HOJE NASCEU PARA VÓS UM
SALVADOR
Primeira leitura (Is 9,1-6)
No tempo do rei Acaz (+ ou – 700 a.C.) a Palestina estava
dividida em dois reinos: o reino do Norte, chamado também reino de Israel,
compreendia as regiões da Galiléia e da Samaria, e o reino do Sul, o reino de
Judá, onde reinava Acaz ocupava toda a região da Judéia. Embora fossem
compostos por tribos irmãs, esses dois reinos quase estavam em paz entre si e
de fato explodiu uma guerra entre eles. Acaz, mais fraco, pediu ajuda aos assírios,
que intervieram imediatamente com seu poderosíssimo exército, contra o reino do
norte.
Os assírios começaram a incendiar tudo, mataram alguns,
aprisionaram outros, de outros arrancaram os olhos... Enfim, a nação vivia na
escuridão da morte (v.1). Aqueles que ti, aqueles que tinham tido seus olhos
arrancados, aqueles que tinham sido encarcerados em prisões subterrâneas, nas
quais não entrava nem sequer um raio de luz, literalmente se encontravam nas
trevas.
Durante essa terrível situação, Isaías pronuncia palavras
muito suaves e repletas de esperança: as trevas, a escuridão, o sofrimento,
acabarão: está prestes a despontar de
imensa alegria e júbilo. Isaías: “O povo que andava nas trevas verá brilhar uma
grande luz”
É neste contexto que Isaías anuncia que uma jovem mulher
conceberá e dará à luz um filho que será um grande libertador. Isaías está se
referindo a Ezequias, que foi um homem bom, mas afinal não foi ainda o rei ideal.
Por isso o povo começou a esperar um rei perfeito que devia nascer da família
de Davi. Esperou até que nasceu um menino chamado Jesus. Em vez de um rei
poderoso Deus envia um menino pobre, fraco, necessitado de ajuda.
Segunda leitura (Tt 2,11-14)
“Manifestou-se a graça de Deus”, assim afirma o autor da
carta a Tito. É um grito de alegria por tudo aquilo que Deus já cumpriu,
enviando seu Filho ao mundo.
A leitura, entretanto, também lembra que nem tudo está pronto
e acabado, ainda há muita coisa para ser feita. A salvação de todos os homens
ainda não se manifestou.
Para que isso aconteça torna-se necessária a renovação
completa da nossa vida, a renúncia ao mal e aos maus desejos, a adesão à
justiça, à honestidade e o desapego dos bens deste mundo.)
Evangelho (Lc 2,1-14)
Ao lermos o Evangelho desta noite, devemos tomar o cuidado
para não nos deixarmos levar pela emoção, a não seguirmos a imaginação, os
sonhos. Esta página não tem a finalidade de emocionar os leitores e tão pouco
de dar informações sobre o nascimento de Jesus; não quer satisfazer nossa
curiosidade; se fosse assim, teríamos o direito de nos queixar com Lucas pela
narrativa tão pouco detalhada. Nós, na verdade, gostaríamos de conhecer muitas
outras coisas. Acontece, porém, que Lucas não é historiador, mas catequista,
como aliás também Mateus.
Esta narrativa, composta provavelmente após ter sido escrito
todo o restante do evangelho, quer nos apresentar, num prelúdio maravilhoso,
aquilo que os cristãos das primeiras gerações guiados pelo Espírito, tinham
conseguido entender a respeito da pessoa de Jesus, morto e ressuscitado. (Lucas
escreve nos anos 80 d.C.).
O trecho começa com uma ambientação histórica e geográfica,
muito exata. Era o tempo durante o
qual reinava em Roma César Augusto (o divino), o grande imperador, que tinha
ampliado seu domínio sobre o mundo inteiro, tinha acabado com as guerras, tinha
estabelecido a paz em todo o seu reino. (Obs. Tratava-se da famosa Pax romana imposta pelas armas...). O
lugar onde Jesus nasceu foi Belém, uma cidade (na verdade um povoado de
pastores) perdida nas montanhas da Judéia. Por estas anotações Lucas nos quer
dar a entender que este nascimento não é um mito a ser relegado ao mundo das
fadas, mas sim um acontecimento marcadamente real e concreto.
O nascimento do Filho de Deus foi perfeitamente igual ao de
qualquer outro ser humano.
A referência a Belém
é particularmente importante, porque os profetas tinham dito que o Messias,
descendente de Davi, teria nascido na mesma cidade (Mq 5,1) e da qual provinha esse grande rei. Desta forma Lucas nos
apresenta Jesus como o esperado Messias, anunciado pelos profetas, e por Isaías
de forma particular (Aliás, Mateus sugere que os pais de Jesus moravam em Belém
(Mt 3,21-23).
