali ressoa a palavra de Cristo, ali refulge a sua
pessoa.
Para
entender isto, é bom lembrar tudo o que Jesus diz na parábola do Bom Pastor:
“As minhas ovelhas reconhecem a minha voz” (Jo 10,4-5.27). Não
acontecem aparições! No Evangelho ouve-se a voz do Pastor e, para as ovelhas
que lhe pertencem, o som da sua voz é suficiente para reconhecê-lo e seguir
atrás dele.
A
profissão de fé que João coloca na boca de Tomé é colocada e acontece no
momento histórico no qual ela foi proferida. Nos anos 90 reinava em Roma,
Domiciano que se fazia passar por Deus. As leis emanadas em seu nome começavam
assim: “Domiciano, o nosso senhor e o nosso deus, ordena que...”
Os
cristãos protestavam contra esta divinização. Daí a profissão de fé de Tomé
dirigida a Jesus: “Meu Senhor e meu Deus”. É uma
profissão de fé, bem pessoal que nós somos convidados a fazer nossa neste
domingo na hora da comunhão.
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