Vigésimo Terceiro Domingo do Tempo Comum - Ano A


A DIFÍCIL ARTE DE SER JUSTO 

Primeira leitura (Ez  33,7-9)
Nos tempos antigos, cada cidade tinha sentinelas que vigiavam dia e noite. Se percebiam algum perigo tocavam o berrante para avisar o povo. Se cochilavam ou dormiam, eram responsabilizados pelo desastre que viesse a ocorrer.
A leitura de hoje compara a missão do profeta com a da sentinela (v.7). Ele é o primeiro que percebe os caminhos através dos quais o Senhor quer conduzir o seu povo. Ele é um leitor (intérprete) da história; é sempre ele o primeiro que se dá conta que determinados modos de pensar e de agir não estão em conformidade com Deus. É seu dever, nesses casos, intervir, falar abertamente, alertar aqueles que estão correndo o perigo de afastar-se de Deus. Se ele não cumprir este seu dever, é responsável pela ruína dos seus compatriotas(v8). Se, ao contrário, adverte a quem está se comportando mal, mas este não atende, então ele não é culpado(v.9).
Todos nós somos profetas, todos nós somos sentinelas, somos responsáveis, em parte, pelo destino dos nossos irmãos. Quem vê alguém comportando-se mal, não pode repetir a frase de Caim: “ Por acaso sou eu o guarda do meu irmão?”(Gn 1,4).

Segunda leitura (Rm 13,8-10)
Esta leitura trata de um problema delicado: as obrigações do cidadão para com o Estado. Era delicado, ontem, porque o imperador Nero demonstrava sinais claros de excentricidade. É delicado também hoje por causa da corrupção do Estado e da falta de respeito e honestidade do Estado para com os cidadãos. Os impostos são desviados em vez de serem canalizados para o povo.
Em princípio, Paulo recomenda que os cristãos sejam bons cidadãos, respeitem os governantes, as leis e o patrimônio do Estado (v.1-7).
Na segunda parte (vv.8-10), em caso de dúvida, siga-se a lei básica: “Ama o teu próximo como a ti mesmo” (v.9). Quem procura fazer sempre e somente aquilo que é bom para o próximo, com certeza observa sempre  todos os mandamentos.
Ao mantermos vivo o princípio do amor ao próximo, é fácil  entender que todas as leis do Estado, quando são justas e promovem o bem comum, devem ser observadas. A violação das mesmas é imoral.
Entretanto, se uma lei (do Estado, da Igreja ou de qualquer outra instituição) contrariasse este preceito fundamental, o cristão não somente teria o direito, como também a obrigação de desobedecer.

Evangelho (Mt 18,15-20)
Nossas comunidades não são feitas de pessoas perfeitas, e nem sempre a atitude que tomamos diante dos erros dos outros é a mais adequada. Qual espírito que nos deve orientar nessas ocasiões?
Há uma coisa que absolutamente não deve ser feita : espalhar a notícia do erro cometido. Isto é difamação, humilhação. Causa de sofrimento.
Mas não se pode contar o que é verdade? Para o cristão a verdade não é o valor absoluto, mas o amor. A verdade nua e crua provoca às vezes o efeito contrário do amor: destrói a convivência e as boas relações entre as pessoas em vez de fortalecê-las. A difamação pode destruir um homem: “um golpe de língua quebra os ossos” (Ecclo 28,17), pode matar uma pessoa, arruinar uma família, pode destruir um casamento.
A verdade que não produz amor, mas que provoca perturbação, que gera discórdias, ódios e rancores, não deve ser dita. Não se pode contar tudo o que é verdade, ou tudo aquilo que se conhece. Não se deve, especialmente, dizer a verdade para aqueles que dela querem se servir para o mal. A verdade que mata é mentira... e qualquer mentira se opõe à vida, como também Jesus ensina,falando do diabo... “ele foi homicida desde o  princípio, porque é mentiroso e pai da mentira” (Jo 8,44).
Para dizer a verdade a uma pessoa que está em perigo de se perder, Jesus propõe três caminhos.
O caminho que se deve seguir inclui três etapas. Primeira: ir falar pessoalmente com a pessoa  de homem pra homem, cara a cara. É delicado!Tudo deve ser feito em segredo. Pode-se levar um presente. É preciso que haja amizade, humildade porque ninguém é perfeito, delicadeza (pode-se errar na escolha das palavras, num sorriso inoportuno).Na minha experiência  esta etapa funciona entre o sacerdote e o fiel ou entre o superior religioso e o súdito. Às vezes também funciona entre membros da comunidade religiosa.
Se esta primeira tentativa não obtém resultado, o segundo passo é pedir ajuda a um ou dois irmãos da comunidade que tenham sensibilidade e sabedoria. É preciso lembrar sempre que o objetivo é a recuperação da pessoa, portanto não se pode dar a impressão que se queira colocá-lo na parede, ou colocá-lo diante de testemunhas que possam acusá-lo. Deve perceber que está falando com amigos, com pessoas que lhe querem bem.
A última etapa é o apelo à comunidade. Isto só pode acontecer nos casos nos quais a falta cometida seja um perigo de inquietação para toda a comunidade. Se nem desta vez o culpado não aceitar a correção, deverá ser considerado “como  um pagão e como um publicano”.
Esta última frase é um tanto estranha na boca de Jesus, considerado “o amigo dos publicanos e pecadores” (Mt 11,19). Mateus também sabe que na comunidade há peixes bons e peixes ruins...
Com certeza a comunidade não tem o direito de expulsar um dos membros que se comporta mal somente pelo fato de que ela se sente humilhada com a sua presença. Ela não pode sentir-se contaminada pelos pecadores: são seus filhos. A Igreja não é  um grupo de justos, de puros, de pessoas sem pecado, que exclui aqueles que erram.
Por outro lado não se pode negar que a Igreja tenha o direito e até o dever de pronunciar palavras de denúncia e de condenação. Por exemplo, se um pregador começa a ensinar que Deus envia determinadas doenças para castigar os maus e os corruptos, ele está falando uma barbaridade, está deturpando de forma muito grave o evangelho de Jesus; escandaliza as pessoas que (com razão) se revoltam, talvez até saiam da igreja durante o sermão, não querem aceitar um Deus assim.
Que fazer com um pregador desses? Ele anuncia um Deus que não é o Pai de Jesus Cristo, é o deus dos pagãos e dos publicanos. Para evitar confusões perigosas, o povo deve saber que aquele homem está separado da comunidade  não está falando em nome de Deus. Com certeza o bispo irá suspendê-lo.

Comentários

  1. Linda e esclarecedora homilia. Também me sinto interpelada com a orientação de excluir aqueles que não aceitam a correção fraterna. Mas creio que a lógica de Jesus é garantir a implementação do Reino de Deus aqui e agora. Aí, a comunidade não poderia se omitir de agir com firmeza para com aqueles que perpetram o mal e não ligam para as interpelações para se emendar.
    Parabéns padre José!

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