DEUS REALIZA AS ESPERANÇAS DOS POBRES
Introdução
Uma certa devoção mariana, junto com inegáveis
méritos, limitou-se a apresentar-nos uma Nossa Senhora muito distante de nós e
do nosso mundo. Uma Nossa Senhora que viveu, sim, as vicissitudes também
dramáticas da nossa vida, mas que não é plenamente nossa “companheira de
viagem” uma vez que não foi apresentada como uma mulher do povo, simples e
pobre, igual a tantas mães do interior, mas mistificada por intermédio daquelas
imagens adocicadas e suaves, ornadas com mantos dourados e coroas, que circulam
até hoje e que não refletem o verdadeiro rosto da Mãe de Jesus.
A Maria do evangelho, esta sim, está
muito mais próxima de nós: percorreu um caminho de fé às vezes obscuro e cansativo,
não entendeu tudo o que estava se passando, pediu explicações ao anjo (Lc 1,34), maravilhou-se muitas vezes do
que se dizia de seu filho (Lc 2,
18.33), em várias circunstâncias, observam os evangelhos, não entendeu as
escolhas que Jesus fazia (Lc 2,50).
Particularmente interessante é o que lemos em Mc 3,21: “Quando os seus (sua mãe e seus irmãos) o souberam, saíram
para o deter pois diziam: “ele está fora do juízo” e v.31 “Chegaram sua mãe e
seus irmãos e, estando do lado de fora, mandaram chamá-lo”. O desígnio de Deus
a respeito dela e a respeito de seu filho permaneceu, também para ela,
misterioso e velado até que chegou a luz da Páscoa.
Nos primeiros anos da vida da Igreja
encontramos Maria inserida na comunidade que vive em Jerusalém e ali dá seus
primeiros passos. No início dos Atos dos Apóstolos se diz que os discípulos
“perseveravam unanimemente na oração, juntamente com as mulheres, entre elas
Maria, mãe de Jesus, e os irmãos dele” (At
1,14). Maria não é, portanto, um ser sobre-humano, mas é sim uma irmã que vive
as alegrias e as dores, as angústias e as esperanças de todos os irmãos da
comunidade.
Primeira Leitura (Ap 11,19;12,1-6.10)
O livro do Apocalipse foi escrito num
tempo em que havia forte perseguição contra a Igreja. O autor se propõe
infundir confiança nos cristãos. Usa uma linguagem codificada para que os
pagãos não a entendam. Para nós é um escrito esotérico que pouco ou nada tem a
ver com a nossa realidade. Para descodificá-lo é preciso ser expert no AT pois
o autor usa 400 símbolos daquele escrito. Vão aqui algumas dicas.
Quem são os três personagens: a
mulher, o dragão, o menino recém-nascido?
O “menino” é evidentemente Cristo
“que é destinado a governar as nações”. A mulher representa antes de tudo a
comunidade de Israel, mais tarde a Igreja. O sol indica a glória divina, com a
qual está coberto este povo. A lua era o deus adorado pelos povos do Oriente
Médio inimigos de Israel. O dragão vermelho
simboliza as forças do mal, contrárias à salvação, o inimigo de Deus e do
seu plano de amor.
A mulher que foge e procura refúgio no
deserto é a Igreja, a comunidade dos discípulos fiéis que não se entrega às
lisonjas e à força do dragão.
Uma interpretação “forçada”, que não
é a do autor, identifica a mulher Israel com Maria porque afinal foi dela que
nasceu o Messias. Daí a presença desse texto do apocalipse na festa da
Assunção.
Segunda leitura (1Cor 15,20-26)
No NT se fala frequentemente da morte
e do morrer, e não é por nada, visto que a vitória de Cristo sobre a morte
constitui a verdade fundamental da mensagem cristã. Mas, então, se Cristo
venceu a morte, porque continuamos a morrer?
Cristo não aboliu a morte biológica
porque esta não é conseqüência do pecado; faz parte da criação: todo ser vivo
deve morrer. Para eliminar a morte precisaria Deus fazer outra criação.
O trecho da primeira carta aos
Coríntios, que nos é proposto nesta festa, quer ajudar-nos a compreender o
significado da vitória de Cristo sobre a morte.
Paulo, como muitas pessoas do seu
povo, entendia que a vinda do Messias teria dado origem a dois reinos, que se
sucederiam um após o outro: o primeiro, o reino
do Messias; o segundo, o reino de
Deus.
O reino
do Messias situa-se na história da humanidade e termina no fim do mundo.
Durante esse tempo o Messias destrói progressivamente todos os seus inimigos: a
fome, a nudez, a doença, a ignorância, a escravidão, o medo, o egoísmo, o
pecado, e enfim o último adversário: a morte. Então, o Messias entregará ao Pai
o seu reino. Assim terá início o reino de
Deus que durará por toda a eternidade.
