São Pedro e São Paulo





RECONHECER E TESTEMUNHAR QUE JESUS É O MESSIAS

Primeira leitura (At 12,1-11)
Cadeias caem das mãos, uma porta de ferro se escancara, um anjo que desce do céu e intervém em favor do seu discípulo. Porque um tempo Deus cumpria essas maravilhas e, ao invés, hoje nos deixa sozinhos contra as forças do mal?
Se Deus agisse assim hoje, seria fácil acreditar na providência. Mas a experiência prova o contrário: enquanto os justos sofrem injúrias e vexames, Deus, do céu, parece assistir impassível. O problema está em não saber ler a Escritura e seu gênero literário. A providência é a mesma ontem e hoje e a história também: o que não acontece hoje não aconteceu ontem... Deus não intervém nos acontecimentos da história, que tem a sua origem ou nas leis naturais ou na liberdade humana.
A libertação de Pedro foi um fato real e concreto, mas não do jeito que Lucas conta. Seria bom demais para ser verdade. A expressão “Anjo do Senhor” designa o próprio Deus que interveio de maneira invisível, porém, como sempre, usando intermediários humanos que Lucas não menciona (talvez suborno dos guardas, invasão da prisão etc.) e que levaram à libertação de Pedro.
Devemos ser muito cautelosos ao interpretar “aparições”. As visões, as vozes do céu, a intervenção de personagens sobrenaturais são linguagem simbólica de experiências religiosas muito fortes. Além disso, deve-se contar com o arquétipo da busca pelo maravilhoso que habita o espírito humano. No tempo em que a bíblia foi escrita não se conheciam as leis naturais: tudo era “ por Deus” e o mundo estava cheio de anjos e demônios...
É importante notar a solidariedade da comunidade cristã: enquanto Pedro está na prisão, a comunidade está reunida e eleva a Deus sua súplica “incessante e intensa”.

Segunda Leitura (2Tm 4,6-8.17-18)
Este texto é conhecido como o “testamento de Paulo”. Pouco antes de morrer, preso em um cárcere de Roma, escreve ao amigo Timóteo, seu companheiro de trabalho na obra da evangelização. Seu sangue está pra ser derramado em libação e é chegado o momento de partir. Como é natural nesses momentos, ele faz um balanço de toda a sua vida. Comportou-se, diz ele, como quem participa de competições esportivas no estádio.
Como os atletas, não se negou a nenhum sacrifício, submeteu-se a renúncias, esforçou-se ao extremo para vencer. E conclui: “combati o bom combate, terminei a minha carreira, conservei a fé” (v.7).
Aqueles que no estádio vencem uma competição recebem uma medalha (naqueles tempos antigos recebiam também uma coroa de louros). Paulo está certo de que Deus lhe dará também uma coroa no dia em que for acolhido nas moradas eternas. Essa coroa, continua, Deus a oferecerá também “a todos aqueles que aguardam com amor a sua aparição” (v.8) ou seja, a todos os que, como ele, terão lutado pela justiça.
Pedro e Paulo mostraram-nos com que dedicação, com que desinteresse, com que amor, com que coragem deve ser desenvolvido o ministério do anúncio do Evangelho. São um exemplo para os mensageiros ou ministros da Palavra das nossas comunidades da atualidade.

