Primeiro Domingo da Quaresma – Ano C




A LIBERTAÇÃO É DOM DE DEUS E CONQUISTA DAS PESSOAS

Primeira leitura (Dt 26,4-10)

Os israelitas tinham o venerável costume de oferecer a Deus as primícias (primeiros frutos) das colheitas. Enquanto o sacerdote recebia o cesto, o piedoso israelita fazia a sua profissão de fé, recordando os principais acontecimentos da história do seu povo. Dizia: “Meu pai, Jacó, era um arameu errante...”
Com esta cerimônia e com estas palavras os israelitas proclamavam a fidelidade de Deus às suas promessas e reconheciam que a vida deles dependia totalmente da sua generosidade: tudo o que possuíam era um presente de Deus. Os frutos oferecidos eram ofertados aos levitas, aos estrangeiros, aos órfãos e às viúvas. A festa só era considerada bem sucedida e agradável a Deus depois que todos estes tivessem sido saciados.
Este texto do deuteronômio nos lembra que não é suficiente a profissão de fé, não é suficiente uma religião constituída de ritos, de belos cânticos, de palavras bonitas: é preciso que, como resultado das nossas orações, os pobres possam alegra-se.

Segunda leitura (Rm 10, 8-13)

Da mesma forma que o agricultor fazia a sua profissão de fé ao entregar as primícias, também o cristão, ensina Paulo é chamado a anunciar a todos os homens o sinal mais sublime da benevolência de Deus, a maior obra de salvação cumprida por ele: a ressurreição de Jesus. A fé neste Deus que veio ao encontro dos homens deve ser proclamada de duas formas: com o coração e com os lábios.
“Com o coração” quer dizer com a vida. A fé em Cristo deve produzir uma vida completamente nova. O apóstolo, porém, ensina que a fé também deve ser manifestada “com os lábios”, pois o “Creio”, pronunciado junto com os irmãos, torna possível unir a própria voz às vozes deles. Quem tem consciência de pertencer a um povo de fiéis e manifesta, também externamente, por meio de sinais, de gestos, de palavras, esta sua realidade, sente-se mais estimulado a seguir a Cristo.

Evangelho (Lc 4,1-13)
O evangelho de hoje que fala das tentações de Jesus não é um crônica fiel, redigida por uma testemunha ocular, do confronto entre Jesus e o diabo(nem Lucas nem qualquer outro esteve presente!). É uma narração simbólica que constitui uma lição de catequese e quer ensinar-nos que Jesus foi submetido à prova não com três, mas  “com toda espécie de tentação” como declara expressamente o texto (v.13). O número 40 é simbólico (quer dizer: muito tempo).  No deserto Israel passou durante quarenta anos e sucumbiu à tentação: “Deus está do nosso lado ou não”... Jesus, pelo contrário resistiu à tentação.  Nós talvez tenhamos medo de rebaixar Jesus ao nosso nível. Mas Deus não sentiu repugnância por causa da nossa condição de miséria, apropriou-se dela e, na nossa carne mortal, venceu o pecado.
A Primeira tentação:” ordena a esta pedra que se torne pão”.  Ao começar a vida pública, Jesus foi ao Jordão e se fez batizar por João Batista; misturou-se com os pecadores, tornou-se  um deles, preferiu percorrer o caminho que leva à libertação junto com eles. Ao sair da água Jesus ouviu a voz do Pai: “ Este é meu Filho amado, ouvi-o”. No deserto, sentindo fome, pode ter pensado: e esta foi a tentação, a respeito de sua identidade: será que sou mesmo o Filho de Deus? Se o sou posso transformar esta pedra em pão. Mas não! Confio na palavra do pai. Mais vezes durante a sua vida Jesus foi tentado a respeito da sua identidade: os fariseus que dizem; não é ele o filho de José, e suas irmãs não vivem entre nós?  Na cruz a tentação se repete: “Salvou os outros, que salve a si mesmo, se é o Cristo, o escolhido de Deus”; “!Se és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo”.
A segunda tentação: “Dar-te-ei todo poder e a glória desses reinos, porque me foram dados...”  É a tentação de usar o poder político para instaurar o Reino de Deus. É a tentação do domínio e do serviço, entre a competição e a solidariedade, entre a exploração e a disponibilidade. Até os discípulos e, d’entre eles Pedro esperavam que Jesus usasse o poder político: Jesus recrimina a Pedro e diz: “Afasta-te de mim satanás, porque não pensas como Deus mas como os homens.
A terceira tentação: o sucesso, o milagre para impressionar o povo: “lança-te do pináculo do templo pois está escrito que os anjos te guardarão...”  Seria um espetáculo impressionante perante a multidão que se apinhava no pátio do templo...
É comum o povo pedir sinais a Deus para crer. O psicólogo Gustav Jung afirma que o ser humano é habitado por um arquétipo: o fascínio pelo maravilhoso. Tudo o que vem de Deus tem que ser grande, maravilhoso, espetacular, fascinante.  Daí a crença fácil em milagres e aparições. Quando os adversários de Jesus pedem sinais do céu, Jesus responde: “ esta geração perversa pede sinais, mas não lhes será dado outro sinal senão o sinal do profeta Jonas...
Talvez fuja da nossa percepção, mas nós cedemos a esta tentação toda vez que exigimos de Deus sinais do seu amor. Ao dizermos: Senhor, se me amas, ajuda-me a encontrar um bom emprego, ajuda-me conseguir um bom resultado nos exames, restitui a saúde a meu avô... Aí o milagre não acontece e eis que a nossa fé vacila, julgamos que Deus não nos ama, duvidamos até que exista. Não podemos pedir a Deus que nos livre (na base de milagres) de todas as dificuldades. Temos que pedir-lhe, isto sim, em qualquer situação, agradável ou triste, nos conceda a luz e a força para sairmos sempre vencedores, isto é, mais amadurecidos, mais homens.

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