Cristo morreu e ressuscitou. O que
aconteceu com ele vale para todos os homens porque ele é a matriz da humanidade
(ou DNA). Como diz S. Paulo: em Cristo já morremos e ressuscitamos. Mas isto
não é automático, é preciso que cada um se associe a ele reconhecendo-o
pessoalmente como Senhor e Salvador.
Evangelho (Lc 1,39-56)
Porque será que Lucas inseriu no seu
evangelho um episódio tão banal como a visita de cortesia de Maria à sua prima
Isabel? Como explicar a pressa de Maria (v.39)? E porque ficou três meses,
deixando José sozinho, logo no início do casamento? Se Isabel estava no sexto
mês da gravidez quando Maria foi visitá-la, porque a deixou, após três meses,
justamente quando Isabel terá dado à luz? Outra observação: Maria e Isabel não
conversam de forma simples, como gente do interior, mas usam frases tiradas da
Bíblia e escolhidas com muito cuidado. Mais parecem dois biblistas muito
preparados.
Já deu para desconfiar que não se
trata de informações, escritas para satisfazer a curiosidade do leitor, mas um
texto de catequese. É mais uma vez uma “bricolagem”. Chama-se “bricolagem” o trabalho
de um pedreiro que para fazer uma calçada ou uma garagem, por exemplo, junta diversos
cacos de cerâmica ajeitam-nos no chão e os rejunta com cimento. Os evangelistas
fazem a mesma coisa: usam textos ou idéias do AT e os rejuntam para explicar
fatos do NT.
1.Por duas vezes o evangelista fala
da saudação de Maria a Isabel. O que para nós seria um “bom dia”, para os
judeus é “paz” (shalom). Ora, shalom indica a soma de todos os bens
que Deus prometeu ao seu povo. O estabelecimento da “paz” no mundo é o sinal da
presença do Messias que Isaías chama de “Príncipe da paz” (Is 9,5).
Ao pronunciar a palavra “paz” Maria
quer dizer: o Messias chegou, está aqui no meu ventre. Assim como em Belém: “E
paz na terra aos homens...” (Lc 2,24).
“Em toda casa em que entrardes, dizei primeiro: a paz a esta casa (Lc 10,5).
2. As palavras de Isabel: “Bendita és
tu entre as mulheres” és tirada do AT onde duas mulheres são saudadas do mesmo
modo: Jael (Jz 5,24) e Judite (Jt 13,23): duas heroínas que salvaram o
povo contra os inimigos. Mensagem: Deus costuma realizar feitos maravilhosos
usando instrumentos frágeis aos olhos dos homens.
Lucas quer dizer que Deus usou o
instrumento frágil chamado Maria para realizar o acontecimento mais
extraordinário da história: deu aos homens o seu Filho. Hoje poderíamos
lembrar: Madre Tereza de Calcutá, Irmã Dorote, Irmã Dulce, Zilda Arns...
3.Isabel continua: “Donde me vem a
honra de vir a mim a mãe do meu Senhor? (v.43). Quando a arca da Aliança (que
continha as tábuas da Lei) estava sendo levada para a casa de Davi,ele falou:
“Como entrará a arca do Senhor em minha casa?”. Davi recebeu a arca com danças,
gritos de alegria e cantos de festa. Maria ao entrar na casa de Zacarias faz
exultar de alegria o pequeno João Batista... E a arca ficou na casa de Davi por
três meses. Daí os três meses de Maria na casa de Isabel. Lucas quer dizer:
Maria, trazendo em seu seio a Palavra de Deus (O Verbo encarnado) é a nova arca da Aliança.
Mensagem para nós: Levar o Senhor
dentro de si não é privilégio reservado a Maria. Toda a nossa comunidade, cada
um de nós é chamado a ser, tal qual Maria, “arca da aliança”, a nós é confiada
a tarefa de levar Jesus aos homens.
4. “Bem-aventurada és tu que creste”.
É a primeira bem-aventurança que se encontra no evangelho de Lucas. Maria é
bem-aventurada não porque viu, mas porque confiou, não obstante as aparências
contrárias, que a palavra de Deus se cumpriria. No evangelho de João, o
Ressuscitado diz a Tomé: “Felizes os que crêem sem ter visto” (20,29). A fé
autêntica não necessita de demonstrações, de verificações, mas funda-se somente
sobre a escuta da Palavra e se manifesta na adesão incondicional à Palavra de
Deus.
5.
O texto conclui-se com o canto de alegria de Maria: “Minha alma glorifica ao
Senhor”. Na verdade, o “magnificat” é um canto composto depois da ressurreição
de Cristo. Mais uma vez Lucas recorre ao AT e repete quase ao pé da letra as
palavras de Ana, mãe de Samuel (1Sm
2,1-11) e versículos de alguns salmos e os põe na boca de Maria.
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