O RESSUSCITADO: VIDA DA COMUNIDADE PASCAL
Primeira leitura (At 2,42-47)
Tudo começa com a catequese dos
apóstolos. Ela faz memória do que Jesus disse e fez a respeito de como
queria a sociedade. A catequese, por sua vez, provoca mudança de relações
sociais em nível político e econômico: o poder é substituído pela fraternidade
(comunhão fraterna) e o acúmulo pela partilha dos bens que, aliás,
era praticada em Nazaré onde Jesus nasceu e cresceu. Os apóstolos frequentam o
templo, mas celebram a Eucaristia (Fração do pão) nas casas, fazendo-a
preceder por uma refeição em comum, onde tudo é de todos e para todos. Enfim,
a oração de louvor (v.47a) pelos frutos que a sociedade
fraterna e igualitária começa a produzir.
A experiência da comunidade de
Jerusalém em relação à comunhão de bens não pode ser aplicada literalmente nas
comunidades de hoje. Todavia, o desapego dos bens deste mundo continua sendo
uma exigência para todos os cristãos. No entanto, é bom lembrar que as
congregações religiosas, como nós dehonianos, praticam a caixa comum: tudo o
que recebem é entregue ao superior que provê às necessidades dos membros.
Quanto à catequese é importante lembrar
que também nos nossos dias a escuta da palavra de Deus deve ser o único e
sólido fundamento sobre o qual se apoia a fé das nossas comunidades (cf. Rm.
10,14-17). As emoções religiosas, as sensações efêmeras, as “revelações”
pessoais outra coisa não são senão expedientes fracos e no fim ilusórios.
Segunda Leitura(1Pd1,3-9)
É parte de uma homilia dirigida aos recém-batizados na noite de páscoa. O pregador se emociona diante dos novos filhos de Deus que ele chama diversas vezes de “caríssimos”. Lembra aos neófitos que foram “regenerados não por uma semente corruptível, mas mortal, isto é, pela palavra de Deus viva e eterna” (1Pd 1,23), e expõe as consequências morais que este novo nascimento comporta (cf. próximos domingos).
No trecho deste domingo o autor convida
os recém-batizados a refletir sobre a nova vida que Deus lhes infundiu no Batismo.
Esta vida não pode ser experimentada com os sentidos, mas nem por isso ela é
menos verdadeira (vv.3-5).
A última parte da leitura prepara a
mensagem do Evangelho deste dia. Pedro diz aos cristãos: “Vós amais a Cristo
embora não o tenhais visto; e agora, sem vê-lo, continuai acreditando nele”
(v.8). Parecem palavras dirigidas a nós hoje!
Evangelho (Jo.20,19-31)
No evangelho são narradas duas aparições do Ressuscitado. Na primeira (vv. 19-23) Jesus comunica aos apóstolos o seu Espírito e o poder de perdoar os pecados. Na segunda (vv.24-31) ele narra o famoso episódio de Tomé.
As duas aparições acontecem num “domingo”,
às mesmas pessoas (um a mais, um a menos), com as mesmas palavras do Senhor: “A
paz esteja convosco”.
Os discípulos estão reunidos em
casa para a assembleia semanal da comunidade cristã. É esta a hora
durante a qual Jesus se manifesta vivo aos discípulos. Quem não se encontra com
a comunidade reunida, não encontra o Ressuscitado (vv. 24-25) (Tomé não estava
presente...); não pode ouvir a sua saudação e a sua palavra, não pode receber a
sua paz (vv. 19.26), não prova da sua alegria (v. 20), não recebe o seu
Espírito (v. 22).
Também para nós hoje se torna
possível passar pela experiência que os apóstolos tiveram no dia da Páscoa e
oito dias após. De que forma? Participando da assembleia comunitária
(eucaristia). É ali que Jesus marca para todos os seus discípulos o encontro
semanal... (“Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu
estarei no meio deles”).
Passemos agora ao episódio de Tomé.
