O JUÍZO DE DEUS
Primeira Leitura (2Cr 36.14-16.19-23)
Os antigos pensavam que Deus concederia as suas
bênçãos (saúde, sorte, boas colheitas, família numerosa etc.) àqueles que
observassem os mandamentos, e que enviaria infortúnios a quem não obedecesse.
Ilusão! Era uma religião criada pelo homem, baseada no medo e no interesse.
Religião primitiva e alienante. “Ópio do povo”! Mas que Deus seria este, tão
suscetível e melindroso que se exaspera como se fosse um homem, que se comporta
como se fosse um contador que toma nota dos débitos e créditos e no fim,
acertando friamente as contas, e castigaria quem merece?
Também na bíblia encontramos esta ideia. Os
israelitas quando voltaram do exílio por favor do rei Ciro dos persas,
continuavam se perguntando porque Deus havia submetido o povo ao exílio. De
certo pensavam que era por causa dos pecados do povo .Na verdade não era,
porque Deus não castiga. O Exílio aconteceu por causa da incompetência dos
líderes políticos e religiosos de Israel. A história sempre é obra humana. O
que o autor com sua linguagem antiquada nos apresenta como um castigo de Deus
não é outra coisa senão aquilo que acontece automaticamente ao homem sempre que
envereda pelo caminho do pecado; provoca a ruína de si mesmo e dos outros. Já
citei o grande doutor da Igreja Tomás de Aquino: “O pecado não ofende a Deus
senão na medida em que age contra o nosso próprio bem e do próximo”
Segunda leitura Ef 2,4-10)
O segundo capítulo desta carta começa apresentando,
com expressões dramáticas, a situação do homem pecador, provocando a própria
ruína e a própria infelicidade. (v.1-3)
O homem não consegue sair dessa situação desesperadora.
Deus, porém, rico de amor e misericórdia, intervém para libertá-lo;
ressuscita-o com Cristo para uma vida nova (vv.4-7).
Esta salvação não é mérito do homem; trata-se de um
dom completamente gratuito do Pai. Se é verdade que não é o homem a
causa da sua salvação pelas suas boas obras, da mesma forma, porém, é verdade
que estas são uma resposta necessária ao amor de Deus; são elas os sinais que
revelam que a graça de Deus conseguiu penetrar e produzir frutos no coração do
homem (v.10).
Evangelho (Jo 3,14-21)
O evangelho refere a caminhada do povo hebreu
saindo do Egito e indo para a Terra Prometida. A viagem era árdua, faltavam
alimento e água, fazia um calor insuportável e para piorar ainda mais
apareceram serpentes venenosas que mordiam e matavam o povo.
Moisés clamou a Deus que mandou fazer uma serpente
de bronze e erguê-la num poste, quem olhasse para ela seria
curado. Fato estranho, resto de idolatria egípcia. Mas a cura não
vinha da serpente, mas da fé na palavra de Deus. A palavra de Deus era um
desafio: era preciso acreditar contra toda a lógica. (É oportuno lembrar que a
serpente é o símbolo da medicina: ela mata e cura. O próprio veneno em dose
mínima cura...)
Jesus se refere a esse episódio e o interpreta como
um símbolo daquilo que está para lhe acontecer. Ele também será elevado na
cruz, e todos aqueles que o contemplarem encontrarão a salvação para a sua
vida. Mas bastará para o pecador um simples olhar para o crucifixo
para se salvar? Não, não pode ser assim. Nem mesmo a serpente de bronze tinha
tais poderes mágicos para salvar dessa forma.
Olhar para Jesus “levantado” quer dizer, acreditar
nele (v.15), isto é, aceitar com fé a mensagem
que ele, do alto da cruz, dirige para todos os homens. Com o seu supremo
gesto de amor ele declara que a única maneira de realizar a própria vida é a de
doá-la por amor, como ele fez. Crer não quer dizer pronunciar com os
lábios as fórmulas do Credo, mas identificar a própria vida com a de Cristo,
isto é, vivê-la a serviço do próximo. Este é o único caminho para conseguir a
salvação.
A segunda parte do evangelho diz que Deus tanto
amou o mundo que lhe deu seu próprio Filho e este não veio para julgar o mundo,
mas para salvá-lo; quem, porém, não crê, já está condenado.
Estas palavras nos obrigam a modificar a nossa
idéia do juízo de Deus. Falaram para nós na catequese que no fim do mundo Deus
reunirá todo mundo diante de seu tribunal. Em seguida pedirá aos seus anjos que
tragam os livros de “contabilidade” e pesará até os mínimos detalhes tudo o que
o homem tiver feito. Por fim, pronunciará a sentença, da qual ninguém poderá
apelar. É assim que pensavam os rabinos no tempo de Jesus e até hoje pensam os
muçulmanos, e, também muitos cristãos...
Mateus que escreve para judeus se serve desta
figura da “prestação de contas”. Mateus quer dizer que toda escolha do homem
deve ser tomada com muita seriedade, porque traz conseqüências que se prolongam
na eternidade.
Mas seria ingenuidade e perigoso tomar ao pé da
letra e considerar como apontamentos de doutrina as figuras usadas por ele e
que são extraídas da experiência dos nossos tribunais humanos
Seria perigoso porque deformaria gravemente a
imagem de Deus, que já não seria mais um pai que ama os bons e os maus, como
Jesus ensinou (Mt 5,45), mas um juiz terrivelmente cruel e sem coração.
O Evangelho de João, ao contrário, nos apresenta o
“julgamento de Deus” com uma linguagem bem diferente e mais compreensível para
o homem dos nossos dias.
Ele não fala de um “juízo final”, que teria lugar
no fim da história da humanidade, mas de um juízo que acontece agora. No trecho
que acabamos de ler, Jesus simplesmente exclui que Deus julgue o homem (v.17;
cf. Jo 12,46-s). Ele quer que o homem, que todos os homens se salvem. O
julgamento não é pronunciado por Deus, mas pela escolha que cada um faz diante
da luz de Cristo. Diante do exemplo de Cristo é preciso definir-se por um “sim”
ou por um “não”.
O juízo, portanto, não terá lugar no fim do mundo.
É hoje, é agora, é a cada instante que o homem se salva por sua adesão a Cristo
“erguido” ou se condena pela sua recusa à proposta da cruz.
Mas não basta olhar para o crucificado ou beijar o
Senhor morto na sexta-feira Santa. É preciso empenhar-se para tirar os
crucificados da cruz e impedir que outros sejam crucificados. A não se assim a
cruz passa a ser apenas um símbolo cultural ou até um enfeite.
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