Á LIMITE PARA O PERDÃO?
Primeira leitura
(Eclo 27,33-28,9)
Todos os homens se sentem vítimas de alguma
injustiça e instintivamente têm a tendência de reagir de forma agressiva contra
os responsáveis. Daqui nascem a ira, o rancor, a vingança, o ódio. O problema
que se apresenta é o seguinte: ao darmos livre vazão a estes sentimentos,
repara-se a injustiça ou agrava-se o mal?
Ao longo da história os homens deram várias
respostas a estas perguntas.
No passado o método para compensar as injustiças
recebidas e para desencorajar alguém de praticar outras era muito rápido e
radical; praticava-se a vingança com a maior violência possível: pagava-se o
mal com excesso.
Um exemplo famoso desta vingança sem limites é o de
Lamec, o filho de Caim que ia repetindo: “Eu mato a quem me arranhou! Mato uma
criança que me pisa no pé! Caim será vingado sete vezes, Lamec
setenta vezes sete!”(Gn 4,23-24).
Um grande progresso com relação a esta forma brutal
de comportamento é a famosa lei “olho por olho, dente por dente, ferida por
ferida” (Ex 21,24), importada do código de Hamurabi, que é
erroneamente interpretada como incitação à vingança.
Já o Antigo Testamento dá mais um passo adiante:
ensina que é necessário ir além da simples justiça e abrir o
coração a sentimentos de misericórdia. O perdão das ofensas é
uma condição indispensável para poder rezar e obter o perdão de Deus: “Se
alguém conservar rancor no seu coração contra outro homem, como se animará a
pedir graças a Deus?” (Eclo28,3). A mesma lógica se encontra no Pai
Nosso: “perdoai-nos assim como nós perdoamos...”
Segunda leitura (Rm 14,7-9)
No capítulo 14 da Carta aos Romanos, Paulo enfrente
um problema que sempre é atual: como resolver as divergências entre os membros
da comunidade cristã.
Havia em Roma dois grupos de cristãos: alguns que
Paulo chama de “fracos”, eram conservadores, apegados às tradições
dos antigos, observavam os dias de jejum, praticavam mortificações,
abstinham-se de alguns tipos de carne, apegados a ritos e devoções: e de outro
lado, os “fortes” que achavam que religião é praticar a solidariedade, a
compaixão e a ajuda aos pobres, o resto não tem valor perante Deus.
Por causa destes contrastes entre “conservadores” e
“progressistas”, havia várias tensões na comunidade. Os primeiros diziam que os
outros eram relaxados, permissivos, e pouco virtuosos. Já os “fortes” diziam
que os primeiros eram antiquados, retardados mentais, que ainda não haviam
entendido nada do evangelho.
Para resolver o problema, Paulo, que pertence ao
grupo dos “fortes”, pede tolerância e respeito de uns para com os
outros, pois que cada um tem o direito de viver a sua fé de modo próprio,
sempre no respeito à lei fundamental: “amar o próximo como a si mesmo” (Rm 13,9: Gl 5,14),
lembrando que “amar” na Bíblia significa sempre fazer algo de concreto. Quem
não entendeu isto ainda não está evangelizado.
Evangelho (Mt 18,21-25)
Já vimos na primeira leitura que houve na
convivência humana uma passagem da vingança sem limites para o perdão. Mas os
líderes religiosos em Israel restringiam a obrigação do perdão aos membros do
povo de Israel e não era ilimitada.
Quantas vezes perdoar a própria mulher ou o próprio
irmão? Havia um acordo em torno de 3 vezes, na quarta vez teria que
haver punição.
Os discípulos queriam saber a opinião do Mestre.
Pedro, sabendo que o número 7 na Bíblia indica a totalidade, arrisca: “Por
acaso o Mestre vai dizer que é preciso perdoar sempre?” Jesus é categórico: “Eu
não te digo que deverás perdoar até sete vezes, mas setenta vezes sete, ou
seja, sempre” (sem exceção).
Diante da surpresa dos discípulos, Jesus conta uma
parábola. A um certo homem é perdoada uma grande dívida (dez mil talentos).
Nesse mesmo dia esse desgraçado e desalmado encontra um seu companheiro que lhe
deve cem moedas de prata. Ele o agride e o agarra pelo pescoço. Uma safadeza! O
patrão toma conhecimento e ... a conclusão é para assustar!
O que quer dizer esta parábola? Será que Deus, de
fato, no fim “perderá a paciência?
O interesse de Jesus é destacar um fato: a
enorme distância que existe entre o coração de Deus e o coração humano
Dez mil talentos constituem uma soma imensa: 1
talento = 35 quilos de ouro. Multiplicado por dez mil dá uma soma fabulosa que
nem o Joesley Batista da JBS conseguiria pagar (Estamos em 2017 presenciando o
escândalo da JBS...). Mas a misericórdia de Deus é infinita.
Em contraste com a sua bondade inesgotável, há ao
invés, a mesquinhez e a ingratidão daquele outro empregado que não foi capaz de
perdoar cem moedas de prata (cerca de 3 salários mínimos).
O ensinamento da parábola, portanto, é o seguinte:
os cristãos são filhos de Deus. Também no que se refere ao perdão das ofensas
eles devem se assemelhar ao Pai que está nos céus. Devem ter um coração grande
como o dele; devem manifestar um amor sem limites.
Há três tipos de homens: os que recebem o bem e
reagem fazendo o mal, são os malvados; há os que pagam o bem com o bem e o mal
com o mal, são “os justos”; por fim há os que respondem ao mal com o bem, estes
recebem o título de “ filhos do Altíssimo”. Peçamos a graça de
um perdão generoso, porque quanto mais generoso o perdão tanto mais libertador.
Não é fácil explicar o que signifique realmente
“perdoar”. O perdão de Deus não é uma passada de esponja que apaga o que
aconteceu. Deus não cobre com um manto as coisas mal feitas dos homens, Deus
não fecha os olhos fingindo não ter visto o que aconteceu. Isto não é perdão.
Não se cura um aleijado, dando-lhe um manto para cobrir os membros deformados.
É preciso reparar.
Deus manifesta a sua misericórdia, realiza o seu
perdão quando transforma o homem e o conduz à conversão, quando provoca uma
mudança interior, quando do egoísmo o conduz ao amor efetivo e a atitudes
dignas dos filhos de Deus.
Para nós também perdoar quer dizer, sem dúvida,
abrir o coração para acolher quem errou, quer dizer disponibilidade para não
conservar rancor contra quem nos causou contrariedades, mas quer dizer também
uma conversão do que errou, e ajudá-lo para que ele recomece a construir
novamente a sua vida. Sem reconhecimento de culpa o perdão não é possível, nem
por parte de Deus.
A parábola se encerra com uma cena dramática, onde
o patrão perde a paciência: “E o Senhor encolerizado, entregou o empregado
desalmado aos algozes, até que pagasse toda a sua dívida. Assim vos tratará meu
Pai celeste, se cada um de vós não perdoar a seu irmão de todo seu coração”.
Esta frase não é de Jesus, Mateus a emprestou dos
pregadores do seu tempo que praticavam o terrorismo pastoral para assustar os
pecadores. Associar a vingança a Deus é falar de Deus, é fazer de Deus um
ídolo.
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