Até as palavras postas na boca do anjo “Hoje nasceu para vós
um salvador...” destacam esta realeza: trata-se efetivamente da fórmula com a
qual era anunciado ao povo romano o nascimento do imperador.
Desde o começo, porém, este rei nos desconcerta: não nasce
num palácio, mas numa gruta: não possui nenhum daqueles recursos que nós homens
julgamos indispensáveis para conseguir a transformação do mundo (o dinheiro, as
armas, o poder, as alianças com os poderosos...).
O sinal dado aos
pastores para
identificá-lo provoca surpresa. Não se diz a eles, por exemplo: encontrareis um
menino envolvido de luz, com rosto de anjo, com uma auréola na fronte, cercado
por multidões celestes. Nada disso: o sinal é... um menino completamente normal, com uma única característica: é pobre e está entre os pobres.
Neste nascimento, aparece logo em toda a sua transparência a
lógica de Deus. Os homens estão convencidos de que o poder do mal pode ser
vencido somente usando as mesmas armas: o dinheiro, a mentira, a corrupção;
julgam que a violência pode ser eliminada somente com uma violência maior, que
a uma guerra se possa dar fim somente mediante outra guerra e que um
derramamento de sangue possa ser impedido somente com outro derramamento de
sangue. O evangelho desta noite, mostrando-nos um Deus que escolhe a pobreza e
a fraqueza, nos ensina a não mais acreditar na lógica da força, lógica que
também nós, cristãos, sempre somos tentados a aceitar.
Para quem se anuncia
este nascimento?
Quem reconhece neste rei sem poder, sem trono, sem coroa, sem exército, o
Messias, o esperado filho de Davi? Os
pastores (vv.8-12).
Porque justamente eles? Talvez porque estivessem melhor
preparados espiritualmente? Pelo contrário! Os pastores não eram de forma
alguma pessoas simples, boas, inocentes, honestas, estimadas por todos. Eram
conhecidos (e havia razões para isto) como os mais impuros entre os homens. Não
tinham uma vida diferente da dos animais, não podiam entrar no templo para
rezar, não eram aceitos para testemunhar num tribunal porque não mereciam
confiança, eram falsos, desonestos, ladrões, violentos. Os rabinos diziam que
os pastores, os publicanos e os cobradores, muito dificilmente poderiam se
salvar, porque tinham praticado tanto mal, tinham roubado, que nem mesmo eles
estavam em condições de lembrar a quem tinham prejudicado. Portanto, não podendo
restituir, estavam destinados à perdição.
Diz o evangelho desta noite: é justamente para eles e para
quem for como eles que o Filho de Deus veio ao mundo. “Para vós nasceu o
Salvador”, diz o anjo (v.11).
Desde o seu nascimento, Jesus se encontrou entre os últimos
da sociedade. São eles, não os “justos”, que esperam de Deus uma palavra de
amor, de libertação e de esperança.
Quando adulto, Jesus vai continuar vivendo ao lado destas
pessoas, falará a sua linguagem simples, usará as comparações, as parábolas, as
figuras tomadas do meio deles, participará das suas alegrias e dos seus
sofrimentos, estará sempre do lado deles, contra quem quer que os queira
marginalizar.
Os dois grupos que encontramos ao longo da vida de Jesus
estão, portanto, bem definidos desde a hora do seu nascimento. De um lado os
pobres, os ignorantes, as pessoas desprezadas que o reconhecem imediatamente e
o acolhem com alegria. De outro, os sábios, os ricos, os poderosos, aqueles que
vivem isolados nos seus palácios, distantes do povo e dos seus problemas,
certos de que já possuem tudo o que precisam para ser felizes. Estes não
necessitam de nenhum salvador, pelo contrário, se for um Messias que não
corresponde às suas expectativas, que atrapalhe os seus projetos, é personagem
inconveniente, que deve ser eliminado.
A história está dividida exatamente em duas partes: antes e
depois de Cristo. Com ele (até os ateus o reconhecem) começou de fato uma nova
era para a humanidade. Crentes e não crentes foram marcados pela sua chegada no
mundo. Diante dele ninguém pode permanecer indiferente, todos devem fazer uma
escolha.
Nós cristãos estamos certos de tê-la feito, estamos certos de
ter reconhecido nele o rei esperado. Mas temos mesmo entendido o que Deus nos
quer dizer naquele menino? Nós que ainda confiamos tanto na força do poder, do
dinheiro, da violência, nós que atendemos tão mal, em nossas comunidades, os
que erraram na vida, entendemos de fato a mensagem da noite de Natal?
Desejo a todos os leitores um feliz e santo Natal não
obstante as dificuldades econômicas e políticas pelas quais o país está
passando. Se acolhermos a mensagem do Natal poderemos tornar a sociedade um
pouco melhor. Um abraço a todos.
Pe. José Knob, scj.
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