5º Domingo da Quaresma - Ano A

Introdução. O Brasil é um grande túmulo que devora as esperanças da maioria de seus habitantes. Mergulhada no mar de lama da corrupção estrutural, muita gente tem razão de se queixar: “Nossos ossos estão secos, nossa esperança está desfeita. Para nós tudo está acabado”. É assim que se sentiam os exilados na Babilônia(587 a 538 a.C.; 1ª leitura). Nosso pais está cheio de Lázaros, Martas e Marias, e o consolo que eles recebem são pêsames e amarras sempre mais consistentes (evangelho). Isso porque uma minoria optou por viver segundo seus instintos egoístas (2ª leitura), gerando a cada dia uma sociedade sempre mais desigual e injusta.

1ªLEITURA (Ez 37, 12-14)
O povo de Deus no exílio tomou consciência de sua situação: ele é como ossos ressequidos dentro de um túmulo, ou seja, um povo morto (Ez 37,11). E toma consciência também que a perda da liberdade e dos bens que garantem a vida, é resultado da má administração das lideranças políticas.

O profeta Ezequiel que é como que o diretor espiritual do povo exilado, anuncia que Javé, o Deus que promete e cumpre, vai abrir os túmulos e tirar seu povo das sepulturas, a fim de reconduzi-lo à terra de Israel. Trata-se de linguagem simbólica que denuncia a situação de morte em que vive o povo exilado (túmulos) e anuncia a libertação, trazida em termos de volta à própria terra.

2ª LEITURA ( Rm 8,8-11)
Paulo faz uma distinção entre as pessoas que vivem segundo a carne e outras que vivem segundo o Espírito. Vive segundo a carne a pessoa abandonada a si própria  e ao seu egoísmo. Quem vive segundo a carne põe-se no centro de tudo: o mundo gira em torno dela e de seus interesses. Daí nascem os instintos egoístas.
Ao sermos batizados, recebemos o Espírito que animou a vida de Jesus. Também nós somos movidos pelo Espírito, pois ele habita em nós. Cumpre, pois estar atento a esta presença e a seus impulsos. É a lei interior que move a vida cristã. Por isso o cristão não se coloca no centro do mundo; pelo contrário, o centro de sua vida é a pessoa de Jesus, seu projeto e a pessoa dos outros com suas necessidades.

Em seguida, Paulo fala da ressurreição de Cristo e também da nossa. Jesus, sendo homem como nós, tinha que morrer. Mas ressuscitou por força do Espírito que habitava nele. O mesmo acontecerá conosco por força do mesmo Espírito: vamos ressuscitar.

Pela ressurreição Jesus adquiriu um corpo espiritual ( a expressão é de Paulo). Era o mesmo de antes da páscoa, mas subtraído aos limites do tempo e do espaço. Daí a dificuldade dos discípulos em identificá-lo. O mesmo acontecerá conosco, o corpo se desfaz, “vira” pó ou cinza, mas a nossa pessoa, nossa identidade que é única, diferente de todas as outras pessoas no mundo, com  sua história  própria,vai continuar a viver mas com um “corpo espiritual”...Estamos invadindo o mistério......
Uma figura pode ajudar a entender o que acontece na morte: Como sabemos, a lagarta “vira” borboleta... Dizia um sábio: O que para a lagarta é o fim do mundo, para o resto do mundo é uma borboleta. A lagarta não morre; desaparece como lagarta, mas continua vivendo como borboleta...

EVANGELHO (Jo 11,3-7.17.20-27.33b-45)
João é o único evangelista que narra a ressurreição, ou melhor, a revificação ou “reanimação” de Lázaro. É diferente da ressurreição de Jesus cujo corpo foi glorificado. Lázaro voltou à vida de antes. A “reanimação” de Lázaro é narrada de forma muito breve: dois versículos somente (43-44).

A narrativa é bastante difícil. É uma narrativa teológica ou uma teologia narrativa, história e teologia se misturam. A intenção de João é mostrar que Jesus é o Senhor da vida e da morte.

De fato, alguns pontos da narrativa dificilmente podem ser classificados como simples pontos de crônica. 1. Antes de tudo nos é apresentada uma família de alguma forma singular: só tem Irmãos e irmãs. A mensagem de João é que esta família é o protótipo da comunidade cristã onde não há superiores, nem inferiores, mas somente irmãos e irmãs. 2. Jesus, ao tomar conhecimento que Lázaro está doente, em vez de ir até ele  para curá-lo, se detém ainda durante dois dias; deixa a impressão que queira mesmo deixá-lo morrer. 3. Como é que Marta soube que Jesus estava chegando? 4. No versículo 35 se lê que Jesus chora pela morte do amigo. Como se explica este comportamento, se ele já sabe que vai ressuscitá-lo em seguida. Estaria fingindo?
Mas vamos à mensagem teológica desta narrativa.
Porque Jesus deixa que Lázaro morra? Jesus nos quer dizer  que ele não veio para impedir a morte física, não é sua missão interromper o curso natural da vida do homem. Jesus não veio para eternizar esta vida, mas para dar-nos a vida que não acaba.

