Quarto Domingo do Advento – Ano B




DEUS SE ENCARNOU EM NOSSA HISTÓRIA

Primeira leitura (2Sm 7,1-8b-12.14a.16)
Quando Davi começou a envelhecer, as coisas no seu reino não andavam bem: hostilidades com povos vizinhos, rivalidades entre as diversas tribos, e sobretudo, rixas entre seus numerosos filhos (Davi teve muitas mulheres).
Para compensar os pecados cometidos, Davi queria construir um belo templo para o Senhor. Mas o profeta Natã o dissuadiu, em nome do Senhor, devido às muitas guerras que Davi fizera. Quem construiria o templo seria seu filho Salomão (homem de paz). Também o sucessor no trono não seria o filho mais velho, mas Salomão. Isto aconteceu por força de um “cambalacho” entre Betsabéia, a mulher com quem Davi pecara e o profeta Natã. Salomão era filho ilegítimo, mas era o preferido (o xodó) de Betsabéia.  O povo falava: onde já se viu um filho ilegítimo ser o rei de Israel? Mas como o reinado de Salomão era um sucesso, era porque Deus estava com ele... (ideologia política)
Ao mesmo tempo Natã prometeu a Davi, em nome de Deus, uma dinastia eterna. Mas com a invasão de Nabucodonosor em 587 a.C. tudo parecia perdido. Mas como as palavras de Deus são irrevogáveis, Israel começou a esperar a retomada da dinastia a partir do Messias. E a dinastia veio, mas muito superior àquela sonhada por Natã.

Segunda leitura (Rm 16,25-27)
Nestes últimos versículos da carta aos romanos Paulo não usa a palavra “mistério” como algo incompreensível, mas usa “mistério” como o projeto de salvação que Deus conhece desde toda a eternidade.  Com a encarnação do Filho de Deus, este mistério começa a ser revelado para nós: é o projeto de amor que o Pai tem desde toda a eternidade: a construção de uma nova humanidade, reconciliada com Deus.
Nos poucos versículos contidos no trecho de hoje, Paulo agradece a Deus por esse misterioso projeto de amor.

Evangelho (Lc 1,26-38)
Seria um erro muito grave interpretar esse trecho do Evangelho de hoje como a crônica de um fato detalhada e precisa. Lucas não tem interesse em dar informações que satisfaçam a curiosidade dos seus leitores. Ele quer dar a entender quem é o filho de Maria. Para tanto ele usa uma forma de narrativa muito usada no seu tempo.
Lucas faz uma “bricolagem”: usa de certos textos do AT para dizer que certas pessoas nasceram para uma missão extraordinária: nascimento de Isaac (Gn 17-18); Sansão (Jz13); Samuel (1Sm1); João Batista(Lc1,5-25). Sublinha-se que os pais eram velhos, as mães estéreis, ou não tinham relações com os maridos).  Assim também as vocações de Moisés (Ex 3,2-12), de Gedeão (Jz 6,12-22).  Todas essas narrativas seguem o mesmo esquema: aparece o anjo do Senhor, o susto, anuncia-se o nascimento de uma criança, revela-se qual o seu nome e qual a missão para a qual está destinado. Os autores seguem sempre o mesmo esquema. 
Lucas usa o mesmo esquema para falar da Anunciação. Por isso não faz sentido perguntar porque Maria teve medo, se o anjo entrou a pé pela porta ou passou voando pela janela. Porque Maria desposada para ter filhos, se espanta de que se lhe anuncie que vai ser mãe? 
O povo esperava que o Messias viria de Belém, a cidade onde nascera Davi, ou então de Jerusalém onde estavam o templo e o Sinédrio. Mas, Deus, como sabemos, segue uma lógica contrária a dos homens. Dirige-se à Galiléia, região desprezada pelos judeus do sul. Nazaré era um vilarejo insignificante, nenhuma vez citada no AT. Natanael responde a Felipe: “De Nazaré pode vir coisa boa? 
E a quem Deus escolhe? Um Gedeão, um Sansão, um Salomão? Não. Uma virgem. A qualificação de “virgem” para nós é um sinal de prestígio, de valor, de dignidade, de grandeza. Na bíblia significa exatamente o contrário. A palavra “virgem” tem uma conotação depreciativa, indica uma mulher sem valor que não teve capacidade para atrair sobre si os olhares de um homem, uma que como árvore seca, é incapaz de produzir frutos. Neste sentido, Jerusalém, nas horas mais dramáticas é chamada de “virgem Sion”. Também Babilônia, a sanguinária é chamada de “virgem”. 
Maria, no seu cântico de louvor, mostra ter entendido a lógica de Deus. Constata a própria pobreza, a própria simplicidade, a própria “virgindade” e enaltece o “Poderoso” que nela cumpriu grandes coisas (Lc1,48-49). 
Lucas é o evangelista dos pobres e desde essa primeira página de seu livro, quer sublinhar que as escolhas de Deus são para os últimos da terra. 
As primeiras palavras do anjo são: “alegra-te, ó amada de Deus, o Senhor está contigo. Esta frase foi pronunciada pela primeira vez pelo profeta Sofonias: “Alegra-te, ó filha de Sion (Jerusalém), exulta Israel, regozija-te com todo o coração, ó filha de Jerusalém, ...não tenhas medo” (Sf 3,14-18; Zc9,9). 
O que Lucas nos quer dizer é que, no Filho de Maria, se realizaram todas as profecias: a virgem concebeu, como Isaías anunciou (7,14) e Deus se fez presente como Salvador do seu povo em Maria, identificada como filha de Sion, da qual falou Sofonias. 
Na bíblia, quando Deus dirige uma mensagem a alguém, geralmente o chama pelo nome. Na nossa narrativa, o nome de Maria é substituído pelo de “amada de Deus” e quando Deus muda o nome de uma pessoa, quer dizer que lhe confia uma missão especial. Qual é, então, a missão confiada a Maria? É a de proclamar a todos o que é que permite realizar o amor de Deus. Ao Senhor ela pôde oferecer somente a sua pobreza, a sua virgindade e ele a enalteceu. Maria é sinal de esperança para todos os pobres: ao contemplá-la todo ser humano deve prorromper em cânticos de alegria, porque, através dela, o “Poderoso” realizará com certeza grandes coisas. 
Depois da salvação, o anjo anuncia a Maria o nascimento de um filho ao qual “o Senhor Deus dará o trono de Davi, seu pai e reinará para sempre sobre a casa de Jacó e o seu reino não terá fim”. Estas palavras também não foram inventadas por Lucas e se encontram, quase as mesmas, na boca de Nat, como já vimos na primeira leitura. Lucas quer dizer que, no filho de Maria, se realizou a profecia feita a Davi: Jesus é o esperado Messias, cujo reino será eterno. 
À objeção de Maria o anjo responde: “A força do Altíssimo te cobrirá com sua sombra (v.35). No Antigo Testamento a sombra e a nuvem sinalizam a presença de Deus. Cfr. Ex 13,21; Ex 40,34-35; Ex 19,16). 
Ao afirmar que sobre Maria pousou a sombra do Altíssimo, Lucas nos quer dizer que nela estava presente o próprio Deus. Estamos, portanto, diante de uma profissão de fé desse evangelista, na divindade do filho de Maria. 
Mais uma palavra, a última, sobre a resposta de Maria: “Eis-me aqui, responde, sou a serva do Senhor, faça-se em mim aquilo que anunciaste” (v.38).

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