Vigésimo Quarto Domingo do Tempo Comum – Ano B



DEUS NÃO ABANDONA O SEU POVO
Primeira leitura (Is 50,5-9ª)
A primeira leitura fala dos critérios pelos quais se avaliam as pessoas na sociedade: de um lado, os poderosos, os vitoriosos na política, no comércio, no esporte etc.; de outro lado, os fracassados, os iludidos pelas aparências, os mesquinhos.
Já os critérios de Deus são bem diferentes. No Antigo Testamento Deus começou bem cedo a educar seu povo numa lógica nova.  Escolheu Israel, povo insignificante (Dt 7,7), escolheu Davi, o menor dos filhos de Jessé, porque ele “não vê o que o homem enxerga: o homem vê a face, mas o Senhor olha o coração” (1Sm 16,7).
A expressão mais forte do critério de Deus foi a escolha do “Servo do Senhor”. Trata-se de um homem ferido, humilhado, insultado, derrotado (vv. 5-6), que Deus, porém, não abandonou nas mãos dos seus inimigos: glorificou-o, fazendo com que sua obra seja vitoriosa e mostrando a todos que ele era um justo (vv.8-9).
Os primeiros cristãos interpretaram esse personagem como a imagem do seu mestre. Assim sendo, cristão não é aquele que conseguiu acumular bens, mas aquele que consegue doar amor, a exemplo do “Servo do Senhor” e de Cristo.
Segunda leitura (Tg 2,14-18)
Não são os frutos que dão vida à arvore, entretanto, a árvore que não produz fruto é como se estivesse morta. Da mesma forma a fé que não produz obras, ensina Tiago, é morta.  “obras” não são as práticas rituais, do culto, das solenes liturgias das igrejas. Tiago já ensinou que a “religião pura e sem mancha” consiste em ajudar os órfãos e consolar as viúvas nas suas tribulações (Tg 1,27), em respeitar os pobres e praticar obras de misericórdia (Tg 2,1-13).
Às vezes ficamos edificados quando vemos pessoas que não frequentam a igreja, ou mesmo ateias, praticarem obras de misericórdia. Não há do que se admirar: o Espírito do Senhor Jesus não aceita permanecer enclausurado nos limites da estrutura eclesial. Ele atua com liberdade em todos os seres humanos, vivifica também os pagãos, a todos impulsiona para realizar obras de amor. Quem se entrega à dinâmica do amor, acolhe, mesmo sem o querer, implicitamente, a revelação de Deus.
Evangelho (Mc 8,27-35)
No evangelho de Marcos podemos distinguir duas partes: a primeira apresenta um homem extraordinário, que traz uma nova mensagem, que realiza milagres, como a multiplicação dos pães, tem o poder de expulsar demônios, acalma as ondas do mar....As pessoas  se perguntam: quem é este homem, que torna a Deus tão presente e próximo, como amigo da vida e do perdão?  Um Deus amigo dos pecadores, mas ao mesmo tempo exigente? O povo quer milagres, mas não percebe o sentido dos milagres, sinais da verdadeira identidade de Jesus. Muitas pessoas não querem ouvir as exigências mais duras de Jesus. Jesus fica decepcionado. Os exegetas falam até da crise da Galiléia... O que fazer? Voltar à carpintaria, “suavizar” o discurso ou então mudar o método de pastoral?
Jesus escolhe a   última alternativa: começa a dedicar-se mais à instrução dos discípulos.
Os versículos 27-28 constituem o começo da segunda parte do evangelho. Jesus faz uma pesquisa: “quem dizem os homens que eu sou”? Entre o povo se dizia: “É João Batista que ressurgiu dos mortos e por isso o poder de fazer milagres opera nele”. Uns afirmavam :”É Elias”. Diziam outros: “É um profeta como qualquer outro”.  Ouvindo isto, Herodes repetia: “É João, a quem mandei decapitar, ele ressurgiu dos mortos”.
Num segundo momento Jesus pergunta aos discípulos “para vós, quem sou eu? ”Para surpresa geral e do próprio Jesus, Pedro se adianta e responde: “Tu és o Cristo, Tu és o Messias, o Salvador do qual todos os profetas falaram  e que o nosso povo na sua totalidade espera”.
É difícil encontrar uma resposta mais exata. E, no entanto, Jesus reage com uma ira santa: “Afasta-te de mim Satanás”. Jesus não quer dizer a Pedro “Vai para longe”, mas sim, “toma o caminho certo”, “segue me”. Por isso mesmo proíbe que se espalhe a notícia.  Na verdade Pedro falou certo mas pensava errado.  Pedro ainda pensa num Messias glorioso, vencedor que conseguirá um sucesso estrondoso. O equívoco é total  e para Jesus chegou a hora de eliminar das mentes dos discípulos esse perigoso mal-entendido. Nos versículos 31-33 “começa a   ensinar aos discípulos “que o Filho do homem deverá sofrer muito” que o seu destino não será o sucesso, mas o fracasso, que não irá desbaratar os que se opõem ao seu projeto, mas que ele será derrotado.
E par nós quem é Jesus? Sua pessoa nos chegou através de imagens, fórmulas, devoções, explicações teológicas e interpretações culturais que vão revelando, e às vezes também velando, seu mistério. Para responder à pergunta de Jesus podemos recorrer ao que disseram os Concílios, ouvir o Magistério da Igreja, ler as elaborações dos teólogos ou repetir coisas que ouvimos dos outros, mas não se está pedindo de nós uma resposta mais pessoal e comprometida?
Afirmamos que “Jesus é Deus”, mas para que serve esta “divindade” se depois ele não significa quase nada em nossas vidas?  Dizemos também que “Jesus é o Senhor”, mas é ele o critério da nossa vida?  Dobramos distraidamente o joelho ao passar diante do sacrário, mas lhe entregamos alguma vez o nosso ser?
O messianismo de Jesus é marcado pelo conflito com os poderes que geram a morte. Ele tem consciência de que deve sofrer muito. Este “deve” denota uma necessidade histórica. Não se trata de um fatalismo (vontade de Deus ou de Jesus) ao qual Jesus se deva submeter cegamente. Este destino não é vontade de Deus nem de Jesus. Pelo contrário, é a consciência de que o enfrentamento com os poderes que geram a morte é inevitável. A decisão de Jesus é a mesma dos profetas e de João Batista.  Para estabelecer o Reino de Deus ele deverá enfrentar as estruturas de morte.
O V. 31 mostra quem são os adversários de Jesus: os anciãos (donos do poder econômico), os sumos-sacerdotes (o poder político) e os doutores da Lei (poder ideológico). ~são eles que constituem os poderes de morte.
O v.34 impõe três condições para ser discípulo do Messias que enfrenta as estruturas de morte: renunciar a si mesmo, tomar a cruz e seguir Jesus.
 Renunciar a si mesmo significa renunciar a toda ambição pessoal; não pensar somente em si mesmo. É ser pobre rompendo definitivamente com a sociedade que vai matar Jesus.
Tomar a cruz não se refere à necessidade de suportar com paciência as pequenas ou grandes aflições da vida e muito menos exaltar a dor como meio de agradar a Deus. Deus não ama o sofrimento.
A terceira exigência “Segue-me” não significa ‘“toma-me como modelo”, mas, “participa da minha escolha”, “toma parte no meu projeto”, “consagra tua vida por amor ao ser humano, junto comigo”.

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