Lázaro já está no sepulcro há quatro dias. Naquele tempo pensava-se que, durante os primeiros três dias a pessoa não estava completamente morta. Somente no quarto dia a vida a abandonava de vez. João não pretende informar-nos sobre a data exata da morte, quer dizer-nos que Lázaro estava morto e só.

No diálogo que se segue (vv.20-26), Jesus conduz Marta a entender qual o sentido da morte de um discípulo seu (de um irmão no seio da comunidade cristã).

Ao contrário, talvez, do que a maioria dos cristãos pensa, a fé na ressurreição não foi afirmada desde o início da Bíblia. Interessante notar que patriarcas e profetas viveram santamente sem a esperança de uma ressurreição!

Enquanto os egípcios mostraram, desde cedo, que acreditavam numa vida após a morte, os israelitas começaram muito tarde a falar da ressurreição dos mortos. O primeiro testemunho claro está em 2Mc 7 que relata o martírio de uma mãe e seus sete filhos que ocorreu  por volta do ano 160 a.C.. No tempo de Jesus muitos ainda  negavam a ressurreição.

Pela resposta que Marta dá a Jesus (v.24), ela manifesta que acredita que seu irmão Lázaro voltará à vida no fim do mundo, junto com todos os justos, e fará parte do reino de Deus. Mas não é esta a fé cristã. O cristão não acredita numa morte e depois numa ressurreição, no fim do mundo. A ressurreição acontece na hora da morte. Também porque depois da morte não existe mais tempo. Ele acredita que o homem, remido por Cristo, não morre. É semelhante à lagarta: morre o corpo, mas a pessoa continua a viver.

No v.26 Jesus diz a Marta; “Quem crê em mim, não morre”. Como entender isso?

Uma comparação pode ajudar: imaginemos que no ventre de uma mãe haja dois gêmeos, que podem ver, entender, dialogar entre si durante os nove meses que passam juntos. Eles conhecem somente o seu pequeno mundo e não podem imaginar de maneira nenhuma como seja a vida aqui fora.

Decorridos nove meses, o primeiro gêmeo nasce. O que fala aquele que ficou, ainda que por pouco tempo no ventre da mãe? Com certeza pensa: “meu irmão morreu, não está mais aqui, desapareceu, me deixou...” e chora. Mas, em verdade, o irmão  morreu? Não! Ele somente deixou uma vida apertada, curta, limitada, e entrou para uma vida mais plena, mais agradável do que a anterior.

Assim, diz Jesus, acontece ao seu discípulo que morre. Em verdade não morre de fato, nasce para uma vida nova, entra no mundo de Deus, passa a fazer parte de uma vida que não está mais sujeita aos limites da vida desta terra. É uma vida que não acabará mais.

A vida divina que o cristão recebe no Batismo não pode ser vista, verificada, tocada. Para que ela possa manifestar-se, é preciso que a vida material, ligada a este mundo, termine. É por isso que os primeiros cristãos chamavam “dia do nascimento” aquele que para os outros homens é o dia da morte.

Após ter ouvido as palavras de Jesus, Marta pronuncia uma belíssima profissão de fé; reconhece que Jesus é aquele que dá esta Vida: “Sim, Senhor, eu creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus, o Salvador esperado, que devia vir ao mundo” (v.27).

Mas porque falamos tanto da ressurreição de Jesus e da nossa se o assunto aqui é a reanimação de Lázaro? É que esta última é apenas um “sinal” (=milagre) de que Jesus é o Senhor da vida e da morte, e que, portanto, suas palavras sobre a ressurreição merecem fé.

Não obstante esta fé, a morte provoca dor e lágrimas, em crentes e ateus. Jesus também chorou, humano como era. Mas é preciso distinguir dois tipos de choro: o choro desesperado dos que tem a certeza de que com a morte tudo terminou, e o choro dos que crêem. Estes dois prantos são descritos com dois verbos diferentes. De Maria, de Marta, dos judeus se diz que “ choravam desesperadamente”(v.33). De Jesus, ao invés, o texto original diz: “lágrimas lhe corriam dos olhos”( v.35).






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