Evangelho (Mt 16,13-19)
A pergunta de Jesus: “Quem dizem os homens que eu sou?” teria hoje, como naquela época, respostas diferentes: Um mestre de moral, um humanista, um revolucionário, um feminista, um reformador, um profeta... Nós, como cristãos, responderíamos, sem dúvida, que ele é o “Filho de Deus Encarnado”, o  “Redentor” do mundo, o “Salvador” da humanidade, ou como disse S. Pedro: o “Messias”. Mas é bom lembrar que professar que Jesus é o Messias quer dizer estar convencido de que como ele não existiu e não existirá mais ninguém.
As respostas acima fazem parte do que aprendemos no catecismo. Mas expressam a nossa fé pessoal? “E vós, quem dizeis que eu sou?” As palavras de Jesus pedem uma resposta pessoal e radical. Ou Jesus é para nós um personagem a mais entre tantos outros da história, ou Ele é a pessoa decisiva que nos traz a compreensão última da existência, a orientação decisiva para a nossa vida e nos oferece a esperança definitiva?
A pergunta: “ E vós quem dizeis...” adquire então um conteúdo novo. Não é mais apenas uma questão sobre Jesus, mas sobre nós mesmos. Quem sou eu? Em quem eu creio? A partir de que oriento a minha vida? A que se reduz a minha fé?
Todos temos que lembrar sempre que a fé não se identifica com as fórmulas que pronunciamos. Para compreender melhor o alcance “do que eu creio” é necessário verificar como vivo, a que aspiro, em que me comprometo.
Mais. Durante os vinte séculos de cristianismo Jesus foi revestido de roupagens diferentes conforme as épocas e o interesse dos crentes, foi diminuído ou exaltado e, enfim, desfigurado. Mas o Jesus original sempre desconcerta quem se aproxima dele com postura aberta e sincera. Sempre é diferente do que esperávamos. Sempre abre novas brechas em nossa vida, rompe nossos esquemas e nos atrai para uma vida nova. Quanto mais o conhecemos, mais sabemos que ainda estamos começando a descobri-lo.
“Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”. Não é fácil estabelecer o significado dessas palavras. A “rocha” não é sem mais Pedro. Outros textos do Novo Testamento dizem que Jesus é a “pedra angular” da Igreja (Ef 2,20; cf. Tb. 1Pd 2,4-6); ou ainda: “Quanto ao fundamento,ninguém pode pôr outro diverso daquele que já foi posto: Jesus Cristo (1Cor 3,11). 
Quando Jesus afirma: “sobre esta pedra edificarei a minha Igreja” Ele se refere à fé professada por Pedro.
“As portas do inferno” não deve ser entendido em sentido material. Indica as forças do mal, o que é contrário à vida e ao bem do homem. Nada poderá impedir a Igreja, que acredita firmemente em Cristo, de realizar sua missão de salvação.
Pedro recebe também as chaves e o poder de ligar e desligar. Antes de mais nada é preciso observar que o poder de ligar e de desligar não é reservado a Pedro, é conferido, logo depois, a toda a comunidade (Mt 18,18; cf. Jo 20,23).
Estas imagens, usadas frequentemente pelos rabinos do tempo de Jesus, indicam a autoridade de transmitir os ensinamentos do Mestre e de decidir o que é conforme e o que é contrário ao evangelho.
Qual é o ministério específico de Pedro? É este o ponto que divide as comunidades cristãs de todo o mundo. Essa divisão é provocada certamente pelo pecado dos homens, não pela Palavra de Deus.
Na verdade, para reconstruir a unidade não podemos pretender que sejam os outros que se devam converter para nós, nem os irmãos das outras confissões exigir que nos convertamos a eles. Todos devemos converter-nos: para Cristo e para a sua Palavra. Os irmãos protestantes e anglicanos reconhecem agora que Jesus realmente conferiu a Pedro uma missão particular a serviço dos irmãos. No NT esse apóstolo aparece sempre em primeiro lugar e é ele que deve confirmar a fé dos outros (Mt 10,2; Lc 22,32; Jo 21,15-17). Isso indica que a Igreja tem, no bispo de Roma, o encarregado de manter a unidade da fé em Cristo, professada por Pedro.
Também nós, católicos, devemos converter-nos. Devemos abandonar tudo o que não é evangélico no nosso modo de entender a ministério do Papa e a autoridade da Igreja. Devemos adequar-nos, sobretudo, ao que Jesus repetiu tantas vezes e tão claramente: “o primeiro entre vós seja como o menor e quem governa seja como aquele que serve” (Lc 22,25)
Provavelmente a melhor definição do ministério do Papa continua sendo a de um famoso bispo da Igreja dos primeiros séculos, Irineu de Lion, que chamava o bispo de Roma “aquele que preside à caridade”.

Comentários

  1. "Para compreender melhor o alcance “do que eu creio” é necessário verificar como vivo, a que aspiro, em que me comprometo." he he he he, sempre colocando a faca no pescoço do vivente! Mas valeu, é bom ter alguém que interpela a gente para viver de modo mais verdadeiro. Linda homilia Padre José! Parabéns!!

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  2. E viva São pedro e São Paulo!
    RESUMO PERFEITO: 'Todos devemos converter-nos: para Cristo e para a sua Palavra'. É a chave principal para o ecumenismo hoje tão propagado pelo Papa Francisco

    “Cadeias caem das mãos, uma porta de ferro se escancara, um anjo que desce do céu e intervém em favor do seu discípulo. Porque um tempo Deus cumpria essas maravilhas e, ao invés, hoje nos deixa sozinhos contra as forças do mal?”
    ....Mas uma vez o Senhor fez uma provocação ao meus pensamentos infanto-adolescentes... Hoje entendo que tudo isto aconteceu e acontece conosco também todos os dias através de nossa ‘FÉ’ verdadeira. Perguntei mto tudo isto pra mim mesma, porque nós, não conseguimos vivenciar estas aparições de Jesus (Madalena e o tumulo vazio), Galileia (Pedindo que batizem em nome da Pai...), caminhos de Emaús pós morte (é a que mais me emociona, pela tristeza dos discípulos) e, em especial a Paulo e sua conversão entre outras tantas e lindas...

    Obrigada por compartilhar conosco estes ensinamentos tão claros...

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