Coitado dele! Tornou-se tristemente famoso por causa de sua dúvida. Veio a ser
o símbolo das dificuldades que todo discípulo encontra e encontrará sempre para
acreditar na ressurreição de Jesus. Alguns dizem: “Eu sou como S. Tomé: só
acredito vendo”. Coitados também eles e ignorantes! Não sabem o que estão
dizendo.
Na verdade, não foi só Tomé que
duvidou. Também os outros apóstolos não aderiram nem rápida nem facilmente à fé
no ressuscitado; é só pensar que, na última página do seu evangelho, Mateus
conta que quando Jesus lhes apareceu na montanha da Galiléia (portanto muito
tempo depois das aparições de Jerusalém), “alguns ainda duvidavam”. (28,17).
Para eles, também, portanto, a fé foi uma conquista difícil, embora o
Ressuscitado lhes dado muitos “sinais” de que estava vivo e que tinha
entrado na glória do Pai.
João escreve a cristãos que pensam
que as testemunhas oculares (os apóstolos) estariam num plano superior aos que
não viram pessoalmente o Senhor. Narrando o episódio de Tomé, ele explica que o
ressuscitado tem uma vida que foge aos sentidos, uma vida que não pode ser
tocada com as mãos ou vista com os olhos. Somente pode ser objeto de fé.
A nova maneira de existir de
Jesus já não permite conhecê-lo segundo a carne, isto é, com os sentidos.
Não é mais um homem terrestre (“Estando trancadas as portas do lugar onde
estavam reunidos, Jesus se pôs nomeio deles...).
Na verdade, tudo indica que os dez
apóstolos tiveram uma experiência real, mas provavelmente mais mística do
aquela que Tomé exigia. Ele queria uma experiência extraordinária, de ordem
física...Jesus já havia condenado a exigência de um sinal extraordinário para
crer. Aos seus adversários que pediam um sinal do céu para então crer nele, ele
disse: “Esta geração perversa pede sinais ,mas não lhes será
dado outro sinal senão o do profeta Jonas...”
Não se pode ter fé naquilo que se vê.
Não se podem fornecer provas científicas da Ressurreição. A história universal
nada sabe a respeito da Ressurreição de Jesus. Se alguém quer ver, constatar,
tocar, deve renunciar à fé.
Se Tomé viu a Jesus com os olhos
físicos então ele não creu. Por isso João põe na boca de Jesus as
palavras: “Felizes os que não viram e creram”. Por isso também nós, como
os apóstolos o foram, somos bem-aventurados.
O relato do episódio “Tomé” como de
outros relatos que falam de um contato físico de Jesus com discípulos são
expedientes literários para convencer os leitores de que Jesus Ressuscitado não
era um fantasma, mas o mesmo de antes da páscoa.
O caminho que todos os discípulos são
chamados a percorrer é descrito por João no final do trecho de hoje: “Fez
Jesus, na presença dos seus discípulos ainda outros sinais que não estão
escritos neste livro. Mas estes foram escritos para que creiais que Jesus é o
Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais a vida em seu nome”
(vv.30.31).
Aí está a única prova que é
apresentada para quem procura razões para acreditar: o próprio Evangelho. Ali
ressoa a palavra de Cristo, ali refulge a sua pessoa.
Para entender isto, é bom lembrar
tudo o que Jesus diz na parábola do Bom Pastor: “As minhas ovelhas reconhecem a
minha voz” (Jo. 10,4-5.27). Não acontecem aparições! No Evangelho
ouve-se a voz do Pastor e, para as ovelhas que lhe pertencem, o som da sua voz
é suficiente para reconhecê-lo e seguir atrás dele.
A profissão de fé que João coloca na
boca de Tomé é colocada e acontece no momento histórico na qual ela foi
proferida. Nos anos 90 reinava em Roma, Domiciano que se fazia passar por Deus.
As leis emanadas em seu nome começavam assim: “Domiciano, o nosso senhor e o
nosso deus, ordena que...”
Os cristãos protestavam contra esta
divinização. Daí a profissão de fé de Tomé dirigida a Jesus: “ Meu Senhor
e meu Deus”. É uma profissão de fé bem pessoal que nós
somos convidados a fazer nossa neste domingo na hora da comunhão.
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